Como manter a sanidade sendo brasileiro

Revista Machado
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3 min readMay 13, 2021

São tempos sombrios. Ministros da saúde caíram em plena pandemia avassaladora. Lidaram com vidas como se lidam com coisas, como se fossem objetos descartáveis, números no espaço e cadáveres abstratos a serem enterrados por um presidente que não quer ser coveiro — embora tenha lutado para o ser. Como manter a sanidade em meio ao caos nacional? A política não cheira bem há pelos menos 130 anos. A saúde está entregue nas mãos de Deus — e ai de nós se não fosse Deus a proteger-nos. Não, meu amigo cientificista. Você pode bradar que só a ciência importa, mas não dá para tirar do cenário os livramentos divinos.

Mais de 400 mil mortes. De fato, é uma peste terrível. O vírus é apenas um dos males, apesar de ser o mais fatal, a ser enfrentado.

Muitos já não enlouqueceram por ter fé no Deus transcendental, que é um porto seguro em meio ao caos diário. Para o homem comum, ter fé em Deus é importantíssimo para não sucumbir à loucura generalizada. E esta loucura está espalhada por todos os lados, negacionistas ou cientificistas. A ciência é importante, e temos que, antes de botar uma fé cega em teorias conspiratórias propagadas pelo WhatsApp ou tratamentos duvidosos receitados por tias e tios nos grupos do Zap, acreditar nos cientistas que têm a vocação de fazer o bem e empenhar-se para que vidas sejam salvas através de seus estudos e vacinas. Não podemos crer que todos os cientistas estão mancomunados em uma teoria maluca para matar toda a população e ver cada brasileiro passando fome, perdendo emprego, morrendo aos milhares.

O vírus, que muitos negam, está cumprindo este papel sem ter entrado em conselho com cientistas, políticos, jornalistas, et cetera. Qual a dificuldade em ver o óbvio? Mas o óbvio, para o brasileiro, é impossível de se crer. Soma-se a tudo isto a incompetência de nossas autoridades constituídas. A quem recorrer? À uma ciência que não conforta e está aprisionada a um mundo pretensamente hermético? Sim, a religião é importante. Crer que há Alguém olhando por nós e nos protegendo é o que nos livra da loucura. Todavia, não há mal algum em também não crer no transcendental. Mas o que não podemos é tirar do outro, a quem queremos tanto ver bem, o seu consolo e esperança em meio a tanta dor.

As redes de apoio, mensagens positivas, a arte, literatura, música, cinema (streaming), uma boa refeição, um olhar empático, conversas distraídas, enfim, todas estas coisas também ajudam a ficarmos sãos em um país que nega o bem a todos, enterra todas as esperanças, mata os nossos entes mais queridos e tenta a todo custo fazer-nos desistir de nossa pátria interior — ou supratemporal, pois não somos desta pátria terrena.

E claro, nunca esquecer de usar máscaras, lavar bem as mãos com álcool em gel ou 70, evitar aglomerações e ficar em casa. O Brasil tem o poder de elevar à potência máxima todos os problemas, e não são apenas os políticos que têm essa culpa. Albert Camus, em “A peste”, traduz bem o nosso estado:

Teriam nossos concidadãos, pelo menos os que mais haviam sofrido com essa separação, se habituado à situação? Não seria inteiramente justa essa afirmação. Seria mais exato afirmar que, tanto moral quanto fisicamente, sofriam com a desencarnação. No começo da peste, lembravam-se nitidamente do ente que haviam perdido e sentiam saudade. Mas, se se lembravam nitidamente do rosto amado, do seu riso, de determinado dia que agora reconheciam ter sido feliz, tinham dificuldade de imaginar o que o outro podia estar fazendo no próprio momento em que o evocavam e em lugares de agora em diante tão longínquos. Em suma, nesse momento, tinham memória, mas uma imaginação insuficiente. Na segunda fase da peste, perderam também a memória. Não que tivessem esquecido esse rosto, mas, o que vem a dar no mesmo, ele perdera a carne, já não o sentiam no interior de si próprios.

Allenylson Ferreira, 26, escritor pernambucano. Publicou um conto e vem escrevendo outros tantos em seu blog no Medium. Idealizador e editor da Revista Machado.

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