Cinema fast-food
Uma análise das distopias mainstream, por alguém cansado de voltar ao cinema para assistir ao mesmo filme
Por Nícollas Witzel
O ingresso na mão não dá grandes expectativas, ok. A sinopse não anuncia qualquer inovação, mas posso viver com isso. Nenhuma palavra do jornal sobre fotografia linda ou efeitos impressionantes, mas vamos nessa. Em negrito no ingresso amassado o título Maze Runner — Correr ou morrer.
Ainda na fila imaginei que as próximas duas horas não seriam lá espetaculares, mas a sensação de exposição à arte funciona bem, e essa foi mais uma tentativa de sair do cinema pensando que o gênero distópico deu um passo além da receita tradicional. Chamo de cinema fast-food aquele filme que grita por clichês, fórmulas e “manuais de boa trama” para criar uma narrativa supostamente envolvente, flertando com o engajamento sem de fato mergulhar nele.
Geralmente esses filmes começam simples, apresentando pouco a pouco uns personagens que vão dando aquela sensação de “já te vi em algum lugar”. Vê-se que ali falta conteúdo, mas seu esforço para compensar a falta de profundidade não deixa de ser comovente. Em pouco tempo Maze Runner se revela mais uma xérox do cansativo cinema mainstream, em que há maior preocupação em explodir algumas coisas e vender uns tickets do que com a bagagem que se levará para o lado de fora da sala.
Falta cadência na informação, mas não falta suspense. Cenas fáceis, onde as próximas ações lembram muito aquele blockbuster da semana passada, não carregam nada além de impressões instantâneas. As fórmulas saltam da tela de maneira constrangedora. O bê-a-bá: protagonista messiânico + um antigo líder morto no momento crucial, aumentando a responsabilidade do herói, um flerte entre “o escolhido” e a personagem feminina que chegou depois, sempre aliado a um confronto de egos com aquele que poderia ter sido o cara da vez.
É claro que o cinema industrial precisa garantir algum sustento e para isso mira no publico genérico, o que nunca favoreceu a criação de roteiros aprofundados. O tom de perigo iminente — mas sem nenhum background no real — mantém presente nas salas lotadas um ar de hora H. O link ficção x realidade é reduzido à humanidade dos personagens.
Meu ponto: não se trata de banir o roteiro fast-food, e nem mesmo as fórmulas, mas da dosagem um pouco mais meticulosa para que se produza algo além de duas horas de corre-corre. Em nenhum momento qualquer uma das distopias recentes propôs uma conversinha com a quarta parede. Tudo é genérico, tudo é formula. Na marca dos 50 minutos a sessão se torna tediosa, frente ao pequeno rol de novidades pra quem busca um pouco mais que mistérios baratos, mortes legais e drama humano sem qualquer importância. Minha cabeça vai parar nos possíveis finais. Se os meios não encantam e os personagens já são conhecidos, basta se divertir com toda aquela correria e tentar adivinhar quem vai morrer e quem vai sobreviver.
Jura, cara?
Talvez se possa dizer que Maze Runner, como uma “boa” distopia, traz a possibilidade de espiar um pouco de uma vivência apocalíptica, explorando algum contexto social e político numa situação onde o psicológico é levado à pressões extremas. Frente a isso, me pergunto:
quantas vezes o espectador precisa ser bombardeado pela mesma abordagem metódica, simplista, e tão despreocupada com as discussões atuais até que exija mais? Por que o público-alvo, seja ele qual for, se deixa submeter a um clichê desconcertante?
A sala lotada está tão acostumada a roteiros bobos que se encanta com a mais tímida fagulha de conteúdo. Narrativas rasas como um pires ganham status de engajadas por conta de uma piscadela para a relevância histórica ou política.
A crítica que se entusiasma com o filme é aquela que confia nas continuações, mas mesmo essas reconhecem a proposta relaxada do primeiro episódio. Das que consideram o que há para se ver até agora, tanto o bonequinho d’O Globo, como o Hollywood Reporter e o Omelete, fizeram avaliações negativas que convergiam no mesmo ponto: o filme não encanta porque é mais do mesmo.
Resultado: cinema de mercado, pobre e preguiçoso. Como entretenimento rápido é válido, mas não supera uma partida de Air Hockey no parquinho do shopping. Como drama, não faz pensar. Seria melhor ter ido ver o filme do Pelé.
Distopias são legais porque jogam o público em um mundo impossível. Sugerem estudo psicológico, psicanalítico, social, e até biológico. Não merece gênero tão fértil ser condenado a servir a um mercado cafona em que o importante são os gritos e o sangue esguichando. Para quem deseja trocar R$15 por duas horas de escurinho, o filme funciona bem — é uma boa desculpa pra comer pipoca. Já quem acredita que o cinema deve ter, afinal, alguma relevância no pós-filme, logo percebe que escolheu no cardápio mais uma peça do velho fast-food. E veio sem molho.
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