A mistura de Centrão com Exército

Felipe Wiira
Revista Provisória
7 min readJul 30, 2021

O Diário Oficial da União (DOU), na última quarta-feira (28), divulgou oficialmente a nomeação do senador Ciro Nogueira (PP-PI) para o cargo de Ministro da Casa Civil. Esse movimento fez parte de uma nova “reforma” ministerial no governo de Jair Bolsonaro (sem partido), sendo a 27ª mudança de ministros em seu mandato. A mãe de Ciro Nogueira, Eliane Nogueira (PP-PI) assumirá a vaga no Senado.

Foto: REUTERS/Adriano Machado

O cargo na Casa Civil era antigamente ocupado pelo general do Exército Brasileiro, Luiz Eduardo Ramos, que nesses dois anos e meio de governo Bolsonaro, vai para seu terceiro cargo diferente.

Exclusivamente sobre a movimentação de Ciro Nogueira, é uma clara evidência de uma aproximação do presidente ao chamado “Centrão”, um bloco composto por vários partidos, com destaque para PP, PL, PTB e Republicanos, e o senador do Piauí é um dos líderes dessa seção no Congresso.

Além de presidente da antiga sigla de Bolsonaro, o PP, Ciro Nogueira também é mais uma força do centro no poder. Ele segue o caminho de Arthur Lira, deputado federal do PP-AL, que foi eleito presidente da Câmara dos Deputados com o apoio declarado de Jair Bolsonaro.

Foto: Câmara dos Deputados

Essa quase necessidade de se aliar e conceder cada vez mais para o Centrão vem também num momento crítico do governo Bolsonaro, de um lado com o Senado sendo ativo na Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia e fazendo diversas descobertas, e do outro o movimento para a tentativa de reeleição em 2022.

O último desses fatores, a eleição presidencial, coloca novamente o ex-presidente Lula (PT) no páreo, e causa, por exemplo, avanços na tentativa de emplacar o voto impresso e novos ataques à credibilidade das eleições passadas.

Qual o superpoder do Centrão?

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Quantidade. Historicamente, o Centrão se alia àqueles que estão no poder, e tem a quantidade de votos suficientes para serem, na maioria das vezes, pivotantes para qualquer movimentação no governo. E atualmente não é diferente. Durante suas propagandas eleitorais e mesmo no começo de seu período como presidente, Jair Bolsonaro sempre criticou o Centrão e a tal da “velha política”, baseada em troca de favores ou o famoso “toma lá, dá ca”.

No entanto, uma crise no PSL, o antigo partido de Bolsonaro, no final de 2019 ainda reverbera nas suas decisões. Na época, muitos dos integrantes da sigla figuravam nas posições de poder. Agora, o cenário é diferente, com movimentos políticos em troca de poder.

Com inúmeros pedidos de impeachment sondando o presidente do Brasil, inclusive com um ‘superpedido’ de impeachment com diversos signatários de variadas ideologias, o apoio do Centrão se torna essencial. Isso porque o líder desse ‘partido’ é o responsável por dar continuidade ou não para essas requisições.

De acordo com a Agência Pública, são 132 pedidos de impeachment enviados ao Presidente da Câmara dos Deputados, sendo que seis deles já foram arquivados e 47 são tidos como “repetidos”. O mais antigo, que ainda não foi arquivado, é da advogada e artista plástica, Diva Maria dos Santos, em 13 de março de 2019, motivada por quebra de decoro e em análise por 869 dias. O mais recente, do advogado Daniel Francis Strand, motivada por improbidade administrativa e quebra de decoro na pandemia da COVID-19.

É relevante destacar que a nomeação de Ciro Nogueira para a Casa Civil não é solitária. Isso porque, em abril de 2021 a deputada federal Flávia Arruda (PL-DF) foi nomeada Secretária do Governo, outro Ministério responsável pela articulação e diálogo com ministros e Congresso. E ambas as indicações reúnem uma outra semelhança: a saída de Luiz Ramos.

Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Inicialmente, foi da Secretaria de Governo de Bolsonaro, inclusive desistindo da carreira ativa militar e indo para a reserva, até ser substituído por Flávia Arruda, na segunda indicação do Centrão para cargos (o primeiro sendo João Roma, do Republicanos, no Ministério da Cidadania). Depois, em março de 2021, foi para a Casa Civil, onde agora é substituído, após apenas quatro meses, por Ciro Nogueira.

