NÃO DÁ MAIS PARA NEGAR QUE O BRASIL É UM PAÍS FUNDAMENTALMENTE RACISTA — JUSTIÇA POR JOÃO ALBERTO SILVEIRA FREITAS.

Na madrugada do dia 20 de novembro, data oficial da consciência negra em homenagem a Zumbi dos Palmares, João Alberto foi assassinado no supermercado Carrefour de Porto Alegre, aproximadamente um ano após o assassinato de Pedro Henrique na mesma empresa de supermercado. Os dois crimes foram cometidos à luz de câmeras de segurança e ao ar livre, evidenciando a falta de preocupação com a punição por parte dos assassinos, a crueldade e o ódio contra pessoas negras que é jorrado todos os dias pelo governo brasileiro e a camada elitista da sociedade. Enquanto o racismo é amenizado e até negado em discursos pelo vice presidente da república e pela justiça brasileira — enquadrando como intolerância ou injúria racial — assistimos a estrangulamentos e espancamentos até a morte atingindo especificamente pessoas pretas.

Sobre a noção de que os movimentos sociais brasileiros não se rebelam como os movimentos sociais negros norte americanos

O desconhecimento e o apagamento sistêmico do lugar de reinvindicação que os movimentos negros ocupam na história no Brasil têm se mostrado latente desde o assassinato do George Floyd com as levianas comparações das mobilizações brasileiras aos protestos norte americanos. Questiona-se que deveríamos ser como os estadunidenses, sendo mais agressivos, pois isso seria o necessário para uma resposta mais incisiva frente ao racismo que culmina nos assassinatos. Eis o equívoco: o Brasil não é, e não pode ser pensado como os Estados Unidos. Se alinhar a esse discurso seria reforçar a narrativa racial autoritária dos setores de direita como a fala do presidente Jair Bolsonaro, seu vice presente Hamilton Mourão e o presidente da Fundação Palmares Sergio Camargo, por exemplo, que afirmam que no Brasil não existe racismo como existe nos Estados Unidos, ao comentarem o assassinato do João Alberto.

Inegavelmente o assassinato de George Floyd tem sua contribuição nas manifestações ao redor do mundo. Entretanto ele não é o único fator. O que devemos nos questionar não é a realização desses atos, mas sim a expansão deles a partir do caso George Floyd. Queremos com isso salientar que esses atos e manifestações sempre aconteceram, quando não só protagonizados pelos familiares das vítimas atirando pedras em viaturas, ateando fogo em ônibus, entre outras formas de expressarem sua indignação, mas também construídos por movimentos sociais, sobretudo, movimentos negros de favelas e periferias. Ou seja, o caso George Floyd não impulsiona as manifestações em si, mas sim uma maior adesão delas. Dito isso, o que devemos questionar é: aonde estavam todas essas pessoas durante todo esse tempo? O caso George Floyd ganha força no Brasil porque encontra um território que assassina constantemente homens e mulheres negras a todo o momento, seja pela segurança pública ou privada. Mas também encontra uma antiga organização, construída pelos movimentos negros por meio de estratégias de sobrevivência das suas reivindicações, frente a governos repressivos. Se soma a isso, também, os setores brancos de classe média que historicamente retardam a luta por meio da sua indiferença frente aos assassinatos de homens e mulher negres neste país.

O oportunismo das mídias tradicionais mascarada de antirracismo

A falta de proximidade com a pauta racial se dá também nos equívocos das mídias tradicionais ao fazerem suas chamadas onde nem sequer citam o nome da vítima. Tudo o que se diz é: “Homem negro que foi morto…” “Homem negro que foi assassinado…” “Esposa de homem negro…”. Omitir o nome do João Alberto Silveira Freitas é reafirmar o lugar subjetivo que nos é apresentado sobre onde estamos e devemos estar enquanto negros. E esse lugar é o da subalternidade, cerceada pela morte. Assim, faz se entender que o assassinato do João Alberto Silveira Freitas é apenas uma consequência a qual o seu ser está condenada e, quando isso nos é apresentado, reverbera na sensação de lugar fixo e permanente que nos afeta, cansa e desmobiliza. Nos leva a crer que dali nunca sairemos, pois aquele é o nosso lugar. O desespero das mídias em serem antirracistas faz com que pessoas negras passem por insensibilidades como a exposição da violência racial na grande mídia, e o fardo da escravidão sempre ser lembrada como o legado da nossa negritude, impulsionando um sensacionalismo que não nos fortalece, mas sim nos abate. Os canais de comunicação tradicionais atendem ao sistema vigente formando opiniões do senso comum nos moldes da ideologia capitalista, ao mesmo tempo em que se aproveitam de demandas sociais para alcançar e capturar um público diversificado, fortalecendo governos classistas. Assim como fizeram em guerras e ditaduras mundiais, ainda é feito de forma sutil e indireta, mas ainda covarde, na suposta atual democracia.

A luta do povo negro é centenária, contínua e permanecerá viva

Em contrapartida, a luta protagonizada por movimentos negros, de forma centenária e não apenas a partir de 2013 como muitos pensam, vem pontualmente fazendo justiça aos assassinatos de homens e mulheres negras, dentro ou fora dos olhares das grandes mídias e dos setores de classe média. Então, antes de questionar as mobilizações brasileiras lembre-se que, caso não esteja organizado, estará se auto questionando: “o que fiz para frear tais assassinatos?”. Substancialmente terá que admitir que o problema nunca foi a forma que os movimentos negros vem conduzindo seus protestos, mas sim a sua própria imobilização frente a causa. E caso ainda sim tenha questionamentos, estará assumindo aquilo que o Brasil vem tentando negar a todo custo e que vidraças, propriedades privadas, empresários, elites e classe média, em sua maioria brancos, são fundamentalmente mais importantes que João Alberto, Pedro Henrique, Claudia Ferreira, João Pedro, Miguel Otávio, Agatha Felix, Kauã Vitor, Ítalo, Rayane Lopez, Evaldo Rosa, João Victor, Amarildo Dias entre outros assassinatos por esse estado racista.

Texto escrito por:

Camila Oliveira tem 23 anos reside em Tanguá e é graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Compõe a coordenação ampliada do Núcleo Negres de Ciências Sociais. Seus interesses em temas de pesquisa são: pensamento político brasileiro, movimentos negros e metodologia das ciências sociais.

Elizabeth Arruda tem 21 anos reside em Itaboraí e é Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Compõe a coordenadaçao ampliada do Núcleo Negres de Ciências Sociais, o Coletivo Agbara e o Fórum Permanente de Mulheres Negras de Itaboraí. Seus interesses em temas de pesquisa são: movimentos sociais, raça e diáspora africana.

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ORGANIZADORES DO NECS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. POR MEIO DESTA REVISTA OFERECEMOS ESPAÇO PARA DIVERSOS PENSAMENTOS E CONTRIBUIÇÕES ACERCA DAS SOCIEDADE, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE.

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