Campo Limpo, primavera.

Victor Morgado Farias dos Santos
Revista Negra Trama
25 min readNov 28, 2020

Capítulo I: A casa do espelho como redoma da função do eu

Foto do lindissimo Matheus Henrique

Hachiko, seus olhos são obviamente tão humanos, que observá-los e discordar desta afirmação é quase tão bizarro como alegar que a Pepsi é feita com fetos humanos. Talvez tão bizarro quanto sentir que olhar o infinito castanho é também ver uma quimera em paz. Nina, será que existe algo nele tão humano quanto em Alexander? Seria a humanidade tão profana quanto o alquimista da vida? Teríamos colocado, feito os brancos malucos de Corra, essas almas silenciosas escutando o mundo de forma impotente através de orelhas sempre empinadas? Ou, isso é apenas dissimulação? Seria você, Hachiko, tão dissimulado assim para me fazer crer que o infinito em meus olhos encontra no infinito nos seus um espelho?

O cachorro latiu, pulou da cama e foi em direção da porta aberta. No quintal foi possível escutar o portão se abrindo. Vozes se confundiam com latidos. A mãe provavelmente havia trazido um novo pintor para modificar o que, segundo ela, era o astral da casa, por meio de uma pintura, de novo segundo ela, total e completa. Veio também um terceiro, de voz grave que amansou os latidos. Poderia ter me levantado para observar, mas para adiantar, estou tão completamente de saco cheio e ao pensar que efetivamente teria que levantar, puxei o edredom para me cobrir por inteiro, como numa cabana, teria dito Valentina há muitos anos atrás.

A cama, confortável e para casal, caberia meu corpo por muito mais tempo que às oito horas, mas desde as sete a mente era uma tormenta. Agora estar de pé já é outra coisa e mesmo depois de ter saído para mijar e deixar a maldita porta aberta, rezava para ninguém tirar minha solidão. Talvez a única criatura na casa que queria que rompesse a bolha da minha solidão fosse o dog do irmão. Infelizmente, o vira-lata de raça não percebeu nada novo em mim e manteve-se majoritariamente afastado. Merda, lá embaixo a falta de latidos apenas levaria estranhos para aquele quarto estranho. Fico muito feliz de vocês terem chego cedo. Pontualidade, a maldita pontualidade. Sabe, para mim, pontualidade é tudo, pude ouvir a voz rouca da mãe. Odeio essa porra de acústica da casa e meu deus, ainda são só oito horas da manhã, alguém tem que dizer para essa mulher relaxar, por favor. Levemente levei os travesseiros à cara. Gritei sem som. Sinto-me como Édipo em Corinto, eu só quero achar um lugar de paz para finalmente descansar, a cama, o quarto, a casa era perpetuamente Tebas

Ah, já estava demorando. Ela chegou tão penosamente quanto o primeiro livro lido do Durkheim na faculdade. Veio me dar bom dia? O fantasma não disse nada. Por favor, estou cansado de filmes mudos, se veio aqui pra eu te contemplar, ô Maria Falconetti preta, por favor, me deixa em paz. E sem paz chegaram memórias, memórias, memórias cheias de e se? e se? e se? Meu deus, todo santíssimo dia, eu já não aguento mais. Para! O edredom foi arremessado para fora da cama. Filho, tudo bem? Sim, respondo rápido ao som do primeiro passa na escada. O Fantasma é uma coisa, mas os pintores às oito da manhã no quarto são pra acabar. Vou tomar banho, disse antes que pudesse ser convidado a entreter os convidados como o bobo em Lear. Corri e me tranquei o mais depressa no banheiro, fechei com toda minha vontade a porta do banheiro, como se isso me separasse do mundo. Estar lá fechado não era exatamente estar trancado, mas era o máximo de solidão com muitos estímulos dispersos. As vozes competiam na verdade, uma muda em minha cabeça e outras bem auditivas lá fora. Quis gritar, mandar a porra daquele fantasma ir embora e aproveitar e também mandar todo mundo pra puta que pariu, mas experimentei fugir de todos os barulhos internos e externos fechando os olhos. Infelizmente para dentro não encontrei um lugar seguro. Abri os olhos, ofegante, a vida apenas sem mistificação, eu olhei a tatuagem no peito no espelho. Pronto, agora o monstro estava lá também. Seus olhos devorando os meus. Drummond me socorra, meus ombros pesam um mundo inteiro e meu peito não tem ar pra aguentar esse esforço todo. Ouvi a mãe falando no corredor lá fora. Corri para dentro do box, fugindo o máximo que posso, ligando o novo chuveiro. A água caiu por inteiro feito uma cachoeira. Eu nunca vi uma cachoeira, mas imagino que essa seja a sensação. Tranquilidade. Fugi um pouco. Amém. E encontrei a paz do batismo quente que Adília Lopes profetizava. Por um tempo, não sei quanto tempo, fiquei parado sentado no chão sentindo a água me afogar. Tomara a deus que isso não aumentasse a conta de água ao ponto do pai pirar.

