Caso Daniel Silveira: entenda como a questão da imunidade parlamentar afeta o deputado

Victória Roberta
Revista Provisória
6 min readFeb 19, 2021

Deputado foi preso em flagrante após a divulgação de vídeo com acusações aos Ministros do STF e incitação ao AI-5

Pablo Valadares/ Câmara dos Deputados

Na noite da última terça-feira (16/02), o deputado federal Daniel Silveira (PSL-SP) foi preso em flagrante pela Polícia Federal após a circulação do vídeo em que defende o AI-5, o Ato Institucional nº 5, o mais duro da ditadura militar, e a destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal. No vídeo, o deputado ataca seis ministros do STF, entre eles Alexandre de Moraes, responsável pela emissão de ordem de prisão, baseado nas falas de Silveira contrárias à Constituição Federal. Silveira foi detido na cidade de Petrópolis, Rio de Janeiro.

A prisão foi realizada após Moraes definir que mandado deveria ser realizado urgentemente por se tratar de “prisão em flagrante delito”. Além da prisão, o ministro determinou que o YouTube retirasse o vídeo de Silveira do ar, sob multa diária de R$100 mil, apenas que a polícia obtivesse cópia do produto. A consumação da prisão deverá passar pela Câmara dos Deputados. A prisão repercutiu e trouxe à tona discussão a respeito dos limites constitucionais e imunidade para os parlamentares.

Na quarta-feira (17/02), seis partidos apresentaram ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados o pedido de cassação do mandato de Silveira por quebra do decoro parlamentar. Os partidos que assinaram o documento são PT, PSB, PDT, PCdoB, PSOL e Rede. A Câmara decidiu reativar o Conselho de Ética, que estava suspenso desde o começo da pandemia.

A assessoria jurídica de Daniel afirma que o mesmo não cometeu crimes, ressaltando o teor político da prisão — Reprodução/TV Globo

Em sua decisão, Moraes citou o inciso XLIV do artigo 5º da Constituição, que afirma: “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. Moraes afirma que além de ir contra a Constituição, também ferem a Lei de Segurança Nacional, que prevê serem crimes condutas que lesam o regime representativo e democrático.

Ainda na quarta-feira, a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou ao Supremo o deputado Daniel Silveira. A denúncia foi concretizada pelo inquérito dos atos antidemocráticos, aberto em abril de 2020. A PGR acusa o deputado de praticar agressões verbais e ameaças aos ministros do STF, incitar a violência com o objetivo de impedir o exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário, além de incitar conflito entre as Forças Armadas e o STF.

A denúncia é uma acusação formal à Justiça, quando recebida, o réu se torna o investigado e assim inicia a ação penal. No caso, por se tratar de um parlamentar, há o foro privilegiado, cabendo ao Supremo a análise do caso.

“Neste último vídeo, não só há uma escalada em relação ao número de insultos, ameaças e impropérios dirigidos aos ministros do Supremo, mas também uma incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o Tribunal, quando o denunciado, fazendo alusão às nefastas consequências que advieram do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, entre as quais cita expressamente a cassação de ministros do Supremo, instiga os membros da Corte a prenderem o general Eduardo Villas Bôas, de modo a provocar uma ruptura institucional”, diz trecho da acusação á Silveira.

A denúncia é assinada pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, no qual apresenta no documento a narrativa desde o momento em que Silveira tornou-se alvo da investigação, o mesmo passou a atacar os ministros do STF numa expectativa de intimidação. Além do vídeo divulgado na última terça-feira, outros dois conteúdos do deputado estão sob análise.

Para Medeiros, as declarações de Daniel Silveira não estão sob a imunidade parlamentar.

“As expressões ultrapassam o mero excesso verbal, na medida em que atiçam seguidores e apoiadores do acusado em redes sociais, de cujo contingente humano já decorreram até ataques físicos por fogos de artifício à sede do Supremo Tribunal Federal”, afirmou Medeiros.

Ainda no documento, a Procuradoria Geral da República sugere medidas cautelares para serem aplicadas caso Daniel seja solto. Entre elas estão a proibição de aproximação de Silveira ao prédio do Supremo Tribunal Federal e a manutenção de prisão domiciliar com monitoramento, com o uso da tornozeleira eletrônica. A PGR também pede que um valor seja pago por Daniel como indenização aos danos causados à administração da Justiça.

