“Samba, Raça e Classe”: Uma breve introdução sobre o carnaval de São Paulo.

Kaique Souza
Revista Negra Trama
3 min readMay 23, 2020

É muito comum nas periferias de São Paulo (falo de SP pq é onde eu to, mas acredito que em várias por esse mundão) presenciar aquele famoso samba, nas casas, bares, pós o jogo da várzea ou em momento de lazer qualquer com as amizades, enfim… ele sempre ta lá. E é assim desde os sambas rurais no séc. XIX, quando as classes populares da época, que eram em sua grande maioria escravizados e pretos livres, faziam em festas e rituais religiosos.

google imagens

Hoje no sambódromo do Anhembi, palco dos desfiles das escolas de samba de São Paulo, é o samba que dá a letra, mas bem diferente de suas raízes já que os desfiles no Anhembi custam caro e exclui a classe mais baixa que não pode assistir sua escola nas arquibancadas do sambódromo, enquanto nas ruas da capital paulista o carnaval popular cresce exponencialmente por ser 0800 e vem chamando atenção de turistas (primeira vez que vi gringo no carnaval de rua de sp). Também existem os blocos especiais que são pequenas agremiações carnavalescas geralmente localizados em bairros periféricos e com forte ligação com sua comunidade e tem os desfiles parecidos com escolas de samba, mas em proporções menores. Esses blocos desfilam na famosa Av. São João, no centro, mas em 2020, pela primeira vez desfilaram na Vila Esperança, bairro da zona leste e importantíssimo para o carnaval paulistano, lar da Nenê de Vila Matilde e do meu querido bloco Chorões da Tia Gê. Os blocos lembram vagamente os antigos cordões que saíam às ruas da cidade como uma verdadeira festa popular no final do séc. XIX e início do XX.

Cordão paulistano — Google Imagens

As primeiras escolas de samba de São Paulo nasceram desses antigos cordões, em bairros periféricos da época, onde a maioria dos moradores eram negros e que pelo processo de urbanização do centro, no início do séc. XX, foram expulsos para longe da região central. Agremiações como Camisa Verde e Branco, que nasce no bairro da Barra Funda, Vai-Vai, no famoso Bixiga, onde antes ficava o quilombo Saracura e a “avó das escolas de samba” Lavapés, no Glicério, uma zona próxima ao centro, alagadiça e por isso com os valores das residências mais baixos, sendo procuradas pelas classes mais baixas; são exemplos dessa urbanização de São Paulo que cria centros de consumo e moradia para uma elite, jogando os trabalhadores para as periferias. Nos bairros do Morumbi, Alto de Pinheiros, Jd. Europa os mais ricos da cidade, verificamos a não existência de agremiações carnavalescas na região e que pode ser mais uma hipótese que o samba tem cor e classe. No texto “SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL E ESCOLAS DE SAMBA NA CIDADE DE SÃO PAULO”, há uma pequena discussão sobre a região em que as escolas estão, vale a pena dar uma lida.

O objetivo aqui é dar um panorama muito geral sobre uma parada gigante que é o nosso carnaval e todas suas contradições, mas que é lindo! E por fim, dizer que o samba tem cor, não que isso exclua pessoas brancas do samba, viu, Mallu, mas como diz Nego Max em “O rap é preto” e que se encaixa muito bem no nosso caso:

A questão não é que branco não pode fazer rap

Não é esse o ponto

Mas sim que a gente não pode esquecer da origem

Da energia que pariu nossa cultura

A partir do momento que a gente concorda que o rap não tem cor

Primeiro que nós tá desconsiderando e apagando toda uma luta

Toda uma história de opressão, resistência e derramamento de sangue

Segundo, nós tá sendo conivente pra que daqui 30 ou 40 anos digam que o rap é branco, parça

Igual aconteceu com o rock, com o blues

O inimigo vem, se infiltra, se faz de amigo

Quando cê vê, te transforma escravo do seu próprio talento, parça

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