Em entrevista ao Estadão, disse que não tinha nem conhecimento de que sairia de sua vaga no ministério para dar lugar à um movimento político do presidente. Seu próximo cargo será na Secretaria-Geral da Presidência, antigamente ocupado por Onyx Lorenzoni, outro nome que virou notícia recentemente, principalmente pelos avanços da CPI. E nisso também entra outro fator do governo Bolsonaro: a grande presença de militares.

A presença dos militares e a corrupção na vacina

Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

Após a saída do general Luiz Ramos da Casa Civil, o presidente da República declarou que Ramos era “nota 9”, faltando uma maior facilidade de diálogo com parlamentares. Apesar disso, segundo o blog do jornalista Valdo Cruz no G1, essa declaração foi, de certa forma, vista como “ingratidão” por parte do presidente, já que o ministro teria sido responsável por essa aproximação com o Centrão.

Essa movimentação ministerial, com novas indicações, também tange a saída de Onyx Lorenzoni da Secretaria-Geral da Presidência para o novo e recriado Ministério do Trabalho e Previdência, com nomeação simultânea a de Nogueira.

E Lorenzoni se conecta ao tema de militares a partir do caso Covaxin. Antes da entrada de recesso da Comissão, os senadores debatiam sua convocação para depor, por julgarem que o ministro teria ameaçado testemunhas. Isso pois, após as denúncias do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) sobre a tentativa de compra da vacina Covaxin, que já explicamos aqui:

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No caso, o Ministério da Saúde era comandado pelo general Eduardo Pazuello, e envolveu o coronel Elcio Franco, ex-número 2 na hierarquia do ministério, o tenente-coronel Alex Marinho, coordenador-geral de Aquisições de Insumos Estratégicos, e o coronel Marcelo Pires, ex-diretor de Programa do Ministério da Saúde.

Os três mais citados não foram os únicos que integraram a pasta da Saúde. Após a entrada de Pazuello no ministério, outros 17 militares da ativa e da reserva assumiram postos de direção, substituindo em algumas vezes técnicos da área, e isso integralmente durante a pandemia da COVID-19.

Mas a presença dos militares em polêmicas na Saúde não se limitou ao caso da tentativa de compra da vacina indiana Covaxin. Isso porque, de acordo com declaração inicialmente feita por Luiz Paulo Dominghetti, em entrevista à Folha de S. Paulo, alguns integrantes da pasta teriam pedido propina nas negociações de doses da vacina AstraZeneca.

Foto: ANDERSON RIEDEL/PR

Cristiano Carvalho, representante da empresa Davati, que tentou negociar com o Ministério da Saúde mesmo sem aval da AstraZeneca, também foi à CPI para relatar desse suposto pedido de propina, e citou, entre tantas outras coisas, uma reunião com vários nomes de militares envolvidos. Foram eles: o coronel Élcio Franco, o policial militar, Luiz Paulo Dominguetti, o reverendo Amilton, e outros coronéis da reserva: Helcio Bruno, do Instituto Força Brasil, Cleverson Boechat, e Marcelo Pires.

Outro nome, este que chegou a ser convocado para a Comissão, é o ex-sargento da Aeronáutica, Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de logística do Ministério da Saúde que de acordo com Dominghetti teria pedido propina. Roberto Dias chegou a ser preso no Senado, por pedido do presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM), mas pagou fiança.

Esses são apenas alguns dos milhares de militares que assumiram cargos ou participam do governo. De acordo com levantamento do Tribunal de Contas da União de 2020, foram identificados 6.157 militares, da ativa e da reserva, ocupando cargos civis no governo Bolsonaro. Em comparação, o governo de Michel Temer tinha 2.756 militares. Segundo o Ministério da Defesa, em resposta na época, os dados eram outros, com 3.029 militares em cargos, e sua maioria no Ministério da Defesa e no Gabinete de Segurança Institucional, desconsiderando militares da reserva.

De qualquer maneira, o que anteriormente era um governo cercado de militares, ativos e da reserva, em seus mais variados cargos, agora se torna um conglomerado de forças políticas, potencialmente uma evidência de enfraquecimento. A mudança de poder, principalmente para o Centrão, que segura as rédeas dos pedidos de impeachment, sinaliza pra uma tentativa de sobrevivência até as eleições presidenciais de 2022.

Até lá, a CPI da Pandemia, instalada pelo Senado em 27 de abril de 2021 e já prorrogada para novembro do mesmo ano, continuará suas investigações na administração da pandemia, um dos vários pontos frágeis do governo Bolsonaro. Com isso, essa aproximação do presidente com o Centrão, do qual tanto diz fazer parte, apesar das críticas passadas, deve ficar cada vez mais evidente.

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Felipe Wiira
Revista Provisória

Futuro jornalista, aficionado por esportes e suas histórias.