Crônica

Lucas Honorato
Revista Mercatus
Published in
4 min readJul 2, 2018

Pequenas e grandes engrenagens que fazem girar um shopping center

De uma conversa ouvida aleatoriamente em um corredor de shopping a uma reflexão sobre o funcionamento dos empreendimentos no tocante as lojas que estavam ao redor daquele diálogo

Em uma tarde de segunda-feira, fora da grande movimentação dos sábados em qualquer shopping center do país, eu estava sentado em uma das cadeiras dispostas pelo corredor de um dos centros comerciais na Zona Sul da capital sergipana. Para quem conhece Aracaju não se faz necessário que nomes sejam ditos nesta minha observação. Entre um vai e vem de pessoas, algumas com sacolas de lojas mais populares, outras com pacotes de marcas mais renomadas e um terceiro grupo apenas passeando após um lanche, escuto uma breve conversa sobre preços de camisas.

É possível que quem estava naquela conversa não tenha percebido o quão profundo poderia ser um mergulho a partir de uma comparação do quanto custou a camisa de um e de outro. Quem dera que de um comentário em tom de brincadeira viria uma reflexão sobre o mecanismo de funcionamento de um shopping center? Um dos amigos comentou que o produto que usava tinha sido de uma determinada marca — mostrou ao outro apontando para a loja — e dizendo o preço: R$ 99 reais. Em seguida, o outro rebateu dizendo que a dele tinha sido apenas R$ 29 reais e fazia “o mesmo efeito”. A conversa prosseguiu, mas somente esse ponto já nos é útil para prosseguirmos.

Um shopping center é um lugar em que pelos corredores está disposta uma grande quantidade de espaços comerciais de diversos tamanhos; praça de alimentação; salas de cinema, entre outras atrações. De acordo com a Associação Brasileira de Shoppings Centers (Abrasce), há três tipos de lojas. As âncoras são aquelas com mais de mil m2 e são as com maior potencial de atração do público para o empreendimento. As mega lojas ocupam áreas entre 500 m2 e 999 m2. Por fim, as satélites são as demais lojas com espaços relativamente pequenos.

Partindo desse ponto, as lojas âncoras são aquelas marcas com centenas de lojas espalhadas pela região, divididas em diversos departamentos e que comercializam em grande escala os mesmo produtos. Essas têm a atribuição de chamar mais pessoas para o shopping. Já as satélites englobam marcas mais específicas que, podem ter certo renome ou mais simples, mas que focam em um determinado público tentando oferecer produtos que se adequam mais facilmente aos clientes, por não serem produzidos em larga escala, além do fator exclusividade.

Pois então, após recobrar a consciência, voltei aquela minha tarde e a conversa. Resolvi me levantar e caminhar pelos corredores do shopping. Olhava o tamanho das vitrines e os preços estampados no que para alguns seria os mesmos produtos. Resolvi analisar na prática a diferença. Experimentei uma peça de roupa em uma âncora e outra em uma “loja de marca”. Qual o resultado? Ambas cumpriram o papel de ser uma camisa. No entanto, minha consciência me falava ao relembrar da loja dita “mais cara”: “Não é que nunca tinha visto uma camisa desse estilo”.

Havia percebido o mecanismo de funcionamento de um shopping center na prática. As pessoas iam com o intuito de assistir a um filme, fazer um lanche e já pensando em fazer uma compra. Mas algo simples que não custasse um alto preço. Uma camisa nova, provavelmente. No caminhar entre a saída do cinema, a praça de alimentação e a uma grande varejista do setor, diversas vitrines. Nesse percurso, um produto chama a atenção. É mais caro. Mas, por quê não se aventurar e adquiri-lo? Experimentar uma camisa diferente daquela da qual já se acostumou a comprar. Saber que naquele shopping tinha a loja que sempre comprei aonde quer que eu fosse, levou-me ao interesse por um produto que só em alguns shoppings eu encontraria.

Tinha desenhado em minha mente o ciclo de funcionamento. Uma loja chama o público que, estando lá, vê novas marcas. As grandes engrenagens fazem com que as pequenas também girem. Sem as âncoras, sem os cinemas e praças de alimentação, talvez muitos dos shoppings centers não fossem viáveis ou tivéssemos poucos empreendimentos desse tipo pelo país, pois seria difícil reunir diversas marcas mais segmentadas em um único lugar.

Recobro a consciência novamente, olho para o relógio: tinha chegado lá às duas da tarde, já eram dezenove horas. Tinha ido até ali para ver um filme e sai com dois pacotes, duas camisas diferentes. Entrei sem perceber no “universo” que eu mesmo analisava.

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