Aurora e Ocaso do Estilo Político Mineiro

A abordagem conciliatória atribuída a políticos como Tancredo Neves nasce em Minas apenas no fim do século XIX

Chapéu
revista Maquiavel
3 min readMay 15, 2017

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"É lugar-comum definir o estilo mineiro de fazer política como envolvendo habilidade, astúcia e pragmatismo postos a serviço da conquista e manutenção de poder. Tal estilo surgiu no século 20. Nada semelhante houve nos séculos 18 e 19. O Setecentos mineiro, a Minas do Ouro, foi marcado por revoltas, liderados por exploradores e aventureiros, nas cidades e nos sertões. As lideranças que emergiam nada tinham de pacíficas, eram gente como Manuel Nunes Vianna, Felipe dos Santos, os inconfidentes. Viviam em uma terra em que, como escreveu o conde de Bobadela, o pó das minas se metia nos narizes dos habitantes e punha ideias em suas cabeças, mais de rebeldia e ruptura do que de conciliação.

À época da Independência, a produção de ouro já estava em decadência e a população mineira passava por processo ruralização. A chegada da Corte em 1808 reforçara a demanda de produtos agrícolas que os mineiros da Zona da Mata e do Sul se encarregavam de suprir. Mesmo assim, no que se refere às lideranças políticas, nada ainda lembrava o estereótipo atual do político mineiro. Até 1842, as revoltas eram frequentes. Líderes como Bernardo Pereira de Vasconcelos, nascido em Ouro Preto, Teófilo Otoni, do Serro, e o visconde de Ouro Preto, também ouro-pretano e último presidente do Conselho de Ministros, conservadores e liberais, eram tudo menos conciliadores. […] Nem mesmo o marquês de Paraná, originário de Jacuí, sul de Minas, tantas vezes citado por Tancredo como precursor da ideia de conciliação, era um “político mineiro”. O marquês inaugurou, sim, uma política que ficou conhecida como de conciliação, voltada para pôr fim à guerra entre liberais e conservadores. Mas ele o fez com mão de ferro, sem negociação alguma, atropelando até mesmo os correligionários saquaremas.

Mudanças significativa verificou-se após a proclamação da República e a adoção do federalismo. O fulcro da economia mineira já se deslocara da mineração para a cultura do café na Zona da Mata e no Sul, enquanto o Norte mantinha sua base pecuária. A Minas do Ouro foi substituída pela Minas da Terra e formara-se o que o historiador John Wirth chamou de mosaico mineiro [1].

O impacto da mudança na política foi inevitável. De um lado, o centro do poder foi retirado de Ouro Preto e transferido para a nova capital (1897), sob a hegemonia dos políticos da Zona da Mata e do Sul. Por outro lado, a política federalista, chamada de política dos Estados, exigia a unificação da bancada mineira no Congresso. Coube aos novos líderes a tarefa da unificação e eles dela se desincumbiram com muita habilidade e muito êxito, costurando um novo arranjo político em torno do Partido Republicano Mineiro. O processo foi estudado por Amílcar Martins [2], que nele viu a origem do que passou a ser conhecido, então, com pertinência, de estilo mineiro de fazer política, marcado pela capacidade de negociação. O estilo predominou durante a primeira metade do século 20 até a emergência da Minas do Ferro, marcada pela industrialização da região central, antes centro aurífero. Hoje não existe mais. Foi dentro dele que Tancredo Neves fez seu aprendizado político."

Trecho de “Animal Político”, crítica de José Murilo de Carvalho da biografia Tancredo Neves, o princípe civil, escrita por Plínio Fraga. O texto foi publicado no primeiro número da revista quatrocincoum. Referências do texto:

  • [1] "formara-se o que o historiador John Wirth chamou de mosaico mineiro"; se refere a O fiel da balança: Minas Gerais na confederação brasileira — 1889/1937, desse autor.
  • [2]"O processo foi estudado por Amílcar Martins, que nele viu a origem do (…) estilo mineiro de fazer política"; se refere a O segredo de Minas: a origem do estilo mineiro de fazer política (1889–1930), desse autor.

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