O vale do grito
Tic tac, tic tac, tic tac, tic tac.
Olhava fixamente para os ponteiros de algo completamente estranho na parede, de coloração azul e com seu interior em vermelho. As mãos suando, uma volta, sentia o coração disparar, mais um barulho saía dali, agora suas pernas tremiam, já havia se passado quantos segundos para completar um minuto? Agora era a falta de ar, invenção da sua cabeça ou estava girando mais devagar? O corpo começou a formigar. Fechou os olhos, respirou fundo, puxou e exalou o ar, conte até seis em cada respiração e tudo vai ficar bem.
— Podemos prosseguir? — O homem assustado pergunta e observa bem a garota, que estava vestida com roupas completamente rasgadas e antigas, seus pés com marcas de ferimentos cicatrizados, algo que ela nem sequer notou. Ela tremia um pouco. Nervosismo ou frio?
— Consegue se lembrar como veio parar aqui?
Ela sabia que não conseguiria explicar, fechou os olhos e começou a lembrar de tudo que havia acontecido. Se concentrasse bem, conseguiria identificar até mesmo o cheiro que aquele lugar tinha.
Abriu os olhos e se viu no meio do bosque novamente, olhando de um lado para o outro, visualizando as grandes árvores e animais que ali se encontravam; virou para o outro lado e lá estava o grande lago que ocupava todo lado esquerdo da floresta. Seu reflexo era o mesmo de dois meses atrás, a roupa que ela havia separado com todo cuidado para aquele dia se encontrava no seu corpo e seus sapatos cor de madeira, que havia limpado com toda animação nos seus pés incontroláveis. Sentia orgulho de si, ela estava conforme o planejado, talvez até melhor do que pensava que ficaria. Puxou o ar e focou no que tinha que fazer ali, andou até atravessar totalmente o caminho de pedras que estava a sua frente, queria chegar o mais rápido possível até a coroação — um dos dias mais importantes para o seu povo e não poderia perder nem um segundo sequer do que iria acontecer.
Onde vivia era um lugar completamente seguro, com pessoas amorosas e gentis. Estavam acostumados a todo momento a ajudar e proteger a todos; a única parte perigosa era a floresta, conhecida como O Vale do Grito, que tem esse nome porque as pessoas que ali desapareciam eram lembradas por seus gritos e eram ouvidos por todo o Reino. Para chegar ao Palácio Real era necessário atravessar aquele caminho, e foi o que toda sua família fez, mas Amélia havia se atrasado o bastante para ficar sem companhia e segurança. Não queria perder aquele dia especial, então, mesmo com todo o perigo, foi confiante imaginando que tudo daria certo.
Era um caminho rápido, porém estreito. Aproveitava aquele tempo livre para sentir o cheiro das plantas que encontrava pelo caminho e a beleza das borboletas e pássaros que passavam por ela. Sempre foi uma menina de muita imaginação, então foi fácil transformar uma floresta escura e estranha em um lindo bosque encantado. Havia muitas corujas e pássaros raros, sempre que os via desejava ter como registrar aquele momento para sempre, a cada momento suspirava encantada.
A mesma se encontrava na metade do caminho quando começou a ouvir passos atrás dela, sua imaginação tentou convencer que estava tudo bem, mas não estava; com o coração acelerado e sentindo o corpo tremer, começou a andar mais rápido e na mesma hora se arrependia de ter colocado aqueles sapatos. Pensou que poderia ser mais alguém que havia se atrasado para a coroação, mas essa ideia foi totalmente contrariada quando escutou um forte barulho em cima das árvores. Andar rápido não era mais uma opção, a dúvida passou a ser uma certeza e sabia que tinha alguém ali com ela; seu corpo entendeu o sinal de alerta e ela foi impulsionada a fugir o quanto antes do que se encontrava entre a mata. Corria o mais rápido possível e tropeçava várias vezes, começou a ouvir um apito que fazia seus ouvidos doerem que ficava cada vez mais alto e não conseguia mais escutar os passos. O desespero foi cada vez maior e o mal estar se alastrava pelo seu corpo, tinha certeza que havia machucado um dos tornozelos durante o caminho; os pássaros encantados deram lugar para olhos escuros e o céu não era mais possível ser visto. Sentiu suas forças indo embora e sua respiração ficou fraca. Estava em uma parte do bosque que não havia conhecimento e via cada vez mais coisas que se tornava assustadoras, seu coração pulava do corpo, sentia o quanto estava machucada, não havia mais ar, não existiam mais sonhos, seu mundo perdeu o chão e olhando para trás, tentando ver algo, perdeu o passo e tropeçou em um grande penhasco. Perdia sua visão enquanto rolava na areia fria e molhada, o apito ficando cada vez mais forte e seus sentidos foram sumindo. O fim do penhasco era de um grande e fundo mar, nos últimos segundos só pedia que tudo aquilo acabasse, e antes de cair em profundas águas, sua doce voz deu lugar a um forte e fino grito. A menina afundava em uma solidão sem fim, seu corpo ia desfalecendo aos poucos e seus sentidos haviam ido embora, agora era ela e sua infinita e dolorosa realidade.
Décadas depois houve um forte aquecimento nas águas, que fez com que as pedras de gelos encontradas no fundo do mar fossem desfeitas e os corpos ali congelados se encontrassem boiando entre as águas. Todos marcados pelas dores da floresta, machucados, com roupas rasgadas e o desespero marcado nos rostos; a cena se tornava a cada momento mais assustadora e inexplicável. Cada um tinha uma história, mas nem todas foram ouvidas.
Os corpos foram carregados por pescadores para a base central da praia, onde os melhores cientistas do país iriam coletar e fazer o possível para entender o que havia acontecido. Depois de um longo tempo todos se surpreenderam ao descobrir que nem todos estavam mortos; uma garota, de pele clara, sendo a única encontrada com a face de plenitude e paz, despertou e falou. Segundos depois a mesma caiu desfalecida no chão. Precisava falar e contar, mas a única coisa ouvida foi um forte e fino grito.
Camila Cavalcanti nasceu na cidade de Campina Grande-PB, desde pequena sempre gostou de escrever e detalhar sentimentos nos seus textos. Com um ar fantasioso, tenta relatar sentimentos humanos e situações que acabam afetando o psicológico dos personagens baseados em situações da nossa sociedade atual.