Daniel Salgado
Revista Poleiro
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7 min readFeb 6, 2015

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A autonomia e a simplicidade da Audio Rebel, referência quando se trata de promover aquilo que faz bem aos ouvidos

Por Daniel Salgado

No Rio de Janeiro, só há uma casa de shows que promove música experimental, funciona como estúdio de gravação e, não menos importante, tem um cachorro que serve de segurança e mascote: a Audio Rebel, projeto do carioca Pedro Azevedo. Fundado em 2005, o espaço já é palco constante de importantes nomes na cena alternativa brasileira quando passam pelo Rio de Janeiro. Só no último ano, estiveram Juçara Marçal, ruído/mm e Kassin.

O projeto começou em 1999, quando Pedro convenceu seu pai a liberar um pequeno quarto em sua casa, na Tijuca, para que ele e seus amigos pudessem ensaiar. Aos poucos, começaram a juntar equipamento e fazer shows pela cidade. “Íamos tocar frequentemente em alguns lugares, como a Cachanga e o Casarão Amarelo”, conta Pedro. “Também começamos a oferecer nossos instrumentos para aluguel em troca de cachê um pouco maior.” Ali estava plantado o embrião da Audio Rebel.

O negócio de aluguel de instrumentos se profissionalizou, e, em pouco tempo, Pedro já havia alugado uma casa em Vila Isabel, onde ocupava o imóvel tanto para ensaio quanto para armazenamento de instrumentos. Mas o contrato acabou, e o empreendimento não tinha mais endereço. Após meses de procura, um lugar serviu a todas as necessidades. Era um casarão na rua Visconde e Silva, em Botafogo. Antigo prédio dos Correios, agora passaria a ser um dos centros da cultura alternativa carioca. Talvez a união fosse predestinada, já que, mesmo na época do governo, os fundos eram usados como espaço musical, inclusive contando com um trabalho acústico.

Desde seu começo, a Audio Rebel tinha um foco. Nos primeiros meses, artistas consagrados da música alternativa tocaram no pequeno palco com parede de pedras, entre eles Hurtmold e Garage Fuzz. Pedro define:

“Somos a única iniciativa privada no Rio de Janeiro que faz esse tipo de coisa. Temos uma curadoria, conseguimos trazer gente de que gostamos, e eles gostam de vir tocar aqui. Vem de tudo, de Samba a Death Metal. O que importa é incentivar a cena alternativa na cidade, até porque não precisamos da grana dos shows para sobreviver.”

O fator mais importante para a manutenção da casa é, sem dúvida, o tino comercial dos fundadores. Lançada com foco principal como estúdio de gravação, a Audio Rebel sempre pagou suas contas com seu trabalho de produção musical. Dos seus quatro funcionários, dois cuidam diretamente dos ensaios. Os serviços são variados, e todo tipo de trabalho musical pode ser realizado, desde a composição de trilhas sonoras até a gravação final de um disco. Isso permite que músicos diletantes ou profissionais possam ensaiar, gravar, tocar e até mesmo comprar instrumentos num mesmo espaço.

“Essa abordagem completa faz com que muita gente curta fazer as coisas aqui. É bem localizado, então dá para vir a pé do metrô, de carro ou de bicicleta. E o cara consegue fazer todo o processo musical aqui dentro, já que a gente tem o know-how. Tem a loja, onde ele pode procurar um equipamento que falte ou tenha quebrado. Temos dois engenheiros de som. Ele até escolhe a Audio Rebel porque faz questão de ajudar, já que temos um projeto cultural”, conta o fundador.

Entre alguns dos artistas que abraçam o espaço, Kassin talvez seja dos mais importantes e presentes. O produtor, que assina trabalhos de Los Hermanos, Jorge Mautner e Vanessa da Mata, aluga o segundo andar da casa como seu estúdio e participa de projetos de show, como na jam session feita com o baterista da banda americana Wilco, Glenn Kotche, em dezembro de 2013. E essa relação direta com os músicos é que, também, faz com que os shows sejam diferentes.

