Diálogos que remexem em antigas dores. Minha relação com o Jeans!

Letícia Vilhena
Revista Negra Trama
4 min readMay 19, 2020

19/05/2020

Alguns diálogos que aconteceram na última semana remexem antigas dores. Me deparei com algumas fotos antigas e lembrei da minha relação com o jeans! Recordei de algumas vivências do tempo do colégio. O ano era 2005 ou 2006 e aos 15 anos eu vestia 46. Era início de um novo semestre na escola e a saga pela calça jeans começava! Me sentia horrível em todas as vezes que precisava sair para comprar calça jeans. Mamãe saia frustrada das lojas de departamento, eu também saia frustrada das lojas… E quando achávamos uma calça que coubesse em mim, nem sempre era motivo de alegria. “Na promoção sai por R$98”, dizia a vendedora feliz. Eu olhava para mamãe com espanto e ela só balançava a cabeça dizendo que sim. Se não estivesse em promoção, os preços subiam para R$120 a R$150.

As lojas eram escassas de tamanhos grandes e acabei virando “freguesa” de uma específica, ela ficava perto do colégio onde eu estudava. Ao sair da loja, a gente voltava caminhando pelas ruas cheias de mangueiras de Belém do Pará, até lá em casa, eram apenas oito quarteirões, mas nesses dias pareciam que eram uns quinze. Eu e a mãe seguíamos conversando e eu agradecia pelo presente e pedia desculpas também, a culpa pela compra me corroía. E ela, como sempre maravilhosa, dizia que estava tudo bem e que vovó a ajudaria a pagar, e uma outra tia também! Eu seguia a caminhada mais feliz e aliviada, mas eu sabia que era caro demais para a gente.

Coincidentemente nessa semana, uma amiga da época da escola fez uma publicação em uma rede social sobre uma calça jeans que era sucesso naquele tempo. Ela relembrou como ela e outras das nossas amigas tinham essa tal calça, o que me fez lembrar de várias histórias. As amigas que não tinham, trocavam com as que tinham no banheiro durante o intervalo e usavam até a hora de ir embora do colégio. Era quase a calça do filme “4 amigas e um jeans viajante”, mas eu não fazia parte do filme, eu era só telespectadora. Não eram as minhas amigas que me excluíam do roteiro, mas sim a indústria da moda!

No início do mês um dos assuntos mais comentados era o curso “Cura você”, da tal Coaching que toda semana se torna mais ainda um desfavor para as mulheres, pra sociedade e pro mundo. Depois veio o assunto da capa da famosa revista Vogue, que também é outro desfavor, mas que há anos sabemos disso e chocou o número de 0 pessoas. Pois a indústria da moda é perversa, é suja, é eurocêntrica.

Depois de tantas autoanalises e vários processos, pude entender que o problema nunca foi meu corpo, nunca foi o número 46 (que eu odiei por anos), que inclusive eu sentia aperto no coração quando alguém me fazia a clássica pergunta, “Quanto tu vestes?”. O problema todo sempre foi e é o valor negativo que a indústria da moda coloca em cima dos números. É adoecedor e muito problemático, como toda construção dessa indústria e como ela se mantém consolidada até os dias atuais! E muito disso se dá porque vivemos em uma sociedade GORDOFÓBICA!

Há um ano os números não me atormentam mais. Hoje visto 52 e entender diariamente que sou uma GRANDE GOSTOSA, tem sido bom demais e libertador! E volto a dizer, o exercício é DIÁRIO mesmo, pois são processos de autoamor, e autocuidado todos os dias, para construirmos um novo olhar sobre nós mesmas! Quando que há 10 ou até há 3 anos eu imaginaria que um dia eu seria modelo, ainda mais de uma marca de BIQUINI? Quem diria que eu estaria em Fortaleza tomando banho de sol, na praia e de biquini? Pois para quem não sabe, há 12 anos eu vim pra essa cidade pela primeira vez e não entrei no mar, pois não conseguia nem ficar na praia sem tirar meu short jeans e minha camiseta.

Por fim, queria agradecer a todas as lojas e marcas que têm me ajudado na ressignificação do momento de “ir às compras”. Que tem transformado esse momento leve e prazeroso! E em resposta aos últimos acontecimentos com a indústria da moda e sua ramificação “a busca pelo corpo perfeito e saudável, digo que eu quero é a CURA DO COVID-19! Eu quero um NOVO NORMAL, onde as pessoas pretas possam viver em paz! Um mundo onde tenha mais empatia, menos desigualdade social, menos poluição, menos fome, mais gratidão, mais cuidado com o planeta! Que possamos construir juntos um novo normal! Que a gente saiba aproveitar esse momento tão difícil para ser grato, reorganizar nossas prioridades e entender que com a cooperação o nosso mundo se tornará um lugar bem melhor.

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