Terapia em degradê

Clube do livro de colorir ataca o estresse da vida adulta

Victor Calcagno
Revista Poleiro
Published in
4 min readJul 22, 2015

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Por Victor Calcagno

Nos fundos de uma grande livraria, um grupo de quinze pessoas ao redor de uma mesa parece completamente absorto no que faz. Com as cabeças apontadas para baixo, seguram lápis coloridos e preenchem flores e animais com as cores que preferem. “O meu esquilo ficou esquisito”, reclama uma senhora enquanto mostra seu livro de colorir para adultos, categoria mais vendida nas livrarias do Brasil nos últimos meses. “Tem que ser esse lápis bom aqui”, responde a amiga do outro lado da mesa, oferecendo-o. Em uma noite de sábado na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, um encontro dos amantes da nova moda do mercado editorial que promete combater o estresse em seus praticantes reunia pessoas que trocavam técnicas de colorir, e um sentimento geral de “estar em atividade”.

Com exceção de dois homens que acompanhavam as parceiras e duas moças, a mesa era tomada por senhoras, a maioria aposentadas. Os livros de colorir para adultos, lançados internacionalmente em setembro de 2014, só chegaram ao Brasil no natal do mesmo ano, já desbancaram o tricô e o carteado. “Todo dia eu tento colorir ao menos um”, conta Dione, exibindo sua edição completamente colorida de Jardim Secreto (750 mil cópias vendidas em seis meses), da editora Sextante, primeiro lugar no ranking de vendas das grandes livrarias do país. Ela se orgulha de não repetir as cores. Diz ser outra pessoa depois que começou a “terapia”, e que agora não consegue mais assistir à novela sem trazer um dos livros no colo, fazendo mais uma de suas artes.

Dione aponta a irmã ao lado, como se quisesse comprovar sua tese, e escondendo a boca com a mão, diz baixinho: “Ela tem Alzheimer, tá com o alemão na cabeça.” A irmã parecia em outro mundo, absorta em preencher um padrão em zigue-zague, sem tirar os olhos do livro. Balançando a cabeça em desaprovação, Dione lamentava o fato da outra usar apenas uma cor. “Ela só usa azul! E ainda gosta desses desenhos aí psicodélicos, que eu odeio. Mas ela está melhor da cabeça depois que começou a pintar”, diz a senhora, que é bastante ativa na comunidade dos coloristas (pra desenhar, ela considera necessário ser “artista”) e veterana de reuniões semelhantes.

Do outro lado da mesa, um casal se beija enquanto preenchem, juntos, um coração feito de folhas. “É a nossa primeira vez colorindo isso, e resolvemos fazer juntos”, diz o homem enquanto oferece à mulher, como um presente, o lápis vermelho que acabara de afiar com muito cuidado. Para ele, aqueles livros não eram simplesmente moda, como vários diriam, e sim uma tendência que veio para ficar. Sem se desgrudarem um instante sequer, os dois acreditam que continuarão colorindo nos próximos meses, já que a experiência agora se mostrava ainda mais relaxante do que achavam no começo.

A senhora da ponta, no entanto, estava descontente. Dizia ficar ansiosa enquanto não concluía o desenho, como se fosse enganada pela proposta do produto. As colegas não podiam acreditar em tamanha heresia. Tentavam ensiná-la a técnica do degradê, que talvez a deixasse mais tranquila. Seu lápis branco, porém, não era o equipamento correto, fato que a fez murchar. Em determinado momento, a conversa se torna mais agitada. Falam sobre a má fama que fãs dos livros de colorir para adultos têm. “Até parece que eu não tenho nada pra fazer!”, exclamou Dione enquanto as companheiras acenavam em aprovação. Assunto encerrado, novo clamor toma conta do silêncio. Uma das coloristas dizia ter ouvido falar que uma versão de Romero Britto estaria para ser lançada em breve, mas que, por motivos obscuros, havia sido interrompida. “Acho que tem alguma coisa estranha nisso aí”, diz, como quem tem os sonhos despedaçados.

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