A conta de água só me lembrava da merda que é estar de volta à casa que jurei que não voltaria. Ao entrar em ciências sociais disse para mim mesmo na primeira noite na quitinete que não retornaria e depois quando entrei no mestrado jurei pela segunda vez. O fantasma estava lá… Obrigado pensamentos por estragar a única merda gostosa e novamente memórias, memórias, memórias. Que porra, chega de memórias, me sinto um fantasma em Bly. Quero ser vivo, quero ser Fela Kuti, Basquiat e Malcolm X e não a porra de um perdedor preso em delírios de algo que não pode ser mudado.

A conta da água. Desliguei o chuveiro. Enxuguei meu corpo e ao sair do box, evitando olhar o espelho vi na pia o hidratante facial para redução de poros abertos do irmão. A mãe havia gastado seu dinheiro nessa idiotice. Ela sempre dá tudo para ele, mesmo enchendo o saco com essas merdas de blogueirinha sem sentido. Queria resolver as espinhas, porque então não fechava a boca? Ai, quer saber, foda-se, já to tão completamente de saco cheio e ainda nem é meio dia. Eu preciso fumar um, pelo menos dar um pega e escrever a porra do artigo. Preciso focar em escrever essa porra de artigo, preciso ser produtivo essa semana, ser a pessoa que conseguiu bolsa FAPESP e não um desempregado de cinquenta anos morando com os pais, tão inútil quanto o personagem do Rodrigo Santoro em Lost.

Batida na porta, especificamente duas batidas. Valente, seu lesado, você não viu que o banheiro está ocupado? Você não acabou de se tocar ainda? Porque o pai vai ficar fulo com a conta da água deste mês. Foda-se, eu posso ajudar ele a pagar, diferente de você seu encontado! Vai se foder Vinicius, você é um merda, igual a que eu preciso fazer agora! Ri alto daquilo, não é que o jovem Werther podia xingar também. Já vou sair seu gordo otário. Desviei os olhos novamente do espelho, não aguentaria ver o monstro, não queria olhar para ele, vê-lo era dolorido demais. Vê-lo e ter que encarar o irmão era mostrar a loucura que guardo a sete chaves só para mim. Abri a porta e lá estava ele, aquele Tim Maia punheteiro com seu cabelo crespo todo bem hidratado. Um corte de menino grande hem, ainda tá querendo impressionar alguém? Às vezes eu queria que você nunca tivesse nascido, sabia? Tanto como queria que aquele tal de Rodrigo da física te notasse? A cara dele caiu, seus lábios voltaram para dentro da boca e os dentes se rangeram quase como um Stannis Baratheon tropical. Fica calmo jovem Werther, a mãe está ocupada demais procurando um novo astral pro The dakota aqui para se preocupar com seu amor líquido queer no Spotted da Unicamp. Mano do céu, você não consegue se desligar não, você é muito chato! Fechou a porta do banheiro na minha cara. Ei, Tim, vou levar o Hachiko para passear. Sei muito bem o que você vai fazer Lebowski. Quem tem seus vícios tem que arcar com eles, performei a mais coerente imitação do pai baixinho.

Voltei ao quarto que um dia foi dela, mesmo longe Valentina ainda impregnava algo seu ali. Não conseguia dizer o que era, mas talvez às paredes azul turquesa que ela mesma havia pintado, ou a surra que levou da mãe quase um mês depois por ter sido apanhado fumando maconha no quarto aos dezesseis anos. Amadora, deveria saber que a pracinha do Campo Limpo é sempre o melhor lugar para acender um e só de madrugada na casa com um incenso de qualidade há a possibilidade de ficar de boas. A mãe já havia fumado na faculdade, isso era quase uma certeza, mas se estivesse acordada depois da meia noite para sacar o verde, alguém teria que ter morrido.

Falando na ex-maconheira, estava voltando para o corredor com os dois pintores, um homem negro e seu filho afromestiço. A mestiçagem rola solta por aqui hem? Alguém realmente deveria escrever uma dissertação sobre isso. Campo Limpo, o distrito e seus filhos mestiços. Vinícius, esses são o seu Ademar e o filho dele, o Péricles. Eai? Oi. Olá. O Vini aqui está no primeiro ano do mestrado dele, com uma bolsa e com um artigo para apresentar na federal do Mato Grosso do Sul! Na verdade eu ainda tenho que escrever propriamente o artigo, mas não queria tirar o orgulho dela. Muito legal, conseguiu dizer o mais novo. Mãe, vou tomar meu café rapidão pra levar o dog pra um role. Vou fazer isso rápido, porque, você sabe, tenho muita, muita, muita coisa pra estudar. Não menti, mesmo sem pretensão de cumprir com minhas palavras. A única coisa que não podia falhar hoje era ler o texto do Lacan. Claro meu filho, vai lá, vou falar pro seu irmão sair logo do banheiro, seu pai esse mês vai ficar doido com a conta de água. É mãe, o Valente tem que começar a tomar juízo, não só com a conta no fim do mês, até porque não adianta nada ficar militando sobre uma possível escassez de água no mundo sem mudar seus hábitos aqui em casa né. Sim, com certeza, falou o seu alguma coisa mais velho. Virei às costas e ri. Precisava de um pouco de humor nos meus dias. Cada passo na escada fazia a voz da mãe chamando o irmão ficar menos audível, mas ainda totalmente mais divertido.