Nomes como Juçara Marçal, Kiko Dinucci e Thiago França escolhem tocar na Rebel por conta desse ambiente. Pedro explica que “apesar de algumas limitações — não temos camarim, por exemplo — , ao vir tocar aqui o artista sabe que vai ser bem tratado, que o público é fiel e que o som é bom. E se ele confia no próprio taco, consegue trazer uma lotação e o cachê é suficiente para pagar os custos, também”. Mas, no caso de atrações internacionais, a questão complica, já que os custos aumentam muito, e só há possibilidade de trazê-los quando eles já estão de passagem no país. Para isso, Pedro diz estar “sempre atento às oportunidades que surgem”.

E além de trazer nomes consagrados, a casa também serve de palco para bandas iniciantes, muitas vezes fazendo seu primeiro show. É o caso da banda Dorgas, que depois se tornou importante na cena carioca. Apesar da relação íntima com artistas em todos os níveis da produção da música, a Audio Rebel nunca gravou e distribuiu um disco, algo que está em vista para o futuro. Isso já ocorre em paralelo, porém, com o selo Quintavant, de música experimental e instrumental baseada no improviso, que também é encabeçado por Pedro. O selo — e evento — reúne um grupo heterogêneo de artistas que têm transformado a cena musical na cidade, chegando inclusive a fazer shows em São Paulo. Entre outros, o grupo já se apresentou no festival Novas Frequências no final de 2014, na primeira edição que ocorreu também na casa.

Vitor Silveira Pereira, carioca e fã inveterado de bandas do selo e frequentador assíduo de shows na Rebel, conta sua experiência. “Fui pela primeira vez em um show ali em 2008, numa apresentação da banda Zeferina Bomba. Acho que um espaço como a Audio Rebel é raro no Rio, só tendo, talvez, eventos parecidos na Comuna e o Escritório, casa do pessoal da Transfusão Noise Records.”

O trabalho de divulgação da música alternativa trouxe admiradores de outros estados. Um deles é Elson Barbosa, fundador do selo de música experimental paulistano Sinewave, e que já organizou um pequeno festival de bandas na casa, em 2011, com participação das bandas Herod, S.O.M.A e Avec Silenzi. Para ele, o trabalho que o Quintavant e a própria Audio Rebel fazem é bastante centrado num nicho específico, o que faz com que o impacto seja reduzido.

Mas mais do que influência ou importância, uma palavra que pode encaixar bem é referência. Considero o Quintavant e a Rebel uma referência enorme na organização de uma cena de verdade, com bandas tocando, público assistindo, veículos reportando, um selo divulgando, e uma casa dando espaço pra tudo isso. Não é à toa que um veículo tradicional como O Globo já deu matéria de capa pra Cena Experimental Carioca — ela existe de fato”, conclui Elson. E não é só a mídia carioca que tem falado no espaço.

A revista pernambucana Outros Críticos fez uma matéria sobre a Rebel em sua primeira edição, lançada no ano passado. A movimentação constante de público, shows nacionais e internacionais e a curadoria para a música torta fazem com que pessoas como o recifense Gabriel Albuquerque vejam a casa como projeto importante para a música. “Em Recife há o iraq, de Evandro Sena, que tem uma curadoria interessante. Mas lá não acontecem shows constantemente. O lance da Rebel é que o lugar, pelo menos é o que parece dos vídeos, é organizado e confortável. E também é constante, assim acaba criando uma paisagem sonora e também um ponto de encontro de pessoas com interesses (não usuais) em comum”. Para Gabriel, isso é raro de se ver no Brasil: uma casa de pequeno ou médio porte que consegue se autosustentar e ser espaço de criatividade para artistas mais alternativos fora do circuito do Sesc.

Perto de completar dez anos e já contando com prestígio nacional, a Audio Rebel conseguiu seu espaço com uma curadoria específica, prestigiando a MTB — Música Torta Brasileira, para os não apresentados. Grandes nomes como Arrigo Barnabé já tocaram por ali, diante de oitenta ou noventa cabeças extasiadas. Mais do que isso, ela mostra que uma casa nesse perfil não consegue sobreviver apenas de apresentações, e sua longevidade se deve em boa parte ao serviço de estúdio. “Considero meu trabalho a parte de produção, gravação e mixagem”, conta Pedro. “Infelizmente não dá para viver só de show.”

Com tudo isso, duas coisas são presença garantida no futuro da casa de show mais torta do Rio de Janeiro: Neon, o cachorro que foi presente durante as obras da casa, nove anos atrás, e a parceria entre o espaço, os músicos e o público.

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