Barraco no trânsito

Taxistas e Uber em pé de guerra

Nicollas Witzel
Revista Poleiro
Published in
4 min readJul 25, 2015

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Por Nícollas Witzel e Victor Calcagno

Sol a pino no Aterro do Flamengo, zona sul do Rio de Janeiro. Uma fila gigantesca de carros estacionados interditava a pista no sentido Centro. Todos os veículos eram de um tom amarelo azedo, tinham santinho no retrovisor e bigorrilho no teto. A sexta-feira era de protestos para os taxistas cariocas: eles cobravam do poder público uma regulamentação vigorosa do Uber, empresa de transporte privado que chegou no Brasil há cerca de um ano. Os mais exaltados defendiam que a empresa fosse expulsa do país. “A Uber é um câncer, veio para acabar com toda estrutura trabalhista dos taxistas”, diz Felipe Barbosa, que roda em Nilópolis.

Fundada em 2009 por Garrett Camp e Travis Kalanick, o Uber foi pensado para ser um “táxi de luxo”, transportando passageiros em carros chiques pelos bulevards da Califórnia. O aplicativo, lançado para Android e iPhone em 2010, foi pioneiro no que se chama de “e-hailing” (ato de pedir e pagar um táxi através de dispositivos eletrônicos). Nos dois primeiros anos, o Uber levantou quase US$50 milhões de investidores-anjo (pessoas que investem do próprio bolso, geralmente em startups) e capital de risco. Chegou ao Rio de Janeiro em maio de 2014, seguido por São Paulo, Belo Horizonte e Brasília.

De volta ao Aterro, Alexandre tem a bandeira nacional pendurada no pescoço. O tecido desce até quase encostar no chão, como uma capa heroica. Ele veste uma camiseta com a máxima “taxistas unidos contra a pirataria”. Há 20 anos na praça, jura que a superioridade dos carros da Uber não durará muito tempo, já que os veículos, agora novos, certamente terão defeitos com “a falta da obrigatoriedade de vistoria no longo prazo”. Já a empresa diz que, por política interna, os veículos que operam devem ter no máximo 3 anos de rua.

Dos mais de 30 mil táxis que circulam no Rio de Janeiro, grande parte das reclamações é relacionada à falta de sensibilidade de alguns motoristas, que tratam mal seus passageiros, negando corridas curtas, dando “passeios” pela cidade ou fazendo comentários inconvenientes. Já os usuários do Uber dizem contar com uma polidez impecável por parte dos motoristas. Alexandre rebate: “Eles tratam melhor porque estão começando agora. Quando você entra numa empresa, você quer fazer de tudo por ela. As pessoas não entendem que às vezes o camarada está trabalhando há doze horas, já muito cansado e querendo ir pra casa. Isso faz com que alguns recusem corridas, é normal.”

Os taxistas do piquete estão confiantes. Dizem que, depois da manifestação, o prefeito Eduardo Paes levará a causa a sério. “Se até o início de agosto a gente não tiver essas reivindicações atendidas, não vamos fazer outra manifestação pacífica, como essa. Hoje não causamos problema nenhum ao trânsito, mas nós vamos parar o Rio de Janeiro se nada for feito, congestionando a Ponte Rio-Niterói, a Avenida Brasil, a Linha Vermelha e a Linha Amarela”, disse.

Um dos carros exibe a palavra “Uber” cortada por um enorme X preto no capô. Na traseira, o nome da fan page que reúne membros da categoria no Facebook (Somos Todos Taxistas). As redes sociais foram fundamentais para a manifestação ter conseguido reunir tantos carros. Penoso, Samir, dono do Chevrolet adesivado, se lembra que em um outro encontro, no início do ano, apenas 16 colegas apareceram. “Eu acho lindo ver isso aqui, todo mundo reunido”, se derrete o taxista. Ele julga falsa a sensação de proteção que os usuários do Uber dizem ter. “São carros-pirata, um serviço não legalizado, desregulado. O que o Uber faz é pirataria”, repete, com o texto decorado.

Um colega ao lado tenta explicar com uma comparação prática. “Imagine o absurdo que seria para vocês, jornalistas, se as pessoas começassem a fazer jornalismo sem antes passar pela faculdade e conseguir um diploma para poder trabalhar. É deslealdade, uma sacanagem imensa, não é?”

Informamos ao cidadão que não é necessário ter diploma para exercer a profissão no Brasil.

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Nicollas Witzel
Revista Poleiro

Repórter do jornal O Globo e editor da @RevistaPoleiro. Aproveite enquanto o sonho é grátis