Victor Calcagno
Revista Poleiro
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15 min readJul 1, 2015

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A destruição de monumentos históricos pelo Estado Islâmico

Por Victor Calcagno

Nas ruínas de Nimrud, norte do Iraque, uma escultura com torso de leão, asas de águia e cabeça humana resiste há três mil anos na entrada de uma estrutura. Parece estagnada se olhada de frente e de perfil parece caminhar. A figura mitológica, uma fêmea, recebe o nome de Lamassu. A escultura está intacta e seus ornamentos bem delineados. Fundada em 1300 a.C. na antiga Mesopotâmia, hoje um sítio arqueológico, a cidade de Nimrud foi capital de uma das primeiras grandes civilizações de que se tem registro, o Império Assírio. O que sobrou desse reino, que sobreviveu ao abandono e à força da natureza por milênios, está à beira da extinção pelas mãos do autoproclamado Estado Islâmico.

A estátua é exibida em um vídeo produzido pelos extremistas no início do ano. Em cima de um andaime improvisado, um rapaz de barba e roupas pretas encara a figura com desprezo. Ele tem nas mãos uma grande furadeira apontada para o rosto da divindade. O homem liga o aparelho e observa a broca atravessar as pupilas petrificadas da Lamassu, arrancando fragmentos milenares à medida que desfigura aquele passado distante. Em pouco tempo, não é mais uma face humana que se vê ali, mas pontas insensíveis de uma rocha amarelada pelo tempo. Naquele dia 5 de março, o Estado Islâmico começava a destruir mais uma relíquia de valor cultural inestimável em nome de sua jihad contra religiões, países e falsos ídolos que ameaçam sua interpretação radical do islamismo.

Outros dois homens vestindo preto da cabeça aos pés se aproximam das pernas da escultura com marretas nas mãos. Erguendo os instrumentos, batem impiedosamente contra as patas da fera indiferente. Como se recusasse o destino, a rocha resiste a alguns golpes até ser deformada por inteiro. O homem com a furadeira já tem seu trabalho bastante adiantado a essa altura e, com um golpe final, derruba a cabeça mutilada do ídolo. No vídeo, a pedra cai em câmera lenta e é acompanhada por uma canção árabe ao fundo, como em uma produção hollywoodiana de segunda categoria. Muito estrago já foi feito em Nimrud mas, para os jihadistas, ainda é preciso um desfecho definitivo que não deixe dúvidas quanto à sua força.

A Lamassu nas ruínas de Nimrud antes e durante sua destruição. Fotos: DeAgostini/Getty Images/Mustafa Al Najjar/Reprodução

Os homens de preto enchem tonéis com material explosivo e os posicionam ao redor da antiga cidade. Áreas onde as esculturas são mais abundantes recebem reforço de explosivos. As ruínas de Nimrud vivem seus últimos minutos de existência. Após um corte na cena, as velhas construções aparecem majestosas no horizonte verde, da mesma forma como antes se apresentaram a milhares de viajantes para quem seu vislumbre era a recompensa depois de dias na estrada.

Os explosivos são detonados todos de uma vez. O chão treme forte, a poeira do solo se espalha de repente e uma imensa nuvem de fumaça sobe com violência ao céu, cuspindo destroços para todos os lados. A canção árabe continua enquanto a tela escurece até que a imagem suma por completo. O Estado Islâmico assassinava o passado para consolidar seu futuro em mais um espetáculo de destruição cultural.

O sítio arqueológico de Nimrud, como muitas outras raridades históricas no Iraque e na Síria, nunca mais será apreciado ao vivo. “O que eles atacam está perdido para sempre, não tem como recuperar”, pontua Antonio Brancaglion Junior, professor de arqueologia no Museu Nacional, casa de alguns cursos da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A importância desses lugares para a história da humanidade, segundo ele, é maior do que se imagina. “Nossa cultura, embora seja majoritariamente greco-romana, tem muito dessas civilizações. Eram centros intelectuais da humanidade, onde se desenvolveu a matemática, a filosofia e outras importantes áreas do conhecimento.” Os extremistas de preto, no entanto, não reconhecem nada disso. Conhecidos por degolar jornalistas e queimar seus adversários em um circo de brutalidades, o EI percorreu um longo caminho até se tornar a frente terrorista que mais cresce no mundo.