A sala, mobiliada lindamente dava passagem para a porta da cozinha planejada. Um sonho realizado, disse a mãe quando terminou a reforma da parte de dentro. Valentina estava lá naquele dia, o namorado e ela haviam brigado, algo sobre nossos pais não serem conscientes com a causa do veganismo. Puta branco chato.

Abri a geladeira, tirei o leite e coloquei na bancada. Peguei o Sucrilhos no armário. Lá havia mais uns quatro, um aberto do Valente. Quem é que prefere às bolinhas de chocolate a porra do clássico dos Sucrilhos ? Era tão merda quanto dizer que a terra é plana. Que otário. Coloquei no pote e comi, saboreando meu amor mais antigo: leite frio e Sucrilhos. Assim, se existe um deus judaico-cristão e o céu junto com todas essas porras de anjinhos, trocaria as pessoas coabitando com tigres multicoloridos dos panfletos das Testemunhas de Jeová por um estoque infinito de Sucrilhos e leite frio.

Lavei a louça e coloquei para secar. Volto o caminho para o quarto. Valente está saindo do banheiro puto. Você é muito lixoso sabia? Quase um Jeff Winger. Ele me olhou, dessa vez entendeu completamente toda a referência. Cuidado Jeff, se continuar tão displicente, eles vão descobrir seu segredinho e vai ser expulso de Greendale. Eu uso colírio, mas valeu pelo aviso ô bravo leão do PROERD.

Volto para o quarto, que já foi talvez meu e certamente dela. Mesmo naqueles anos antes de fugir para a universidade não tinha conseguido deixar de sentir que o quarto ainda era só dela. Nunca foi meu e nunca será. A casa era um lugar estranho, sempre foi e o único lugar só dele não existia mais. Deixou de existir para ser um quarto assombrado por um fantasma. Porra, que mente maldita, por que a convidou a voltar? Não sabe que o vampiro entra depois do convite? Não, por favor, mente não a deixe voltar, não a deixe voltar. Por favor, não volte para cá, assumo que não consigo escapar quando você vem. E veio, uma vez, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove… Não podia escapar das lembranças, não podia escapar do fantasma. Eu sou assombrado.

Toque no celular, meu deus obrigado, mas felicidade de pobre dura pouco. Não era um contatinho do Tinder, apenas a porra do lembrete para ler o texto do Lacan ainda hoje para a reunião do grupo de pesquisa as quatro. Amaldiçoo você Lacan com seus textos que são labirintos de Borges. Talvez fumar um antes de ler ajude no processo, menti para mim mesmo. Quem eu quero enganar, não quero ler essa merda nem fodendo. Nem essa merda nem as outras, porque eu estou tão completamente de saco cheio. Essa é a verdade, estou me fodendo pro Lacan, pro Marx, pro Foucault e de todos esses brancos fodidos que escreveram suas merdas e deixaram para serem lidos. Vão se foder, eu só quero fumar a porra do meu beck e não pensar mais em fantasma, no monstro no espelho ou da minha vontade de cuspir na cara do meu irmãozinho quando o vejo falando algo por mais de trinta segundos. Eu só quero voltar para a casa, pro nosso quarto e viver a vida antes de me tornar parte dessa história de assombração horrível. Eu não quero um fantasma, eu quero o corpo dela.

Bolei o beck, na minha gaveta na escrivaninha, peguei a seda e coloquei a porra da maconha até poder fazer um dedo de gorila. Sou especialista em fazer dedos de gorila. Lambi a cola da seda com calma, sem deixar cair nada no chão. Quero aproveitar cada grama. Enrolei com todo cuidado já com a piteira improvisada. Pronto, um dedo de gorila. Peguei o colírio e enfiei em um dos bolsos do jeans. Três bolsos couberam à carteira, o celular, os fones de ouvido, o isqueiro e a máscara. Coloquei o beck na meia, esses dias todo cuidado é pouco e sai do quarto da Valentina.

