Bessi / Pixabay

A Mente De Uma Criança

Adriana Torquato
Revista Mar Aberto
Published in
4 min readDec 17, 2020

--

Depois de muito sofrer com a ansiedade e ter uma amostra de depressão, aprendi bastante coisa, tanto buscando por conta própria quanto com ajuda profissional.

A verdade, no entanto, é que a ladainha parece ser sempre a mesma. A gente pode até aprender muito sobre esse assunto e sobre autoconhecimento, mas fica a pergunta: o que muda se nós mesmos continuamos do mesmo jeito?

Os conselhos eram sempre os mesmos:

  • “viva o agora”
  • “se contente com o que vc tem”
  • “Agradeça pela sua vida independente de como ela é”
  • “tenha fé”

No final, por dentro, continuava tudo igual. Eu me sentia morta. Pior: depois de ouvir esses “conselhos”, ainda me sentia culpada.

Sentia que, mesmo tendo as respostas para resolver todos os problemas relacionados a ansiedade e depressão, colocá-las em prática era muito difícil.

Percebi que, no meu caso, essa dificuldade estava atrelada aos ensinamentos e crenças que absorvi ao longo dos anos. Afinal de contas, quando era criança eu vivia longe da ansiedade e da depressão.

A grande pergunta é: por quê?

Por que a gente perde o poder de estar no presente quando fica mais velho? O que eu fazia antes, ou deixava de fazer, que deixava tudo mais interessante?

Os dias demoravam a passar, mas não do jeito ruim, dias tediosos. Eles eram incríveis! Por mais que o dia fosse chuvoso, acabasse a energia, não tivesse internet nem celular, era incrível!

Eu me pergunto: em que momento da vida essa parte tão nobre do cérebro deixa de existir ou se transforma nessa parte tão ruim, que só nos atormenta? Por mais que eu tente me lembrar como era e o que eu fazia, permanece o mistério. O que consigo são apenas algumas teorias:

1- Estava sempre aprendendo algo — a cabeça de uma criança é uma caixa vazia, todo dia tem algo novo pra botar dentro da caixa e analisar depois; sempre existem perguntas, algumas respondidas, outras nem tanto. Elas se tornam um mistério a ser desvendado, viram um filme cheio de especulações.

2- O “e se…” não existia dentro da “caixa”. Ou melhor, essa pergunta só é usada para coisas que partem da própria criança (por exemplo: “e se” eu ficar acordado até tarde o que será que acontece?). A criança nunca usa o “e se…” para querer mudar o passado (e se eu tivesse feito de outro jeito?) ou o futuro distante (e se eu fizer isso e me der mal? E se me assaltarem? E se quebrar?).

3- Achava que todas as pessoas eram boas. Como disse Osho: “Não é o poder que corrompe o homem, o homem é que carrega a corrupção dentro de si. O poder apenas lhe dá a oportunidade de fazer o que quiser”.

Acredito hoje que todas as pessoas podem ser boas ou más, só depende das circunstâncias. Para as crianças, porém, todos são bons e todos vão ajudar se precisar, então elas nem se preocupam com isso.

Acho que conforme crescemos tudo isso vai mudando, porque a caixa fica cheia. Passamos a ter informações suficientes para saber que as pessoas não são puramente boas, aí começamos a imaginar possibilidades do que poderia ter acontecido e do que poderia acontecer — “e se isso”, “e se aquilo”.

Como não temos mais ninguém para “filtrar” os acontecimentos e os perigos pra gente (como nossos pais), nós mesmos nos tornamos o filtro. Aí esse filtro vai ficando cada vez mais sujo, poluído com informações imprestáveis. Já não tem nada a ver com as informações legais, divertidas e interessantes que recebíamos na infância.

Por exemplo: uma simples informação como: “vamos na roda gigante…” já puxa automaticamente outros pensamentos, como “e se ela quebrar com a gente lá em cima?”, “e se formos assaltados no parque?”.

Pra uma criança esse tipo de informação seria descartada na hora, acho que pelo motivo que já citei, sempre terá um adulto servindo de filtro e protegendo ela, seja de um assaltante, seja resgatando ela do brinquedo quebrado.

Arte: Adriana Torquato

Também somos ensinados que precisamos ser bem sucedidos, mas em qual sentido? Pra mim isso foi ensinado somente em relação ao dinheiro. Aprendi que precisamos ter muito dinheiro para só daí nos preocuparmos com a felicidade.

Aí crescemos e iniciamos a eterna corrida até esse “muito dinheiro” e quando chegamos no final da corrida percebemos que nada daquilo realmente importa, pois com ou sem dinheiro o final estará lá.

Mesmo que tenhamos chegado aonde queríamos, o que podemos fazer ali no final? Impossível começar de novo, portanto seria melhor enxergarmos essa realidade o quanto antes, para assim ter tempo de enxergar outras prioridades realmente importantes.

Acredito, portanto, que todo esse sofrimento que aparece quando nos tornamos adultos seja por termos aprendido muitas coisas de maneira distorcida.

O fato de estarmos presos a uma sociedade que escolhe por nós como devemos ser e agir não ajuda muito. Por outro lado, nós fazemos parte dessa sociedade e ajudamos a dar continuidade a tudo isso ensinando nossos filhos ou até mesmo outras crianças da mesma maneira que fomos ensinados.

Assim se cria um costume que nem nós mesmos sabemos por que adotamos. Como as crianças, não paramos para nos perguntar por que agimos como agimos. Simplesmente nos calamos e obedecemos.

Então, respondendo a pergunta do início: para mudarmos de verdade, não basta seguir aquelas frases clichês de sempre.

Precisamos ver sentido no que estamos fazendo. Não nos tornando uma pessoa irresponsável, mas escolhendo como queremos executar as tarefas da nossa vida de um jeito que seja bom pra nós naquele momento ou num futuro próximo — sem querer mudar o passado ou chegar logo no futuro distante.

--

--

Adriana Torquato
Revista Mar Aberto

Formda em veterinária, abandonou essa profissão pra seguir seu verdadeiro sonho: pintura e desenho. Exemplo de como a profissão errada torna tudo mais difícil.