A organização tem sua origem ligada à Al-Qaeda, no Iraque. O embrião do que viria a ser o Estado Islâmico separou-se em 2004 da organização fundada por Osama Bin Laden e, hoje, cresce rapidamente em meio à desagregação política e social que abala os dois países. Na Síria, a guerra contra o presidente Bashar al-Assad foi responsável por fragmentar o país em zonas de influência rebeldes ou pró-governo. Vizinho de fronteira, o Iraque, bastante debilitado desde a invasão americana de 2003, ainda não obteve sucesso na tentativa de se unir ao redor de uma liderança política que consiga controlar a situação — ainda semelhante a uma guerra interna.

Desde seu crescimento em meados dos anos 2000, o Estado Islâmico vem aproveitando a instabilidade no Oriente Médio para se impor perante os habitantes da região e somar novas terras aos seus domínios. Hoje ele é responsável por controlar uma área de 215 mil km², com no mínimo 50 mil soldados em terras sírias e iraquianas dominando cidades de importância estratégica e econômica como Mossul e Raqqa.

A todas as cidades que dominam, os membros do EI impõem a Charia (lei islâmica) a seu modo. A missão é consolidar o Califado, um antigo modelo político ligado às origens do islã que propõe a continuidade da linhagem do profeta Maomé. O regime se assemelha a uma teocracia e envolve perseguição de infiéis, conversão forçada, opressão e matança de minorias étnicas e a fundamentação total das leis do estado de acordo com a sua interpretação do Alcorão. Sob o comando de Abu Bakr al-Baghdadi, dito descendente legítimo de Maomé, o grupo proclamou o Califado em junho de 2014.

De orientação sunita, os jihadistas perseguem as outras vertentes — consideradas apóstatas — do islã, como xiitas e alauitas. Eles aspiram a um controle sobre todos os muçulmanos no mundo, se assegurando como frente única e verdadeira da religião. Ainda que o grupo afirme segui-la corretamente, a maioria da comunidade muçulmana condena suas atitudes e se nega a reconhecer sua representatividade.

O documentário The Islamic State, feito pela VICE em 2014, mostra a vida atual em Raqqa, cidade no norte da Síria inteiramente controlada pelo grupo. Acompanhado pelo chefe de comunicação do EI, o repórter conhece a realidade monitorada em que os habitantes dali agora vivem. Ele é apresentado à Hisbah, uma espécie de polícia do Califado, responsável por se ocupar tanto de problemas criminais quanto de aspectos cotidianos de grande importância na Charia.

No filme, o marido de uma mulher que andava com seu vestido levantado é advertido sobre a atitude da esposa e recriminado em razão do tecido que ela vestia. “Primeiro, fale pra ela trocar o tecido. Depois, pra que não segure o vestido assim. Podemos ver que roupa há por baixo”, corrige, com um fuzil nas mãos, o risonho funcionário da Hisbah. “Deus ordenou que as mulheres usassem véu; não fomos nós que inventamos isso.” Os oficiais checam lojas para verificar a procedência dos produtos, dão conselhos aos moradores e se certificam de vistoriar cada detalhe da comunidade.

As penas para os transgressores são brutais e exemplares. Caso seja pego vendendo bebidas alcoólicas, por exemplo, o cidadão deverá ser açoitado. Traficantes de drogas pesadas são sistematicamente condenados à morte e expostos em praça pública. É comum encontrar cabeças humanas fincadas em postes e, vez ou outra, indivíduos crucificados em vias de grande circulação. Expondo seus adversários dessa forma, o Estado Islâmico extermina as práticas que considera hereges, determinando seu desaparecimento por completo em prol da pureza moral do novo Califado — e isso envolve explodir estátuas construídas há três mil anos.

Os Estados Unidos oferecem, desde 2011, 10 milhões de dólares pela captura de Abu Bakr al-Baghdadi, califa do Estado Islâmico. Ele é considerado um terrorista internacional pelo Departamento de Estado norte-americano e seu paradeiro segue desconhecido.

Em uma famosa passagem do Alcorão, o profeta Maomé regressa à cidade sagrada de Meca e destrói todos os ídolos que ficavam na Caaba, santuário comum a várias crenças no século VII. “Muçulmanos, essas relíquias que vocês veem são ídolos que eram idolatrados no lugar de Alá durante os séculos passados”, diz um membro do EI em outra demolição filmada. “O profeta ordenou que nos livrássemos de estátuas e relíquias e seus companheiros fizeram o mesmo quando conquistaram países depois dele.” No vídeo, homens montados em esculturas assírias as cortam em pedaços usando um serra mármore. “Alahu Akbar!” (do árabe “Deus é grande”), gritam conforme as partes se despedaçam no chão.