Hachiko, seu fedido onde você está? Ele não veio. Só escuta a voz daquele gordo chorão, né? Vem pra mijar e cagar seu cachorro de merda. Hachiko vem, vem, vem. Novamente ele não veio, em vez disso chegou à mãe. Aparentemente os pintores haviam ido embora. Tudo bem, Vini? Sim, tudo. Você parece meio irritado esses dias. E você parece mais superficial do que nunca mamãe. Não, eu to legal, são só as coisas do mestrado. Falar do mestrado a fazia sorrir. Um truque novo para me deixar em paz. Na verdade, um truque antigo. Desde a primeira bolsa, esse truque cola com ela. Imagino meu filho. Não imagina não, não imagina estar em uma merda de programa só porque isso foi um combinado feito com alguém que não está mais na sua vida. Mãe eu vou indo, preciso achar esse pulguento. Não tá esquecendo-se de levar o RG? Sempre a mesma pergunta. Não, ta na carteira. Será que ela perguntaria isso pro Valente? Não, com certeza não. Aquela coisinha na reunião do núcleo no início do ano foi de matar. Não foi ele que escutou a vida inteira um textão da mãe sobre a necessidade de andar com o RG, ou de abaixar a cabeça, ou nunca entrar em uma loja com as mãos no bolso. Não, com certeza ele não escuta isso ou as merdas da dona Anna dizendo que parecia uma choquito durante a puberdade. Velha insuportável escolheu a Valentina. As duas se merecem. Eu sou a parte queimada na foto de família junto com você mamãe. Filho, realmente está tudo bem? Você parece meio desconectado por esses dias. Sim, está tudo bem mãe. Só preciso ficar sozinho.

Empurrei a porta do quarto do meio, de súbito o irmão que estava deitado com a mão esquerda no celular e a direita embaixo do edredom e ao me encarar, jogou todo o corpo para mais fundo na cama. O que será que aquele merdinha estava fazendo? Agora você faz magia com o pau, Jovem Werther? Sai daqui! Ah, desculpa, não vi que estava interrompendo sua massagem mágica. Sai daqui, porra! Hachiko, vamos, seu dono está fazendo suas necessidades. MÃE TIRA O VINICIUS DAQUI! Por que você não se levanta e me manda ir simplesmente embora? VAI EMBORA!

Hachiko e eu saímos do quarto. Vamos cãozinho ou sua parte humana está sentindo saudades de ver pornografia? Novamente ele me encarou. Os espelhos dos seus olhos eram profundos demais para conseguir refletir a mim mesmo. Obrigado, são os únicos espelhos que não consigo me ver. A mãe subiu correndo a escada. Estou descendo, estou descendo. Vinicius deixa seu irmão quieto! Estou descendo.

A coleira estava na lavanderia. Peguei-a e um saco de lixo. Meu deus, diante de sair sabia que precisava daquele passeio, precisa finalmente fumar e sair daquele turbilhão de merda. Tomei cuidado ao colocar a música, mas mesmo assim não consegui escapar das memórias. Desci a escada da lavanderia. As chaves. Calma doguiro, vou pegar a chave. Subi a escada da sala. Novamente no quarto dela, havia esquecido de fechar a porta. Graças a deus não tem espelho aqui, imagina ter que lidar com a porra do Estranho Mundo de Jack. As chaves. Tranquei a porta. Desci a escada. O Tênis de corrida. Subi a escada. Destranquei a porta. Voltei para o quarto, Hachiko esperava na porta. Já vai mijar, meu bem, só preciso agora do Nike laranja. Não o encontrou na gaveta. Foda-se, vou pegar a porra do all star. Foda-se, só preciso sair daqui, ir para a pracinha e fumar meu beck. Tranquei a porta.

Desci as escadas, o cachorro ao lado com a coleira no chão. Quer mijar né meu vira latinha de raça com um ser humaninho dentro. Latiu. Você não pode ser tão dissimulado assim, ou será que pode? Latiu. Abri o portão. A Rua Lendas do Sul, 35. A casa amarela é a maior da rua. Baudelaire diria que a casa é a marca da decadência de um bairro cheio de pinos de cocaína nas ruas. A mãe vai mudar de cor pelo menos. Tudo menos azul turquesa. Ao redor, as outras casas menores não se comparavam ao sobrado com suas três sacadas luxuosas, ou talvez cafonas, sei lá, prefiro não pensar para trazer memórias. Na rua, as outras casas visivelmente tinham a tinta em desgaste. O amarelo continuava intacto e o telhado caído mantinha-se perfeitamente rubro também. Odiava aquela casa, a casa dos meus pais, nunca a minha. Tinha um desejo de botar fogo nela e ir embora, mas não antes de ver tudo virar pó. Fechei o portão. Vamos Totó, não estamos mais no Kansas.

