Jane Eyre: Um clássico à frente de seu tempo
Nesse romance de formação, o leitor acompanhará o crescimento não apenas físico, mas moral e intelectual da protagonista Jane Eyre. Considerada como uma menina má pela sua tia, a Mrs. Reeds, Jane já entende que sua vida será ainda mais difícil se aceitar toda e qualquer opinião equivocada que pensarem sobre ela. O espírito rebelde e infantil de Jane vai encontrar o seu oposto quando, ao chegar na instituição Lowood para meninas órfãs, ela conhece Helen Burns, uma menina que leva muito a sério o cristianismo e sofre com resignação, pois entende que tudo o que sofrer aqui na Terra será recompensado no Céu. Apesar do contraste de personalidades, Jane e Helen tornam-se boas amigas e, com a ajuda de Helen, a protagonista vai domando o seu espírito impetuoso e entendendo a religião cristã.
A morte é uma constante na narrativa, ao menos nessa fase em que Jane se vê sozinha no mundo. Órfã de pais, depois perdendo o único parente que a amava, seu tio, esposo da Mrs. Reeds, ela também acaba perdendo a sua primeira e única amiga que já fizera na face da terra. Podemos dizer que esses acontecimentos vão dando um tom mais taciturno e pessimista à alma de Jane. No entanto, quando forma-se na instituição e por lá acaba ensinando cerca de dois anos, ela decide se aventurar pelo mundo. Ao colocar um anúncio no jornal local, Jane é requisitada por uma Sra. Fairfax para trabalhar como preceptora de uma menininha francesa em Thornfield.
Aceitando o emprego, Jane começa uma nova jornada. É em Thornfield que a órfã descobrirá o amor, assim como a decepção amorosa. Mr. Rochester é um homem mais velho que Jane, mas que despertará na criaturinha sentimentos fortes e ternos. O jogo de sedução entre Jane e Mr. Rochester é vitoriano, do mesmo modo como o jogo de sedução de Elisabeth e Mr. Darcy. Há, nessas formas excêntricas de demonstração de afetos, algo empolgante e até mesmo surpreendente, se compararmos com a nossa época.
Jane Eyre também envereda pelo gênero de mistério com uma pitada de horror, já que há uma criatura que grita durante a noite em Thornfield e que busca matar Mr. Rochester. Jane vê essa criatura em seu quarto e a descrição dessa cena é assustadora.
Um romance de fôlego e que aborda questões que, para a época, eram demasiadas atrevidas — mas que, hoje, são pertinentes. Mas a principal delas é sobre o papel da mulher na sociedade. Há um abismo entre o que, para Jane, é ser uma mulher, e o que é ser mulher para as demais personagens que aparecem na trama. Livre daqueles preconceitos, não apenas em relação ao seu sexo, mas até mesmo em relação à sua classe social, Jane Eyre continua servindo como um romance que, de determinada forma, muda e expande a imaginação do leitor, despindo-o de qualquer preconceito — se o leitor permitir, claro.
A leitura de Jane Eyre não é enfadonha, tampouco clichê. É apenas a leitura de um clássico que muda algo na vida de quem o lê.
Em Jane Eyre há tons autobiográficos, já que alguns episódios da vida da criatura coincidem com a da criadora. Questionando o papel das mulheres em sua época, o século XIX, Charlotte Brontë é vista como uma mulher à frente de seu tempo e que introduziu questões importantes para o debate naquele século. Da publicação de Jane Eyre, Brontë usou o pseudônimo masculino Currer Bell, porque mulheres que escreviam não eram bem aceitas. Publicado em 1847, críticos condenavam as ideias apresentadas em Jane Eyre por representar uma ameaça aos valores cristãos da época. Mas é incontestável o valor de Jane Eyre para a literatura ocidental, tanto que ele está no panteão dos clássicos.
Allenylson Ferreira é escritor e editor da Machado.