O que esperar de uma mulher favelada?

Maria Carolina de Jesus, mulher preta, diaspórica, periférica, mãe solo de três filhos, com uma escrita reflexiva e profunda sobre as desigualdades sociais e políticas.

Tendo prazer em ler e escrever viu na escrita a oportunidade de externar suas angústias, sua fome, suas dores, sua poesia, sua arte, mas também sua indignação com o sistema.

Falar de Maria Carolina de Jesus é falar de resiliência, de força, de intrepidez, é falar de uma mulher que estava a frente de seu tempo e que apontava o cenário do povo afro brasileiro de uma forma ainda não mensurada, pois havia intenção institucional de apagamento do povo diaspórico. No entanto, Maria Carolina de Jesus em sua impecável produção literária vai atrair atenção para a situação caótica da população que estava as margens da grande São Paulo.

Maria Carolina de Jesus, nascida em 14 de março de 1914, Sacramento — Minas Gerais, onde passou na sua infância, aprendeu a ler e escrever estudando apenas por dois anos, no entanto foi tempo o suficiente para que se apaixonasse pela leitura.

Após algumas migrações foi parar na favela do Canindé que beirava o rio Tietê.

Já adulta, teve três filhos, e para os sustentar catava papel e lixo reciclável, dizia não ter medo do trabalho e que preferia trabalhar no que aparecesse para sustentar sua família que depender de homem.

Ousada, uma mulher fora dos padrões da época, questionava o que era relacionamento de afeto na favela, e descrevia de forma legítima sua vivência enquanto mulher preta em uma sociedade racista e cruel.

Seu primeiro livro, lançado em 1960 pelo jornalista Audálio Dantas intitulado “O Quarto de Despejo”, que conta a vivência de Carolina de Jesus na favela, virou bestseller, vendido em mais de 40 países, traduzido em mais de 14 idiomas, fazendo com que a autora tivesse a oportunidade de realizar o sonho de ter casa própria construída de tijolos e cimento, já que seu barraco frágil de papelão e materiais recicláveis não proporcionavam conforto para ela e seus três filhos.

Maria Carolina de Jesus, com sua paixão pela literatura, foi para além de qualquer expectativa de um olhar externo à favela pois o conhecimento a empoderou, deu a ela o direito de sonhar e acreditar que merecia mais do que a vida naquele ambiente inóspito a oferecia.

Ela foi um escândalo para os favelados, um assombro para os que se denotavam sábios, detentores do conhecimento literário, quebrou recordes de livros vendidos, desbancou grandes escritores da época, foi e é até os dias de hoje uma escritora viva, cheia de saberes, sabores, inspiradora e instigante.

O que se esperar de uma mulher favelada?

Ela é a prova cabal de que existem milhões de verdadeiros tesouros nas favelas, de que no meio de um monturo de lixo ainda pode existir diamantes, e que nestes lugares mais improváveis infelizmente muitas ‘Carolinas” não terão oportunidade de desvelarem seus talentos devido ao preconceito, as dificuldades de lutar pelo que se acredita e o sofrimento da fome.

No seminário em homenagem a Maria Carolina Maria de Jesus, feito pelo NECS, foi posto a mostra uma foto de rosto da protagonista homenageada e as reflexões diversas da expressão facial de Maria Carolina de Jesus nos induzia a ver mais que um rosto sofrido com marcas do tempo, mas um rosto firme, resiliente, debochado e ao mesmo tempo esperançoso e implacável.

Sua escrita ainda é impactante e atual pois a fome e a desigualdade lamentavelmente são algo comum nos dias atuais. Maria Carolina de Jesus não é só “O quarto de Despejo”, ela é também, arte, leveza, cultura, e devido a isto indiscutivelmente seus livros a colocam no nivelamento entre as maiores escritoras do século XX lidas até os dias atuais.

Sobre a autora Adriana Soares:

Meu nome é Adriana Ilario Soares, tenho 41 anos, sou mulher preta e vivi 29 anos na favela da mangueirinha em Duque de Caxias — RJ.

Estou cursando o 3º período de Filosofia na UFF, além de paralelamente trabalhar com música, minha válvula de escape.

Venho de família humilde, de muitas privações, sendo descendente direta de escravos e índios e sei o quanto foi difícil chegar até aqui.

A primeira dos 13 filhos da Dona Luzia e seu Durval a cursar faculdade pública, motivo no qual resisto, mesmo sabendo que a faculdade pública é continuação dessa sociedade segregadora, onde é difícil entrar e muito mais difícil permanecer e se formar.

Sigo em resiliência para que aqueles que venham após tenham expectativa de ampliar seus horizontes, encontrem esperança, representatividade e acreditem que podem ir além sendo o que quiserem.

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ORGANIZADORES DO NECS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. POR MEIO DESTA REVISTA OFERECEMOS ESPAÇO PARA DIVERSOS PENSAMENTOS E CONTRIBUIÇÕES ACERCA DAS SOCIEDADE, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE.

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