A rua, um morro asfaltado e suas pessoas. Algumas fora da casa limpando a calçada, aparentemente sem nada melhor para fazer. Outras pessoas fumavam na frente do bar, não sei, talvez achassem que a nicotina cancerígena os mataria antes do vírus fumando um cigarro. Mais um filho da puta jogou uma bituca de cigarro no chão. Talvez todos estivessem tão completamente de saco cheio quanto eu. Não importa, as crianças gritavam histéricas sem máscaras. Se essa pandemia durasse para sempre, rezaria ao homem do saco para extirpar essa molecada. Ai merda! A Porra da máscara! Puta que merda, eu tenho que usar essa porra de máscara. Coloquei a mão em um bolso, nada. Merda. No outro, nada. Merda! Que porra de merda fodida do caralho! O sangue já subindo a cabeça. No outro bolso, a porra da máscara. Odeio usar essa merda de máscara. Odeio ver que as pessoas me viram sair sem usar essa merda de máscara.

A pandemia no Campo Limpo tinha praticamente acabado faz tempo e é fácil se perder nesse tipo de pensamento. Na noite anterior, o bar do lado de casa estava cheio de velhos cachaceiros jogando truco. Truco! Seis! Nove! Não importa, estou tão completamente de saco cheio dessas pessoas, ainda mais dessas pessoas sem máscara. Tão completamente de saco cheio dessas pessoas, desse vírus, dessa situação, de estar na casa dos pais, de ver os amigos nas festas em Barão. Tão completamente de saco cheio de toda essa merda. A estrada do Campo Limpo, mais pessoas sem máscara. Todas andando apressadas atrás de suas vidas. Não importa, as Moiras são quem decidem a hora de parar de correr. Qualquer momento em falso e um corte bem dado pelo ônibus que vai pro metrô Morumbi pode destroçar seu corpo na avenida. O cachorro parou, precisava mijar. Não vou te encarar, eu não vou me jogar no meio da estrada e ser atropelado, pode ficar tranquilo.

No dia em que voltei de Barão com o pai tive a bolha estourada a tiros. Meu deus, essas pessoas estão loucas. Elas precisam cuidar da vida. Poderiam cuidar da vida com máscara. O pai sai todos os dias e usava máscara, álcool gel e o caralho a quatro. Na laticínios Tiroleza, a gente não pode fazer nada sem isso. Meu deus salve os fazedores de queijo. Na rua, as pessoas não pareciam seguir a mesma ótica dos chefes do pai.

Cagou na porta da loja de cosméticos. O dono, ou o segurança ou talvez um sujeito x me olhou irritado. Desculpa, só trouxe um saco. Menti. Vamos Hachiko. Latiu. Andar na rua, sentir todos os cheiros e cagar e mijar por aí é um sonho. Deve ser a falta de liberdade. Quando você era humano deveria andar solto por aí e agora pra sair na rua precisa de uma coleira. Deve ser frustrante, mas se eu te soltar aqui, você morre e o Valente me mata. Aquele gordinho militudo e punheteiro podia ser vingativo quando queria. Melhor você ficar na coleira, ainda pode cheirar o mundo por aí.

Cada passo, uma surpresa melhor. Quer dizer que surpresa em ver mais uma vez dois caras retintos parados ao lado de uma moto sendo abordados por dois pm. Típico da estada do Campo Limpo. Típico dessa porra de cidade. Típico dessa merda de Brasil. Ver gente preta parada pela polícia é a mais pura normalidade, mesmo no meio do covid. O governador mandou jogar pesado. Chumbo em todo mundo. Talvez seja uma tentativa de superar os quinhentos anos de matança em quatro. Quinhentos anos em quatro! JK estaria se revirando no túmulo com seu slogan parcialmente roubado. O governador estava fazendo seu trabalho, a pm à necropolítica. O foda é que A décima terceira emenda no Brasil era muito mais embaixo, mas sem Jim Crow ou Apartheid aparentemente Gilberto Freyre dançava solto com sua mulata. Abaixei a cabeça, passei também. Seja discreto, a voz da mãe gritando na cabeça. Se vir a policia por aí, seja discreto. Se vir a policia parando gente como a gente, continue mais discreto ainda. Só seja discreto, olhe para baixo e passe.

Passei até chegar à pracinha do Campo Limpo. Olhei os barracos espalhados, cabanas feitas de sucata e lona. Choveu ontem à noite e o estado só estava preocupado em parar dois caras pretos em uma moto. De verdade eu estou tão completamente de saco cheio de tudo. Tudo. Só preciso fumar e deixar o mundo. Deixar o mundo, fantasma, monstro, casa, memórias e vida. Preciso me desligar de mim mesmo. Sair do meu próprio corpo. Sentei no banquinho atrás da quadra. Tirei a maconha da meia. Fucei novamente os bolsos e achei o isqueiro. Esse é meu momento. Deu o primeiro trago, o segundo, o terceiro, o quarto e o quinto. Sou meu próprio sommelier de maconha. Uma perfeita colombiana misturada com prensado lavado. Senti cada tragada, segurando no pulmão o máximo até na quinta ter um ataque e tossir. Chapei. Meu deus, obrigado, sim, eu estou começando a ficar chapado e nada nesse mundo é mais perfeito.

