Acessibilidade é tema de disciplina no curso de Arquitetura

Mirele Moreira
Revista Plural
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5 min readSep 26, 2017
Paulo Tadeu Leite Arantes, professor do curso de Arquitetura da UFV [Foto: Juliana Pina]

A partir de 2007 acessibilidade passou a ser um conteúdo obrigatório nos cursos de arquitetura do país. No entanto, o exercício didático pedagógico da vivência da acessibilidade não é uma imposição. Na Universidade Federal de Viçosa, esse é o primeiro semestre em que está sendo oferecida uma disciplina específica para o tema. O Professor Paulo Tadeu Leite Arantes é quem ministra a disciplina ARQ 250 — Acessibilidade Predial e Urbana e nos contou sobre a dinâmica e os maiores problemas enfrentados.

As discussões sobre acessibilidade se intensificaram nos anos 90 quando o assunto ganhou âmbito global e chegou na ONU. Em 2004, foi criado um documento que representa a convenção de direito das pessoas com deficiências.

No Brasil algumas foram criadas algumas leis relacionadas ao tema. São elas: a 10.048/00, que garante atendimento prioritário a pessoas portadoras de deficiência, idosos, gestantes, lactantes e pessoas acompanhadas por crianças de colo; e a lei 10.098/00, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida em espaços de uso público.

Assim, ter uma disciplina sobre o tema reforça não só um compromisso com a sociedade, nas construções e reformas de espaços, como também permite um crescimento humano. Para que os alunos se sensibilizem e pensem além da estética e do preço das obras, privilegiando a acessibilidade dos projetos que irão realizar.

Plural: O que motivou a criação da disciplina?

Paulo Tadeu: A motivação eu divido em duas partes. Tem uma parte da motivação que é uma coisa obrigatória. Então, mesmo o curso de arquitetura hoje que não quer mexer ou não tem muita coisa com acessibilidade, se ele não fizer e se o aluno não comprovar a carga horária do curso, quando ele vai registrar o diploma, ele tem restrição. Então, eu estou falando do ponto de vista legal. Mas eu acho que tem uma outra que é mais importante que o legal, que é a importância do tema. Essa é uma outra história, você não sensibiliza as pessoas por uma causa, você sensibiliza quando põe uma lei e diz: tem que seguir.

A outra parte é a que a acessibilidade tem muito de sensibilidade. A disciplina tem muito com o sensível. O estágio que a gente faz aqui é para você colocar a pessoa numa situação de discapacidade. É uma simulação da restrição de movimento ou de sentido. Porque eles vão fazer um percurso com o olho vendado para você saber como uma pessoa deficiente visual consegue andar ou não e o que o espaço pode desfavorecer ou dificultar. Ou seja, a acessibilidade é uma combinação de sensibilidade com medidas.

Plural: Como é a dinâmica da disciplina e o que você espera dos alunos no final?

Paulo Tadeu: A minha disciplina tem quatro atividades. A primeira é ir na mídia e achar uma notícia sobre acessibilidade e eles têm que fazer uma resenha sobre essa notícia, para eles começarem a entrar no problema. Pode ser notícia de televisão, jornal, não importa. Pode ser falando bem ou mal, não tem problema. E aí eles fazem um comentário em cima dela. A segunda é o estágio vivencial que eles estão fazendo agora. É o mês de setembro inteiro que eles vão estar circulando. São três vivências: uma de cadeira de rodas, uma do deficiente visual que eu vedo os olhos e dou para os alunos uma bengala de deficiente visual e no percurso eles têm que entrar em um espaço aberto e tem que se deslocar. E a terceira é o passo do idoso que eles usam uma tornozeleira de 4 a 5 kg em cada perna e eu coloco um óculos com 8 graus de miopia e eles colocam para perder o equilíbrio. A combinação da tornozeleira e do óculos tira o equilíbrio, o que acontece justamente com o decorrer da idade. Isso é uma simulação e esse percurso pode ser onde eles quiseram, mas obrigatoriamente tem que ter uma escada para eles verem uma dificuldade de uma pessoa idosa subir uma escada sem um corrimão. A escada do DAU por exemplo, não tem. Uma pessoa idosa se não tiver alguém junto, não sobe aqui no Departamento. A próxima atividade é uma campanha. E eles vão ter que fazer algo de sensibilização e de esclarecimento da acessibilidade. Eles podem fazer no campus, na cidade, nas escolas, nos espaços de lazer, não importa… E ainda tem uma quarta, que eles fazem um projeto que eles vão aplicar essas questões normativas de um direcionamento.

Eu espero duas coisas dos alunos: a primeira é uma sensibilização do tema, independente de ser arquiteto. Eu tenho que saber lidar com essas pessoas normalmente no meu dia-a-dia independente do meu lado profissional. Isso é humanidade, é outra coisa. Estou falando de comportamento cidadão. O estágio tem isso, colocar a pessoa em situação para ver se consegue tocá-la para ela entender como é difícil a vida dessas pessoas. E o segundo objetivo é que eles dominem a ciência e as técnicas para que eles projetem espaços sem barreiras.

Plural: Como é a acessibilidade no campus?

Paulo Tadeu: A acessibilidade no campus é 100%? Deveria ser, mas não é. Nem no campus nem na cidade temos um exemplo total de acessibilidade, eu não conheço. Sempre falta alguma coisa. Nós temos que olhar para o campus antes e depois. Nos prédios antigos, não se era exigido, por exemplo no Bernardão. Naquela época esse assunto não tinha relevância. Não posso culpar quem fez o projeto e concluiu. Agora, quem faz um projeto hoje, com todas essas leis e não presta a atenção na acessibilidade, está muito errado. Não se permite hoje fazer uma construção sem acessibilidade. Mas o campus já evoluiu? Já, não posso deixar de reconhecer. Mas eu acho que o esforço é tímido. Por exemplo, como você admite que a BBT não tem acessibilidade? Lá é um lugar onde todos vão, todos os dias. O elevador de lá nunca funcionou. E outra, tem uma funcionária que é cadeirante e que não conhece a biblioteca. Ela só conhece o térreo. Ela ficou um ano sem banheiro. Essas coisas a gente não pensa. Pode achar que ela usaria pouco o banheiro. Mas para aquelas pessoas, ele é fundamental.

Plural: Existe algum país que serviria de modelo de acessibilidade?

Paulo Tadeu: Não, mas tem países que levam isso com mais seriedade. Eu citaria um que é a Espanha. Lá tem um documento que chama Libro Blanco da Acessibilidade que é um documento de 800 páginas. Eu não conheço outro país que tenha algo parecido. Na Espanha você percebe a acessibilidade de forma muito evidente. Às vezes ouço pessoas falando que lá tem muito cadeirante. Não tem muito. O país é que dá condição para o cadeirante andar, então eles saem, vão ao estádio, andam de metrô, de ônibus, na rua. Quando você dá condição elas saem, se não tem condição elas se acuam. Outra característica da acessibilidade hoje é a independência.

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