Em anexo, a PGR propôs o envio do documento à Câmara. São necessários 257 votos, ou seja, maioria absoluta da Câmara, em votação nominal e aberta. O STF decidiu em votação unânime manter a prisão de Silveira, respaldando a decisão de Moraes. Mesmo com a decisão do STF, a prisão de um deputado federal precisa passar por votação na Câmara, e o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL) já está ciente.

Daniel Silveira também é investigado no inquérito que apura a incitação e organização de atos antidemocráticos e a disseminação de notícias falsas, o inquérito das fakes news. Em 2020, Silveira foi alvo de busca e apreensão e teve seu sigilo bancário quebrado. Daniel está em seu primeiro mandato como deputado federal e ficou conhecido por aparecer em um vídeo destruindo uma placa em homenagem a Marielle Franco, vereadora assassinada no Rio de Janeiro em março de 2018.

Os perfis de Instagram, Facebook e Twitter de Silveira foram suspensos após a divulgação do vídeo - Reprodução/TV Globo

Personalidades políticas emitiram sua opinião sobre o caso. Em entrevista ao UOL, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que o dever de julgar a prisão do deputado federal é de responsabilidade da Câmara, e não do STF.

“Acho que não é o papel da Suprema Corte mandar prender pessoas, sobretudo um deputado, porque tem foro especializado”, disse Lula durante a entrevista.

Já o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, declarou sua opinião à CNN, afirmando que enxerga excessos de ambos os lados.

“Não se chega ao equilíbrio somando-se os excessos. O deputado seguramente excedeu-se no exercício da imunidade parlamentar. Contudo, isso não autoriza que outros agentes se excedam também, porque assim o sistema de freios e contrapesos fica contaminado”, afirmou Mourão.

Ainda nesta quinta-feira (18), o presidente Jair Bolsonaro recebeu no Palácio da Alvorada o presidente da Câmara, Arthur Lira. Segundo apuração do G1, Lira foi até a residência para discutir sobre a prisão do deputado Daniel Silveira. A votação pode gerar conflitos entre os poderes e impactar o cronograma de votações de temas econômicos, como o retorno do auxílio emergencial.

Preso na Unidade Prisional da Polícia Militar do Rio de Janeiro, em Niterói (RJ), o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) apareceu, na noite desta quinta-feira (18), caminhando no pátio da cadeia sem ser incomodado. E ainda recebeu o apoio de alguns manifestantes.

Como funciona a imunidade parlamentar?

O assunto veio à tona ao decorrer dessa semana. Já conhecido de muitos, a imunidade parlamentar é conhecida pelas práticas de impunidade de congressistas réus, que muitas vezes presos, continuam exercendo sua função, como o caso do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e do ex-senador Delcídio do Amaral. Grande parte de nossos congressistas usufruem do direito para continuarem a realizar barbaridades já que a imunidade os protege da Justiça. Quando criada, a imunidade parlamentar foi justificada em meio ao fim do regime militar para proteção de possíveis perseguições políticas. No capítulo do artigo 53 da Constituição Federal define:

“Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

Este artifício é utilizado para a proteção da liberdade de expressão dos parlamentares, estendido a deputados estaduais e federais, senadores e vereadores. Desta forma, torna-se livre a manifestação de opinião diante do exercício de sua função. O que tem sido debatido no caso de Daniel é até qual ponto a liberdade de expressão pode ir e até qual ponto a imunidade parlamentar pode respaldá-lo. Daniel Silveira foi preso em flagrante por um crime definido como inafiançável. Caso não pertencesse a este grupo, gozaria de proteção a prisão criminal e civil. Outra diretriz estabelecida é que a Constituição garante aos deputados e senadores a necessidade de serem julgados penalmente pelo STF, em vez da justiça comum.

O Ministro Alexandre de Moraes permitiu que o deputado Daniel Silveira participasse por vídeo da sessão da Câmara que julgaria o seu futuro. Até o final desta reportagem (19/02) o caso não teve sua conclusão.

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Victória Roberta
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Jornalista em formação. Paulistana e estudante da UNESP. Pseudo artista. Adoro conjugar verbos nos mais diversos tempos.