Talvez o mundo, a pracinha ainda úmida e cinza tinha algo bom no fim, o cara branco jogando basquete sozinho na quadra, os velhinhos fazendo exercício sem máscara e os as plantas molhadas que davam cheiro de chuva, de terra e concreto criavam um aroma novo que a poluição de São Paulo não conseguia macular e até o sol deu as caras rompendo o céu cinza para dar adeus à escuridão, ô Campo Limpo, meu eterno exílio, nesses momentos me sinto até em casa, nova e velha, cheia de algo fundamentalmente desconectado do mundo, uma desconexão conectada apenas ao agora, apenas a sexta de basquete que se movimenta ao sentir o impacto da jogada do brancão de máscara que não cobre o nariz e depois aos repetidos barulhos da bola batendo e voltando para sua mão, a sua solitude esportiva que destrói a chatice do dia, dos carros passando sem parar na estrada do Campo Limpo, do tempo fechado e cinza, do tempo cronometrado do relógio, que marca as horas do dia sem se importar com nossos horários, de um mundo exterior que tem pressa demais para mim Piva, porque eu quero a política do corpo em chamas, chamas que em uma tarde podem me deixar louco, como essa tarde Hachiko, minha e sua, sentado nesse banco úmido sem arquitetura hostil, sem capitalismo ou ciência, apenas eu e você meu cão-humano, com olhos espelhados, será que ai você espelha o mundo ou espelha o humano preso em você? não sei, não quero saber agora, porque agora não sou nada e nem posso querer ser nada além do agora, desse momento meu amigo cachorro, porque eu tenho todos os sonhos do mundo e esses sonhos se resumem em fumar mais, levando à boca o beck bem bolado e amado, transportando a fumaça à garganta, uma vez, duas vezes, três vezes, quatro vazes e o calor do agora, esse calor fresco para um eu que tantas vezes porco, tantas vezes vil agora sublime e cativante, vamos correr Hachiko, talvez não tão rápido, mas lento e assim chegar mais depressa que todas as lebres e sentir mais uma vez, duas, três esse ar quente na garganta, essa fumaça na cabeça e transcender para meu Saara inundar, correr as águas do tormento na minha própria divina sinfonia que sente na garganta o calor mais um vez, duas, três, quatro, cinco, seis e sete e devolve para o ar fumaça e latidos, pois eu lato melhor que você Hachiko, lato melhor, porque meu latido é fumaça e meu espírito, ébrio afeito ao desvario, ao nada inveja a insensibilidade e o frio, então ao calor, mais uma vez, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito e nove e matar a ponta que ainda me corrompe, vamos Hachiko, vamos andar, sentir o calor em nossas pernas, sei que você já se cansou de ficar parado, ou será que em sua antiga vida preferia ficar o tempo todo sentado? será que ficava sentado preso à tela do computador, sozinho e se contentando com pornografia, talvez, pelo que sei ficar assistindo ao meu irmão assistindo aqueles corpos desumanos dançando um prazer nada pragmático, então não pense mais nisso e vamos andar e antes que o mundo acabe Hachiko, anda e prova esse milagre do gosto e levanta-se e diga adeus ao brancão basqueteiro, aos velhinhos sem proteção e diga olá ao colírio, a máscara novamente na cara e ao caminho de volta, mas não pela estrada do Campo Limpo, vamos desbravar as ruas, seguir até o Terminal e andar livres, plenos com a fumaça na cabeça até o mundo se acinzentar, a calçada aos nossos pés e seu xixi amarelo, parando para o próximo coco, diria que você nunca sofreu de constipação meu amigo, nunca esteve enfezado pelo jeito como você cagou agora e por que me olha assim, não gosta de papos escatológicos? esse é meu segredo, meu e dela, é que eu amo falar coisas escatológicas, já até caguei com ela no banheiro, ficou horrorizada, mas digo com sinceridade: não da pra confiar pura e completamente em quem você nunca viu cagar, a merda e seu cheiro dão uma conexão, uma intimidade que nunca mais vai poder se apagar, porque você pode ver tudo, a bunda, a boceta, a pinta na barriga, mas nunca a terá quanto ao vê-la cagar, pois a merda é nosso mini monstro, nossa sujeira que para ter intimidade precisa ser compartilhada. Esse é o problema em deixar de ter as pessoas, porque a imagem dela cagando, o formato da merda dela nunca vai ir embora e nem a minha merda dela, estarão sempre unidos pela escatologia do cocô e o que a merda une o coração ou decisão não deveriam separar, meu cara-cachorro vira-lata de raça, meu amigo que nem é poodle e nem shitsu, uma mistura doida com um ser humaninho dentro. Eu digo a nossa merda é nosso monstro que sai todos os dias e se você não conhece o mostro um do outro o que então você conhece?

