A ANIMALIZAÇÃO DO PÚBLICO FÃ DE FUTEBOL E O PRECONCEITO DE CLASSE

Grazi Souza
Revista Negra Trama
4 min readMay 12, 2020

Ao pensar em alguém fanático por futebol, é comum a associação direta ao esteriótipo do homem sem educação, machista e violento. Nas últimas semanas, muito se tem falado sobre o quão ruim é o público fã de futebol, como se os fãs de futebol pudessem ser resumidos de forma simplória e homogênea.

A animalização do torcedor de futebol passou desapercebida por pessoas consideradas “progressistas”, acrítica e respaldada num feminismo liberal, a esteriotipação de quem assiste e consome o futebol é problemática, e tem como base histórica o preconceito de classe.

Quando foi trazido da Inglaterra o futebol num primeiro momento foi praticado pela elite do país, os chamados “clubes de boa família” era uma tentativa de não-popularização do esporte. No contexto histórico da escravidão, jogadores negros foram proibidos de praticar o esporte e os clubes que os aceitavam, na contramão da proibição, teriam que disputar campeonatos distintos.

Posteriormente, o futebol ganha espaço na classe proletária que praticava o esporte dentro das fábricas. A prática do futebol em fábricas pela classe trabalhadora, visto por muito sociológicos como “objeto de alienação”, na verdade funcionou como agente construtor de uma identidade proletária, porque ao praticar futebol os operários viam-se iguais, ambos trabalhadores e amantes de futebol. Esse momento histórico é considerado o marco inicial da popularização do futebol no Brasil, e tem como símbolo o título do Vasco da Gama de Campeão Carioca em 1923, o clube apelido de “os camisas negras” teve uma trajetória quase impecável (11 vitórias, dois empates e apenas uma derrota). A partir do surgimento das equipes fabris, pela primeira vez na história um clube popular, com jogadores e torcedores negros, pobres e analfabetos ganharia de clubes da elite branca carioca (Fluminense, Botafogo e Flamengo).

No governo de Getúlio Vargas fica explícita a força social que o futebol representava, inclusive a regulamentação do desporto na década de 1940 acontece justamente porque Vargas precisava ter controle das massas, ele foi severo com o futebol, disciplinou, proibiu o futebol feminino e conseguiu ter em suas mãos o esporte que atraia grande parte da população.

Além disso, o nacionalismo exarcebado presente no futebol foi legitimado, pois estava alinhado com a ideologia do Estado Novo. É nesse momento que o Pacaembu foi construído, a estratégia de Vargas em “apoiar” a construção um estádio público simboliza seu esforço em o domar o esporte.

Na ditadura militar o futebol foi utilizado para a manutenção do mito da democracia racial, só no futebol o adolescente negro e pobre consegue romper as barreiras raciais e econômicas socialmente impostas e ganhar do adversário branco da elite. O futebol, portanto, seria a única ferramenta de emancipação social vista com bons olhos pela ditadura militar, essa estratégia serviu como uma desmobilização da classe trabalhadora, pois a partir daí a ideologia liberal meritocrática estaria presente no futebol.

Atualmente, o bolsonarismo tenta se instalar de vez no futebol, a cada mês Jair Bolsonaro aparece vestido com a camisa de um clube diferente e sua presença já é bastante significativa em estádios, inclusive levantou a taça do Campeonato Brasileiro de 2018 com o campeão Palmeiras. Ademais, o símbolo do bolsonarismo é justamente a camisa amarela da seleção brasileira e apesar do governo ter acabado com o ministério do esporte e com a secretária do torcedor temos diversos atletas e ex atletas, incluindo ídolos da seleção brasileira declaradamente bolsonaristas, torcidas organizadas já possuem cantos que exaltam o presidente e a relação bolsonarismo e futebol fica cada vez mais estreita.

O futebol historicamente refletiu os conflitos sociais que a sociedade brasileira estava envolvida, porque o futebol como qualquer outro esporte, não está desconectado da nossa realidade, portanto as contradições e limitações da nossa estrutura social vão aparecer nele, o problema é que, ninguém diz que os fãs de tênis, de polo ou de golfe, por exemplo, são atrasados, por mais que esses esportes tenha como frequentadores a elite higienista em sua maioria. O machismo está presente em toda a estrutura social, no lar, no ambiente de trabalho, na política, e pasmem, no futebol, mas a crítica ao machismo no futebol não deve ter como base o preconceito de classe, nem a esteriótipação de um espaço social de massas.

Desta forma, quando se resume um público heterogêneo, complexo e extremamente popular a “machos escrotos”, se exclui mulheres, lgbts, crianças, idosos e principalmente organizações, torcidas e coletivos antifascistas que estão ativamente presentes no ambiente futebolístico, atuando contra o racismo, machismo e lgbtfobia nos estádios. Fazer isso é apagar a luta de pessoas que estão disputando um campo social tão importante.

Sendo assim, o futebol deve ser um campo social disputado e não abandonado, visto que, ao longo da história estamos perdemos um espaço fértil e popular para ideologias dominantes, que se apossaram do esporte para utilizá-lo como intrumento político.

Ao subestimar a força social do futebol reduzindo a um “antro de machistas”, perdemos o espaço social mais popular da história desse país, apesar das contradições, nenhum fenômeno arrastou tanto as massas, como foi e é o fenômeno futebol.

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