Como é possível observar na passagem sagrada, a iconoclastia não é novidade. De acordo com o professor Brancaglion, o costume nunca foi restrito apenas à religião muçulmana, sendo presente também em outras denominações religiosas, inclusive no cristianismo. A apropriação dessa atitude para outros fins — além de uma recorrência tão grande — é o que faz das devastações do EI um acontecimento notável. “É a maior destruição histórica feita sistematicamente que eu já vi”, diz o professor.

Além do motivo religioso, classificado pelo grupo como obrigação de todo muçulmano, o EI utiliza seus ataques contra crenças do passado como afirmação de poder. Assim como as execuções divulgadas na internet, os extremistas procuram mostrar impiedade com valores culturais distintos dos seus, arrasando o passado “infiel” em uma espécie de propaganda pelo terror. Além dos vídeos, os radicais mantêm uma central de mídia, uma estação de rádio e uma revista mensal dedicada ao alistamento de novos soldados. As imagens na publicação, intitulada Dabiq, mostram cartazes bem acabados de recrutamento junto de hashtags e fotos de combatentes em poses heroicas.

O EI já destruiu desde pequenas imagens, cerâmicas e tabuletas antigas até grandes sítios arqueológicos, igrejas e até mesquitas de vertentes alternativas do islã. Foram diversos ataques coordenados. Pelo menos 28 construções históricas foram destruídas ou danificadas. A lista das cidades atingidas é extensa — conta com nomes como Aleppo, Tal-Afar, Tikrit e Tel-Nasri, além de vários sítios arqueológicos onde importantes escavações eram realizadas. O grupo possui até uma divisão específica para identificar locais de importância histórica e organizar a operação para destruí-los, a chamada Kata’ib Taswiyya (“Batalhões de Assentamento”, em tradução livre). Ainda assim, nem todos os atos de iconoclastia receberam atenção a ponto de serem filmados e utilizados como promoção. A falta de informação dificulta o serviço de especialistas em elencar aquilo que de fato foi perdido e o que ainda pode ser restaurado.

Sabe-se, por exemplo, que os radicais foram responsáveis por um incêndio na Biblioteca Pública de Mossul, segunda maior cidade do Iraque. Mais de 8 mil peças foram consumidas pelas chamas, entre elas alguns manuscritos raros que datam do ano 5.000 a.C. segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Algumas testemunhas dizem ter visto caminhonetes levando vários desses exemplares para paradeiros desconhecidos. O Museu de Mossul, que também abrigava diversos artefatos assírios, foi invadido e teve o vídeo de sua destruição divulgado no fim de fevereiro. O padrão seguido pelas produções do EI se repete: marretas mirando cabeças de pedra que rolam sem parar, painéis da cidade bíblica de Nínive com trincos por toda parte e reis antigos sendo amputados em câmera lenta.

Foi também em Mossul que várias mesquitas e igrejas foram postas abaixo com dinamites ou partidas ao meio por retroescavadeiras. Uma delas teve mais notoriedade no ocidente por abrigar o túmulo do profeta Jonas, personagem citado na Bíblia. Em um segundo, a torre de tijolos brancos alocada no topo de um pequeno monte se desintegra em pó como se nunca tivesse existido. O mesmo aconteceu com uma das tumbas que se acredita ser do profeta Daniel e de outra datada do século XIV, de nome Imam Yahya Abul Qasim. Além das mesquitas, as igrejas de Mossul também estão deixando de existir. Em 2014, o EI orientou seus membros a derrubar todas na cidade.

Mesquita onde se acreditava estar o túmulo de Jonas após sua destruição. Foto: Stringer/REUTERS

A 290 km de Bagdá estão as ruínas de Hatra, cidade construída entre os séculos II e III a.C. pelo Império Selêucida. Hatra contava com grandes colunas, algumas medindo mais de 70 metros de altura, muitas das quais sustentavam estruturas adornadas por bustos em suas paredes. Essas obras também conheceram as marretadas e retroescavadeiras do Estado Islâmico. Em um trecho de outro vídeo, um homem atira com um fuzil nas esculturas, observando, tranquilo, como as balas perfuram os rostos dos antigos ídolos. O sítio arqueológico de Hatra é considerado patrimônio cultural da humanidade pela UNESCO e atualmente não é possível saber se, como em Nimrud, o EI o destruiu completamente com explosivos.