E na rua de casa pude sentir os efeitos passar e ao olhar o relógio do celular. Tão tarde assim dei-me perdido e vivo e agora na frente da casa amarela a felicidade do mundo deixou um pouco mais meu ser. Ao entrar já pude me sentir de saco cheio. Ao lavar minhas mãos e tirar a máscara pude me sentir completamente de saco cheio e ao entrar no quarto dela, abrindo com a chave pude me sentir tão completamente de saco cheio como me sentia ao acordar. Agora a diferença era o sono. Precisava dormir um pouco e ler a merda do texto do Lacan. Você limpou a pata do cachorro? A mãe além de fanática pela pontualidade reservava em si outra loucura: a idolatria pela limpeza. Sim, menti. Ela acredita em todas as minhas mentiras e eu sei que se fosse o Valente talvez não acreditasse, mas não a culpo, eu tinha conseguido, tinha conseguido entrar na universidade pública sem cursinho. Tinha conseguido as bolsas e me manter sozinho e agora tinha conseguido o que todo jovem acadêmico queria. Consegui sendo o melhor, consegui com ela ao meu lado desde o segundo semestre do primeiro ano, conseguimos juntos e agora o que é possível conseguir sozinho? Tranquei a porta, liguei o alarme para daqui meia uma hora e liguei um documentário qualquer na Netflix. Se ela pensar que estou aprendendo, ela não vem me acordar. A cama novamente era grande demais para um só corpo, mas me aprofundei nela. A chapação final ainda residia em mim, o suficiente para não pensar em fantasma. Um sono tranquilo, um sono que vale a pensa ser dormido.

Acordei com algo estranho na cabeça. Nunca conseguia me lembrar dos sonhos e já era hora de almoçar. Sagrada larica, ainda está dentro de mim? Na cozinha pontualmente às uma hora da tarde a mãe estava com o almoço pronto. Vai chamar seu irmão, por favor. VALENTE! Não precisava gritar. Mãe, você queria que eu mandasse um zap pra ele? TO DESCENDO! A casa vai tremer toda se ele vier correndo, a mãe soltou uma risada pelo canto da boca, não deixa ele comer toda essa carne moída não, se não ele explode. Você não se cansa de ser gordofóbico, né? É sério? Sim e você sabe muito bem que pessoas gordas sofrem muitas violências como essa e isso só reforça uma opressão sistêmica que legitima toda uma segregação… Segregação é? Sim, porque brincadeirinhas como essa levam muita gente a não se aceitar e ter problemas de saúde mental além de diversas outras exclusões em hospitais e serviços públicos. Bati palmas, parabéns, militante. Por favor, meninos, vamos comer o macarrão em paz. Você não consegue deixar de essa pessoa amargurada né? E você, que não consegue comer como gente normal. Vai se foder. Meninos. Ri. Vai se foder! O dona redonda, cuidado que você vai explodir. Vai se foder, você é horrível, você é um dementador que suga tudo de bom em tudo e todo mundo e devolve seu ódio por tudo e todo mundo, só consegue espalhar destruição e raiva para todo canto que vai, não é a toa que a Lygia te largou. CALA BOCA! Bati na mesa com tudo, uma, duas, três. VOCÊ NÃO SABE DE NADA SEU PORCO! MENINOS! A mão dela bateu na mesa também, a raiva como a minha transpareceu ali. A mãe tinha na testa a veia a mostra e nos olhos uma raiva que conseguia mostrar a fragilidade em mim. Não, não quero me ver, não quero me ver e ele vai estar ali. Respirei fundo. O monstro era o espelho, era ele me olhando nos olhos dela. Respirei fundo. JÁ CHEGA VOCÊS DOIS NÃO CONSEGUEM SE CONTROLAR! Bateu de novo na mesa. Vai embora, por favor, não aguento te olhar. Mãe… Não Valente, não da, vocês dois não conseguem me dar um minuto de paz, já basta estar atuando como professora na rede por essa droga de ead e vocês também não colaboram, ASSIM NÃO DÁ! O monstro parou de aparecer nos olhos dela. Valente parecia assustado. Desculpa Vini, eu… Tudo bem, eu to sendo um babaca. Peguei o prato e coloquei o macarrão e o molho de carne moída. Comemos em silêncio com Hachiko ao lado do irmão, protegendo-o e implorado comida. Já acabei, posso lavar a louça. Tudo bem preciso fazer essas coisas da aula. Posso ajudar a secar. Não precisa. Eu posso arrumar a mesa. Não precisa, eu prefiro fazer sozinho.

