O jovem e o velho

Revista Machado
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8 min readMay 20, 2021

– O que faz aí plantado? — Perguntou o homem de cabelos grisalhos e bengala.

– Com todo o respeito, mas isso não interessa ao senhor, nem sequer nos conhecemos. — Retrucou o jovem.

– Estou perguntando porque temos tanta coisa para fazer e viver, mas você está aí sentado nessa grama, olhando para o céu sem fazer nada. Sabia que existem muitas pessoas que dariam tudo para estar no seu lugar? Ter a saúde que você tem?

– Isso não me interessa. Isso é problema delas. Cada um faz o seu próprio caminho e eu estou fazendo o meu, que é ficar sem fazer nada, esperando.

– Agora me diga, quem ou o quê você está esperando? Deve ser algo muito especial para te fazer ficar plantado aqui sem aproveitar a sua juventude. Se você soubesse o que eu não daria para estar no seu lugar, com a idade que você tem…

– Olha, isso não importa. Eu já te disse que não é da sua conta. Aliás, quem é você? Por que quer saber tanto da minha vida?

O velho começou a rir, uma risada seca e desconexa que veio seguida de uma intensa tosse.

– Por que está rindo? Tudo que você fez quando me viu foi só fazer perguntas e mais perguntas. Agora é a minha vez, não acha?

– Tudo que eu tive foram perguntas sem respostas — retrucou o velho. — Mas o que eu posso te dizer é o seguinte: aprenda a viver. Quem você espera não virá hoje e certamente não virá amanhã; talvez no dia seguinte? Talvez, mas isso você não sabe.

– Como você sabe que estou esperando alguém? Quem te contou?

– Sei de muitas coisas.

– Estou perdendo a paciência com você, velho — disse o jovem, irado. — Seja mais claro.

– Venha, vamos fazer um passeio.

O velho então estendeu a mão para que o jovem a segurasse. Assim que a mão dele foi tocada, foi como se milhares de mundos surgissem em um piscar de olhos. Tudo escureceu e milhares de estrelas surgiram acima deles e abaixo existiam milhares de planetas.

O jovem rapaz ficou completamente desnorteado e se perguntou como aquilo era possível; era como se eles estivessem no espaço, mas ao mesmo tempo não. Como se um leque de possibilidades fosse aberto e esse leque envolvia cada planeta que estava abaixo deles.

– Vê estes mundos? — Perguntou o velho. — Cada um deles representa cada pessoa do planeta terra — que possui o seu próprio mundo, a sua própria vida. Vamos lá, escolha um.

O rapaz, em choque e com as mãos tremendo, apontou para um pequeno planeta bem próximo de onde estavam.

O planeta era pequeno, mas cheio de vida. Era um planeta verde em que a sua vegetação ainda estava crescendo, mas já dava vislumbres de que seria um mundo belo e cheio de vida.

– Lindíssimo, não acha? Provavelmente uma criança é dona deste pequeno e lindo lugar.

– Mas… Como você sabe? — Perguntou o jovem, incrédulo.

– Simples, veja como a vegetação está crescendo e brotando — disse o velho se abaixando e tocando nas plantas. — Veja como este planeta é pequeno, porém cheio de vida. Não vai demorar até que surjam animais, que vão se proliferar e o planeta vai crescer gradativamente e de forma rápida. As crianças são cheias de esperanças e de energia, não desperdiçam os seus dias sentadas no sofá, mas sim brincando com os seus demais amigos. Isso contribui para que esse planeta seja tão belo. Agora vamos sair daqui.

– Espera, mas já? Esse lugar é maravilhoso, vamos ficar e ver mais do que ele pode oferecer para nós — disse o rapaz suplicando.

– Não, ainda temos outras coisas interessantes para ver em nosso passeio. Prometo que o que veremos hoje irá superar este pequeno mundinho.

Um toque no ombro do rapaz fez com que os dois estivessem de volta ao lugar de origem. Mais planetas para explorar. Eram tantos que era impossível contar, cada um diferente do outro, cada um com a sua magnitude, e outros nem tanto.

– Escolha mais um para visitarmos.

– Aquele — disse o rapaz apontando para um planeta maior do que o que eles estavam, porém havia algo de errado naquele lugar. Ele não era tão verde, a vegetação estava tão estranha que era possível vê-la de longe.

– Como quiser.

Em um piscar de olhos, os dois estavam pisando naquele lugar. O planeta não era lá grandes coisas, pensou o jovem.

O lugar, em certas partes, era verde, mas um verde que já estava sumindo; e em outros era árido e seco, como se nunca tivesse chovido, ou se tivesse, teria sido há muito tempo.

– Esse aqui é o mundo de alguém que começou a perder a fé nas coisas, veja como as plantas estão secas em alguns lugares e em outras estão completamente verdes.

Os dois caminharam por um tempo e não demorou muito até que encontrassem algumas criaturas que viviam naquele local. Algumas eram amistosas e agradáveis, já outras nem tanto.

– O que é aquilo? — perguntou o jovem apontando para uma criatura que vinha se aproximando.

Aquela criatura era enorme. Tinha três cabeças e cada uma delas com um chifre. A besta tinha dificuldade de se locomover devido ao seu tamanho e peso, por isso ela andava tropeçando em cada pedra e galho que ia surgindo no meio do caminho. O som da sua respiração era perceptível há quilômetros de distância, o que fazia com que os outros animais menores fugissem assim que a viam chegando.

– É melhor sairmos logo daqui — disse o velho. — Já vimos tudo que que esse planeta tinha a nos oferecer.

E novamente com um toque, os dois estavam de volta ao local inicial de seu passeio.

