Isto é arte, não toque!

Sinfrônio
Revista Negra Trama
3 min readDec 18, 2022

“Eu não sei nem português direito, quanto mais inglês!” Foi dessa forma, que eu fui respondido por um funcionário de uma galeria de arte na cidade de Fortaleza, quando eu o perguntei se ele tinha interesse em levar uma das fotos que estavam lá, à disposição de quem quisesse levar. As fotos da exposição, em sua maioria, eram de pessoas negras, assim como esse operário ao qual me refiro, mas essa resposta, tão genuína e sincera, me fez parar para pensar durante o dia todo, e até mesmo hoje, enquanto escrevo esse texto. Uma vez me disseram que a arte é para todos. Mas quem são esses todos? Para quem são essas artes com rostos tão comuns, nesse país que é o Brasil? Por que eu não vejo esses mesmos rostos, que são tão comuns, das fotografias, também admirando essas obras? Na verdade, eu vejo muitos rostos comuns por outros fatores. Esses rostos, têm a boca e o nariz torcidos para tudo e todos que julgam serem inferiores a ponto de ficar mais comum ainda, quando encontram ou se esbarram com essas pessoas. Então, de onde vem essa vontade de retratar o sofrido, as lutas e as labutas que o povo preto enfrenta todos os dias e exibir para chocar ou impressionar esse grupo seleto, que sempre está lá?

Talvez eu esteja exagerando, mas sinto um fetichismo nesse sofrimento. Não digo que retratar essas realidades seja um erro, pois muitas das vezes é um grande acerto. No entanto, eu me pergunto: “quando essas obras chegaram nas comunidades, favelas ou mesmo nos bairros pobres que rodeiam essas galerias?” Posso estar errado, mas eu, homem negro que estudei a vida toda em escola pública, não me lembro de ter tido incentivo de uma ida ao museu ou exposição artística, não lembro do Governo incentivando pessoas pobres a conhecer mais sobre pintura, sobre fotografia ou mesmo o cinema. Cinema? Só se for na televisão, quando a emissora escolhe qual filme vai passar. Apesar de, hoje, ser algo mais acessível, nem todos puderam ir na sua infância ou adolescência.

A arte está em todo lugar? De fato, está. Mas quando esses espaços embranquecidos, até suas paredes, abrirá suas portas e acolherá de uma vez por todas, sem constrangimentos ou olhares esquisitos aquelas pessoas que eles fingem se impressionar quando as vêem nas fotografias? Não gosto de ser o chato que problematiza tudo, mas parece que essas pessoas se sentem muito mais bem consigo mesmas, quando vêem esses mesmos corpos estirados no chão, crivados de bala ou com um par de algemas nas mãos.

É triste, pra mim, que sou filho de um vigilante e uma empregada doméstica, não ter uma resposta para dar a esse homem. Ele me respondeu, ele me falou e nas suas palavras eu vi mais arte do que aquilo que estava ali para ser exibido. São essas palavras que deveriam ser vistas, ouvidas e aprendidas por essa gente.

Cuidado, esse texto está repleto de opinião de um homem negro!

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