Devagar as pessoas deixaram a cozinha. Respirei fundo, o monstro não estava mais aqui, mas olha-lo ali perto dos outros foi um desafio. Meu deus, eu quase surtei. Eu o vi, nitidamente eu o vi nos olhos dela, eu o vi, eu o vi. Ele estava ali me olhando de volta e quase que eles perceberam e quase que eles viram o que eu vi. Na verdade eles vêem sempre, não é? Quem eu quero enganar, porque a verdade eu sei faz tempo. O Valente estava certo, eu só consigo espalhar minhas merdas pelos cantos, eu não consigo fazer nada, além disso, e por isso ela se foi, ela se cansou de lutar por mim e ela se foi. O monstro, eu, não faz diferença. Sinto as lágrimas chegando, mas não as deixo continuar. Não, aqui na cozinha não. Prefiro o fantasma à realidade. Eu não quero sentir essas lágrimas chegando. Vini. Tremi, sentindo o prato cair na pia. Sua amiga Karina me mandou mensagem, ela disse que você perdeu a reunião do grupo de pesquisa da professora Márcia. O que? Bom, ela disse que acabou de acabar. Que horas são? Agora? Sim, agora. Ele me olhou por um tempo e pegou o celular atrapalhado quase o deixando cair. São duas e vinte e um. A reunião é só as quatro. Então, ela disse que talvez você não tenha lido o email, mas a Márcia avisou que a reunião hoje aconteceria às onze horas. Merda! Balancei a água, jogando-a pela cozinha Você pode terminar as coisas por aqui? Sim, é claro. De nada. Ele me olhou com um sorriso. Merda, Valente, por que você ainda tenta, eu não posso ter salvação.

Professora, eu escrevi: desculpa, não consegui ler o email. Eu sei que ando meio com a cabeça nas nuvens, mas juro que não vai se repetir. Enviei a mensagem. Olhei as outras mensagens. Não me importo com os contatos do Tinder agora e a Karina havia mandado umas mil mensagens, que eu não conseguia ler. Liguei o computador, ainda posso mandar um resumo do texto. Esperei o Windows ligar e de novo eu fodi o role todo. De novo eu não consegui aparecer na reunião. Desde que ela foi embora, quantas reuniões ele já tinha perdido? Preciso estar atento. Não posso estragar isso, não posso estragar essa bolsa, não posso estragar essa vida. A mãe havia dito quando entrou na universidade que ele era o primeiro. Quando entrou no mestrado ela e o pai o levaram ao Outback. Ela nem gostava de lá, mas estava lá comigo. Você é o primeiro. Eu sou o primeiro e não posso falhar. Não posso me dar ao luxo de colocar tudo a perder. A carreira como professor universitário era tudo o que tenho. Não posso me perder, não posso.

Abro o texto e olho por cima. Uma vontade de vomitar forte junto com uma falta de ar vem conforme passo os olhos pelas letrinhas. Preciso ler esse texto, preciso mandar a resenha. Tentei ler essa porra de o Estagio do espelho como formador da função do eu e nada além de falta de ar. Foda-se o eu ideal, ele se perdeu há muito tempo, a imagem no espelho não é mais nada além de destruição. Olhar no espelho e ver o monstro e ler essa merda de Lacan sem conseguir entender também é. Meu deus, eu conseguia ler um texto curto desse em minutos e agora nada. Eu sei que ler o Lacan pode ser difícil, mas porra eu preciso entregar a resenha o mais rápido possível. Eu não posso falhar! E essa ideia de estádio do espelho como função do outro, que merda, eu não precisava ler uma merda dessas agora. A única imagem que eu me importava era a dela e ela nunca me viu além do monstro. Chega! Preciso ler essa merda, não posso a deixar voltar, não posso deixar o fantasma voltar agora. Bati na testa com força. Não, não, não! Chega de monstros, chega de espelhos, chega de casa, eu preciso ficar sozinho, sem fantasmas, sem memórias, eu preciso ficar sozinho!

Fechei o computador. Respirei fundo. Puxei o ar com todas as forças, mas ele não veio. Eu preciso me concentrar, eu preciso voltar a ser quem eu era. O ar não vinha. Meu deus, meu deus, meu deus! E o cachorro latiu. Ele colocou a patinha na perna enquanto eu continuava imóvel buscando o ar na poltrona. Eu me esqueci de fechar a porta e você veio Hachiko, ele abaixou a cabeça para eu fazer carinho. Quando você era humano, você era empático assim? Latiu e consegui buscar um pouco mais de ar. Toquei sua cabecinha até ficar mais calmo. Obrigado. Ele me olhou e em seus olhos castanhos pude ver de novo os espelhos e desta vez consegui ver um menino com os cabelos todos desgrenhados, o rosto cheio de espinhas e de olhos tão castanhos como o cachorro. Senti as lágrimas chegando. A porta não está trancada, preciso trancar a porta, mas ele não saiu do colo. Não ia conseguir segurar as lágrimas dessa vez, não consigo mais segurar as lágrimas, Hachiko, eu não consigo mais, eu tentei, mas eu não consigo. Antes que pudesse evitar, elas caíram, caíram, caíram e caíram. Respirei devagar para não fazer barulho, as lágrimas continuaram a cair. Hachiko, eu preciso procurar ajuda.

Continua…

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