– Certo, escolha mais um. Quero fazer mais algumas viagens com você.

– Antes, quero saber quem é você e por que está me mostrando tudo isso.

– Eu sou o que sou, mas isso não convém agora. Vamos, escolha o nosso próximo destino.

O jovem, irritado, apontou para o planeta mais escuro e sombrio que havia na frente deles. Era impossível ver algo que tinha ali. Diferente dos outros, não dava para distinguir como era a sua vegetação.

E em um piscar de olhos, os dois estavam pisando naquele lugar sombrio. O planeta era tão escuro que os olhos do rapaz doíam para tentar enxergar o chão. O clima era frio, mas não como o frio de inverno e sim como o frio do Polo Norte. A única coisa que dava para ter certeza é de que havia algo ali. Algo sombrio e maligno. A sua respiração era perceptível por todo o planeta.

– Que som é esse? O que é essa coisa respirando tão alto?

– Lembra daquela criatura de três cabeças que vimos no planeta passado? É isso o que acontece quando ela é alimentada. Ela se tornou o próprio planeta.

– E o que esse mundo representa?

– Representa alguém em que a fé já se foi há muito tempo. E uma pessoa que já cansou de lutar, não tem mais nenhuma força. Toda a esperança se foi.

– Não podemos ajuda-la?

– Não, garoto. Quando eu disse que toda a esperança se foi, quis dizer que essa pessoa já morreu. Lembre-se que enquanto há vida, há esperança.

– E quanto à criatura? Não podemos matá-la? Ou então arrumar um jeito de expulsar ela para que nunca mais atormente ninguém?

– Você é um bom garoto, tem um bom coração, mas ainda não entendeu. Venha, temos mais uma visita para fazer e esse lugar eu mesmo vou escolher.

Dessa vez foi diferente, os dois não retornaram ao mesmo local de origem, mas foram diretamente para outro planeta.

O sol brilhava de forma diferente naquele lugar, não era quente, mas também não era frio. A vegetação estava murchando e as criaturas que viviam naquele local eram escassas. A grande maioria já havia sido extinta.

O jovem rapaz se abaixou e pegou um punhado de terra na mão. Esse lugar não me é estranho, ele pensou. Jogou a terra no ar e o vento a carregou.

– O que estamos fazendo neste lugar? O que ele representa?

– Ele representa você.

O rapaz ficou olhando para o velho, perplexo, por um longo momento

– Não acredita, não é? Faça o seguinte: olhe para o seu coração. O que tem preenchido ele?

– Têm dias nos quais eu não sei o que quero, sinto que não tenho um propósito, nada. Se Deus realmente existe, então por que ele me permite viver?

– O que você estava esperando sentado naquela grama?

– A morte.

– Eu sei e ouso te dizer que ela não virá tão cedo para você.

– E quem é você? Deus?

– Eu tenho muitos nomes, muitos me chamaram de muitas coisas. Mas Eu sou o que sou e é isso que importa. E você? Quem é você?

– Eu sou eu e mais nada.

– Errado. Você é alguém, teve uma mãe maravilhosa que te criou e te deu todo o amor que podia. Seu pai sempre foi alguém ausente que não aparentava ligar para você, mas isso não importava enquanto você tinha a sua mãe ao seu lado. Um dia ela se foi e todo o seu mundo desmoronou. Você sente que perdeu a única pessoa que importava na sua vida, sente que perdeu o propósito, sente que o destino não lhe reserva nada além de dor.

– Como você sabe disso?! — Berrou o jovem em prantos. — Você não sabe nada!

Ele desmoronou no chão, soluçando de tanto chorar. O mundo a volta deles foi se tornando escuro e começou a surgir o monstro dos outros planetas, e foi se tornando cada vez maior e maior, de uma forma que toda a vida do planeta ia sendo sugada por ele.

O velho aproximou-se do rapaz e disse:

– Resista, tenha fé que tudo isso vai passar. Toda essa escuridão que cresce dentro de você é passageira e logo o sol vai brilhar mais forte do que antes.

– Eu não posso garantir isso, tudo que eu sinto é um vazio imenso que cresce a cada dia.

– Então vamos encher o seu coração com essa promessa.

– Que promessa?

O velho sussurrou algumas palavras em seu ouvido. Logo, as lágrimas do jovem secaram e ele disse:

– Você promete?

– Sim — disse o velho sorrindo. — Agora vamos dar um jeito em toda essa escuridão.

A escuridão tinha se tornado tamanha que todo o planeta parecia ter sido engolido pelo breu do espaço, era impossível enxergar alguma coisa. E a criatura se tornava cada vez maior e mais forte, a sua respiração se tornava mais pesada assim como o seu peso. Os seus chifres ultrapassavam as nuvens e o seu rugido era tão alto que todo o universo podia ouvi-la.

O velho então bateu com sua bengala no chão e tudo se desfez. Os dois estavam de volta ao local de origem.

– O que houve com o planeta? Como ele está? Aquele monstro foi derrotado? — perguntou o jovem, cheio de dúvidas.

– Derrotado ele já foi desde o princípio de todas as coisas. Mas o planeta, me diga você. Como está o seu coração?

– Ele está cheio de alegria e esperança

– Então ele está ainda mais belo do que o planeta daquela criança, quer vê-lo?

– Não, quero ir para casa. Tenho uma vida que quero viver.

Matheus Ferreira de Oliveira, 20 anos. Sempre pensando em uma forma de glorificar ao Deus vivo através da escrita e de suas histórias. Presbiteriano de coração e um apreciador de bons livros e bons filmes. Atualmente mora em Praia Grande, litoral de SP.

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