Vamos falar de pedofilia de verdade?
Coletânea de referências e propostas para entender o contexto do abuso de crianças e adolescentes e propor mudanças concretas
Embora distorcido por certa agenda política, a efervescência do debate a respeito da pedofilia é útil: este é, de fato, um problema que o Brasil deve enfrentar. Porém, a polêmica como se coloca não aponta caminhos e pode prejudicar a criação de medidas efetivas para evitar esses crimes.
Esta matéria busca trazer pontos de vista mais produtivos sobre o combate ao abuso de crianças e adolescentes. Contribua com essa conversa: compartilhe este post nos debates desencaminhados da internet, discuta as propostas nos comentários, sugira novos textos para inclusão nesta antologia.
Índice das propostas (até 29/9, às 13h)
- Obrigar o poder público a cumprir o monitoramento
- Construir melhores bases de dados sobre o problema
- Expandir a conscientização da criança e do adolescente
- Romper o silêncio do abuso familiar
- Aperfeiçoar a infraestrutura pública
- Tipificar o crime
- Ampliar conscientização e punir delito não-concluído
Combate à exploração sexual infantil esbarra em cultura machista, Folha de S. Paulo, 22/5/2017
Contexto
A cultura machista no Legislativo e Judiciário e as dificuldades de implementar a legislação existente ainda atrapalham os avanços nas políticas de proteção à criança e ao adolescente no país. (…)
Entre os entraves estão a falta de aplicação da política nacional de combate à exploração sexual infantil nos municípios e questões culturais, como a visão machista de órgãos institucionais.
Propostas
Obrigar o poder público a cumprir o monitoramento
A legislação brasileira de proteção à criança e ao adolescente é considerada moderna, e o cenário é de evolução. Normas importantes foram aprovadas entre março e abril, na esteira da lei 13.431.
É o caso da resolução que exige a presença de pessoal especializado em depoimentos de menores vítimas de violência; da determinação do confisco de bens e dinheiro relacionados à exploração sexual infantil e das regras para infiltração da Polícia Civil em redes de recrutamento de menores na internet.
Embora o país tenha leis avançadas, os municípios, responsáveis por implementar essas políticas, nem sempre cumprem seu papel.
Exemplo disso é a obrigação legal de notificar casos de abuso infantil em postos de saúde, que não é cumprida por todas as prefeituras.
Para Heloísa Oliveira, da Fundação Abrinq, a lei é excelente, mas a necessidade de adaptá-la para o plano municipal dificulta sua adoção de maneira abrangente. “São mais de 5.000 municípios. Não basta botar no papel, tem que tirar do papel.”
Construir melhores bases de dados sobre o problema
Um dos entraves para tornar as leis efetivas é a falta de dados sobre exploração sexual. As polícias estaduais têm registros próprios, e não há um sistema unificado para todo o território nacional.
O mesmo vale para os tribunais: não se sabe o número de processos em curso nem de condenações já aplicadas por abuso sexual infantil.
Expandir a conscientização da criança e do adolescente
A escola deve abrir espaço para o debate da sexualidade, segundo Danielle Martins Silva, promotora de Justiça do Ministério Público do DF.
“É preciso que a criança saiba expressar os erros que acontecem com ela em casa ou em outro lugar, mas o que a gente nota é um movimento ideológico imbecil que tenta impedir a divulgação de informações sobre direitos sexuais e reprodutivos.”
(…) Delegada especializada em crimes contra mulheres e crianças em Manacapuru (AM), Roberta Merly relatou uma situação em que o acesso à informação foi decisivo para a denúncia de abusos.
“No fim do ano passado, uma menina de dez anos viu o conselho tutelar passando na rua. Ela correu para denunciar o pai porque tinha ouvido na TV que o órgão protegia as crianças.”
Pedofilia: pesadelo que começa na infância e em casa, O Globo, 8 /3/2014
Contexto
Na maior parte dos casos (70% para crianças de até nove anos e 58% para os de 10 a 19 anos), a violência sexual aconteceu dentro de casa e o agressor era do sexo masculino. Segundo o ministério, o provável autor do abuso foi um amigo ou conhecido da vítima em 26,5% dos casos entre crianças de até nove anos de idade e em 29,2% dos até 19 anos.
Propostas
Romper o silêncio do abuso familiar
A Organização Mundial da Saúde estima que 20% das meninas e mulheres de até 18 anos sofram algum tipo de violência sexual no mundo. As autoridades chegam a uma parcela pequena. A violência é mantida sob um manto de segredo quando se trata do abuso sexual intrafamiliar. É difícil romper esse segredo. É preciso haver a atenção de todos para as crianças.
Aperfeiçoar a infraestrutura pública
Temos que ficar indignados e pressionar os governos para qualificar e ampliar o atendimento. Sabemos que muitos conselhos tutelares, por exemplo, nem têm carros para fazer visitas às famílias. Falta engajar todos e ter mais políticas públicas que atuem na ponta do problema.
Pedofilia ainda não é crime no Brasil, Gazeta do Povo, 23/11/2008
Contexto
Em vários países existem dispositivos para este delito, mas, no Brasil, para punir o pedófilo é necessário se valer de outros crimes tipificados pelo Código Penal, como estupro, atentado violento ao pudor, presunção de violência, lesão corporal, corrupção de menores e, se for o caso, homicídio.
Propostas
Tipificar o crime
A tipificação do crime de pedofilia poderia ajudar na punição de autores de crimes como os que abalaram o país nos últimos dias. Outra saída, segundo Márcia, seria a alteração dos artigos que tipificam os crimes contra liberdade sexual — como estupro e atentado violento ao pudor — com o aumento de penas e a inserção de tratamento terapêutico para os abusadores.
Ampliar conscientização e punir delito não-concluído
De acordo com o secretário de Estado da Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari, a falta de tipificação penal específica não é um problema para punir o pedófilo. “Existem outros mecanismos para punir. O que não existe é o despertar da sociedade para o problema
(…) Segundo Eunice, a dificuldade em punir o pedófilo está no fato de que alguns dos delitos não admitem punição para tentativa ou não deixam marcas. Outro problema, segundo ela, é que os pedófilos deixam de ser punidos por falta de conclusão do delito. “Eles começam a executar, mas não consumam”, explica.
Duanne Ribeiro é membro do conselho editorial da Maquiavel. Jornalista formado pela Universidade Santa Cecília, mestre em ciência da informação, pós-graduado em gestão cultural pelo Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc) e graduado em filosofia, todos pela USP. É editor da revista de conhecimento e criatividade Capitu.