A história da sua vida

Revista Machado
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3 min readJul 19, 2021

Estou sentado em meu quarto por aproximadamente cinco minutos. Sinto seus olhos em mim. Por mais que eu tente fazer com que minha perna se movimente, ela continua parada como uma estaca no solo. O celular está ao meu lado, e ainda consigo mexer meu braço. Mas essa coisa me permitirá pegá-lo? Tenho que tentar, não posso perder tempo, se porventura me restar algum.

A cama range quando levanto o braço. No quarto, não há nenhum movimento. A luz da lua entrando pela janela é tão fraca que mal consigo ver a silhueta dos móveis. Porém, a escuridão não consegue esconder a presença dessa coisa no quarto comigo. Não penso que seja uma pessoa, é diferente. Nossos corpos são acostumados à presença de um semelhante, e a presença de um deles é sempre compreensível. Mas isso que está aqui comigo, agora, absolutamente, não é uma pessoa.

Há um mês venho sentindo algo me observar sempre que estou em casa, sozinho. Enquanto como, tomo banho, leio, estudo; sempre há um peso nas minhas costas. Olho para trás sobre o meu ombro, e o vazio me olha de volta. Nas últimas noites não tenho conseguido dormir direito, pois o peso desse ser me afunda na cama, sufoca minha respiração. Isso começou a me afetar no trabalho, mas o que ainda estou fazendo aqui? Na faculdade também, não quero mais aprender isso. Meus amigos me chamavam, não posso ir, estou cansado. Estou cansado. A comida já não tinha gosto, e a vontade de comer havia sumido. Passei uma semana sem ir trabalhar. O celular tocava, mas não atendia. O que querem saber de mim? Por favor, me deixem em paz.

Pessoas vieram à minha casa, mas não pude fingir que não estava. Não me encontravam em nenhum outro lugar. Quem viria bater à minha porta depois, a polícia? Eu tinha que atender. Cadê você? Estou aqui. Nunca mais o vi, nem atendeu às ligações. Desculpe, apenas estou ocupado. Com o quê?

Menti. Foram embora. Fiquei.

A casa fedia a podre. Os pratos de três semanas atrás estavam na pia. Há uma semana não comia. Meu corpo era uma parte do colchão. Na minha frente havia apenas a inconstância de pensamentos humanos duvidosos sobre a finalidade de tudo. O medo estava entranhado em meus ossos, e eu não conseguia nem ao menos levantar a ponta do meu dedo mindinho.

Então eu tive um sonho.

No sonho aparecia-me alguém, não conseguia ver seu rosto. Então ele apontou para uma parede branca ao seu lado. Um número formou-se na parede, como se uma pessoa invisível o estivesse escrevendo. De repente a parede se transformou em um bosque verde, semelhante aos do Oregon. A luz do sol iluminou meus olhos, e então caí no chão, desmaiado. Uma voz apareceu na minha cabeça e mandou levantar-me.

— Quem é você?

— Eu sou… — Mas acordei antes de ouvir.

Encontro meu celular, sua tela se acende como o sol saindo do oceano. Nesse momento já não me importo com a coisa no quarto, já não sinto mais medo do que possa vir a acontecer, pois pela primeira vez nos últimos dias estou com esperança. O número dele é o quinto da lista. Meu polegar trêmulo pressiona seu nome.

— Pode vir me buscar aqui em casa?

Sentado na minha cama, encarando algo mesmo sem conseguir vê-lo, com minhas pernas ainda cravadas no chão, ouço o som da porta da frente se abrindo. Vejo a luz inundar meu quarto enquanto ele abre a porta.

Gabriel Rodrigues tem 22 anos, nasceu e mora em Alagoas. Começou a escrever porque queria fazer a mesma coisa que os escritores que ele lia.

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