Na Síria, o grupo também promove destruições tão grandes quanto no Iraque. Foi o caso de Raqqa, centro-norte do país. Mariam Naasan, segunda secretária e cônsul da Embaixada Síria no Brasil, chama a atenção para o valor desse passado mutilado. “O que foi destruído é uma parte do legado e testemunho do desenvolvimento humano. Não se trata apenas do passado dos sírios. Trata-se do passado de toda a humanidade.” Em conflito interno desde 2011, o país árabe tem dificuldades para proteger sua herança cultural. A fragilidade do Estado possibilitou ao EI apossar-se da cidade antiga de Palmira, em maio de 2015.

Outro patrimônio reconhecido pela UNESCO, “a cidade tem todo um conjunto de textos históricos ligados a ela”, explica o professor Brancaglion. Com influências árabe, armênia e amorita, seu conjunto de monumentos possibilita uma visão privilegiada das antigas civilizações daquela região, bem como da interação entre essas culturas. Entreposta no caminho de diversas rotas comerciais, floresceu em Palmira a diversidade promovida pelos povos antigos do Oriente Médio. A cidade é o maior tesouro histórico atualmente posto em xeque pelo grupo islâmico.

A tensão na área desde sua invasão pelos homens do EI é grande, uma vez que o local tornou-se foco de bombardeios aéreos. No dia 13 de junho, testemunhas disseram que o templo de Bel-Shamin, uma das estruturas mais emblemáticas de Palmira, havia sido danificado pela Força Aérea síria. São incidentes dessa natureza que mobilizam os organismos internacionais.

Nessa ocasião, ao invés de publicar um vídeo da destruição (entre as ruínas havia um famoso teatro romano que simbolizaria uma grande perda histórica), o Estado Islâmico preocupou-se em divulgar um outro exibindo as edificações de Palmira intactas sobre a areia do deserto. O grupo declarou que destruiria apenas estátuas e figuras de antigos deuses que representavam religiões hereges, deixando intactas as construções antigas.

Após a destruição do sítio arqueológico de Hatra, a diretora geral da UNESCO, Irina Bokova, lamentou a situação, classificando-a como “limpeza cultural”. Aquela não era a primeira vez que Bokova utilizava a expressão para descrever o destino do patrimônio histórico no Iraque e na Síria, envolvendo também as minorias étnicas perseguidas pelo EI.

A chamada limpeza cultural é a prática de destruir para sempre elementos identificadores da cultura de um povo como expressões artísticas, arquitetônicas, de conhecimento e de religião. “É como se dissessem: estamos destruindo vocês e seu passado, apagando vocês da história”, explica Brancaglion. A atitude acarreta uma perda completa de heranças que identificam certos agrupamentos humanos. Em casos mais extremos, não é possível estudá-los ou mesmo saber que um dia existiram. “É um duplo assassinato. Morrem as pessoas que estão lá hoje e morrem também aquelas que estiveram no passado”, resume o professor.

A estratégia tem se mostrado, inclusive, financeiramente efetiva. Ao tomar conta de sítios arqueológicos, museus e templos de grande importância, o Estado Islâmico tem acesso a peças históricas valiosas. São objetos cobiçados por colecionadores e milionários no submundo do contrabando de antiguidades. Ali são encontradas desde joias e pequenas estátuas até partes enormes de muros adornados em alto-relevo.

Como qualquer outro mercado ilegal, é difícil delimitar a real dimensão do contrabando de peças históricas. Segundo a cônsul, o tráfico de relíquias está em terceiro lugar no ranking do comércio ilegal, ficando atrás apenas das drogas e das armas. É possível perceber algumas mudanças econômicas suspeitas que apontam para sua ocorrência e tamanho. Entre 2012 e 2013, a importação pelos EUA de antiguidades oriundas da Síria aumentou em 133%, enquanto as do Iraque cresceram 1302%. Algumas peças podem chegar aos milhões de dólares, dependendo de sua raridade.

Mossul em 1932, muito antes de sua destruição pelas mãos do EI. Foto: Domínio Público.

Para os que procuram combater essa prática, o trabalho é duro. Normalmente, as antiguidades saqueadas passam por vários países até chegarem ao seu destino final. Durante o caminho, é comum que uma documentação falsa seja forjada, atestando boa procedência à peça e permitindo que ela chegue diretamente às mãos dos colecionadores. Não é raro que essas pessoas saibam da procedência ilegal das peças, mas decidam comprá-las mesmo assim. Algumas vão a leilão em grandes casas como artigos que já estavam nas mãos de antigas famílias no país de destino há décadas e que só agora foram postas em oferta.

