Quilombos em emergência

Pedro Costa
Revista Negra Trama
3 min readOct 4, 2020

A crise sanitária do Covid-19 escancarou diversas mazelas estruturais presentes na sociedade brasileira, isso é fato, porém, neste texto irei direcionar minhas reflexões para um povo específico que sofre com uma invisibilidade estrutural, o povo quilombola.

O Brasil nunca manteve relações amistosas com as comunidades quilombolas. Desde as formações quilombolas no século XVI, o país sempre os tratou com violência, não permitindo a sua existência e os colocando na ilegalidade durante muito tempo da história brasileira. De meados do século XVI até 1988, as comunidades quilombolas não possuíam títulos que reconhecessem que as terras que eles usufruem eram de sua posse, portanto, a violência dos fazendeiros era rotina, visto que a terra não possuía “dono”.

As populações quilombolas são esquecidas e marginalizadas, poucos são os programas e projetos que visam o bem dessas comunidades; séculos se passaram e o objetivo brasileiro segue sendo o de extermínio dessa população. No que se refere à pandemia do Covid-19, o posicionamento brasileiro frente a essas comunidades segue o mesmo, continuam a ser ignorados e deixados para o esquecimento.

Dados da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) nos mostram que, até o dia em que escrevo esse texto (26 de setembro de 2020), 4.590 quilombolas estão infectados e 166 já morreram em decorrência do novo vírus. Os números são assustadores, contudo, o que mais assusta é que as comunidades quilombolas não conseguem acessar os programas que o governo disponibilizou no contexto pandêmico, devido a negligência estatal direcionada a tais povos. Medidas paliativas tais como o auxílio emergencial não possuem ampla aderência dentro do contexto quilombola, visto que o acesso a internet é precário dentro das comunidades negras rurais. As políticas públicas possuem um público alvo, e é fato de que essa política pública não foi pensada para esse povo. Ademais, é recomendado procurar um centro de saúde próximo caso haja sintomas de Covid-19, porém diversas comunidades quilombolas não possuem fácil acesso a saúde, devido a imersão no contexto rural.

As conclusões a que chego ao apresentar tais informações se debruçam sobre o seguinte: é fato de que o Covid-19 já está presente nas comunidades quilombolas, porém, o governo está mantendo a mesma postura de sempre com relação a essa população, a postura de negligência. A morte dos quilombolas não foi sequer documentada nas mídias, o óbito dessa população não choca o governo porque faz parte do “plano” dele, é notável a presença da necropolítica brasileira frente a essa parte da população.

A perda de vidas quilombolas é extremamente dolorosa, o óbito de quilombolas se traduz em perda de memória para todo o Brasil, mas possui um impacto específico para toda a população preta, visto que as comunidades negras rurais são exemplos de resistência negra auto organizadas no país desde o início do processo colonial; comunidades inteiras estão sujeitas ao desaparecimento devido à negligência estatal que é incapaz de observar tais povos e programar políticas específicas que atendam suas demandas.

Imagem disponível em: http://conaq.org.br/noticias/stf-proteja-os-quilombolasassine-o-abaixo-assinado/
Imagem disponível em: http://conaq.org.br/noticias/stf-proteja-os-quilombolasassine-o-abaixo-assinado/

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Pedro Costa
Revista Negra Trama

Sou graduando em Ciências Sociais, membro do Núcleo de Consciência Negra da Unicamp e pesquisador dos Saberes Quilombolas.