Todas essas estratégias dificultam uma fiscalização eficiente do mercado. Recuperar esses itens é mais fácil quando são objetos vindos de instituições onde já estavam catalogados. Por esse motivo os membros do EI preferem saquear armazéns de sítios arqueológicos que guardam peças descobertas há pouco tempo. Desconhecidas do grande público, a apreensão delas é mais complexa.

Brancaglion suspeita que o comércio de antiguidades seja íntimo de outras contravenções, como lavagem de dinheiro. “Hoje existem pessoas que sequestram objetos não para vender, mas para pedir resgate por conta do seguro que os museus pagam.” A prática de colocar raridades históricas à venda legalmente era comum no início do século XX, quando os museus as ofertavam por pequenas fortunas. Desde a década de 80, instituições como o ICOM (Conselho Internacional de Museus) e a própria UNESCO combatem o contrabando a partir de acordos internacionais que protegem o patrimônio cultural de cada país.

Mas o mercado resiste — e cresce. O dinheiro originado desse comércio é uma grande fonte de financiamento para os arsenais do EI. Somado à renda dos campos de petróleo invadidos e dos sequestros, o contrabando de antiguidades assegura a saúde da conta bancária do grupo.

Relíquia resgatada pela Polícia de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos. Foto: ICE

O que é possível fazer para salvar essas peças históricas da destruição é uma pergunta frequente. A alternativa encontrada por diversos organismos internacionais é chamar a atenção da mídia para o alto valor histórico que tais itens acumulam. “As pessoas precisam entender que aquilo é importante para elas. Nossa cultura, nossa língua e nossas crenças surgiram ali, naquela antiguidade”, lembra o professor. O reconhecimento desse legado é um passo importante para a eficácia de outros pontos cruciais, como a documentação detalhada de danos e a elaboração de alternativas preservacionistas no pós-guerra.

O projeto Syrian Heritage Initiative reúne acadêmicos e líderes culturais de todo o mundo para proteger o legado cultural sírio. A iniciativa coleta informações sobre os locais atingidos, cataloga os objetos destruídos, monitora sítios arqueológicos via satélite e reúne a maior quantidade de dados possível. Para fomentar a discussão e a tomada de atitudes práticas por governos, a iniciativa libera periodicamente relatórios com as perdas recentes. Em uma edição especial publicada recentemente, o grupo se dedicou a falar sobre a importância de Palmira e a ameaça que sua ocupação pelo EI representa.

Uma vez que iniciativas como essa não possuem nenhuma força bélica, a intenção é traçar um perfil da destruição e pensar em propostas de preservação em grande escala. Elencar as necessidades imediatas de proteção em novos conflitos e a forma como os recursos disponíveis podem ser alocados nesse esforço são as tarefa centrais do empreendimento. Seguindo a comoção causada pela divulgação das destruições iconoclastas, a UNESCO lançou, em março, uma campanha pela preservação cultural do Oriente Médio. O #unite4heritage convoca o público a falar sobre a importância do patrimônio histórico através de fotos, textos e vídeos nas redes sociais. O objetivo é fazer frente à crescente propaganda radical promovida pelo Estado Islâmico na internet, onde o grupo recruta muitos de seus combatentes.

Para Naasan, toda ajuda é bem-vinda e necessária, já que os ataques são prejudiciais para toda a civilização. Em sua avaliação, esses esforços precisam ser maiores e oficializados. “[Isso ocorreria através da] Proibição de todos os países do mundo de negociarem essas relíquias. Elas devem ser devolvidas ao seu proprietário legal, que é o povo sírio, nos casos de saques no país.”

Ainda que essas iniciativas mantenham uma espécie de vigilância, elas não são suficientes para acabar com a destruição cultural empreendida pelo Estado Islâmico. Todos os dias mais pedaços da história são arrasados. Enquanto as marretas batem nessas pedras milenares, iraquianos, sírios e todos os outros indivíduos no mundo são feridos em sua memória. Da mesma forma que as peças das estátuas fragmentadas, ela também não pode ter seus pedaços colados como se nunca tivesse sido danificada. Estará mutilada para sempre.

Como lamenta o professor, “O ser humano tem dois lados: aquele que constrói coisas magníficas e outro que as destrói brutalmente”.

Matéria escrita por Victor Calcagno, revisada por Daniel Salgado e editada e ilustrada por João Brizzi e Nícollas Witzel.

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