Entre as linhas do digital: os E-books assumem o protagonismo

Maria Tereza Ribeiro
Revista Provisória
6 min readJul 14, 2021

Antes não era preciso andar muito para encontrar uma livraria ou um sebo aberto pela cidade. Na icônica Avenida Paulista, um dos corações da metrópole de São Paulo, a Fnac e a Livraria Cultura representavam o sonho de qualquer amante de livros. Com prateleiras repletas de obras a se perder de vista, era difícil sair de um desses lugares sem encontrar um título que agradasse o visitante. De autores clássicos como Machado de Assis à sensações do momento como a americana Anna Todd, em uma hora era possível explorar diversos universos literários. Porém, assim como tudo no mundo, esse mercado não escapou dos efeitos do avanço da tecnologia, que apresentou uma nova opção aos leitores: os e-books. Mais baratos e fáceis de encontrar, os livros digitais aos poucos vem se tornando a preferência do público, este cada vez mais imerso no online.

Livraria Cultura, na Avenida Paulista, que por muitos anos foi um dos principais pontos de referência da metrópole, hoje sofre para manter suas portas abertas. — Imagem: Divulgação

Ao contrário do que se pensa, o conceito por trás dos e-books não é recente como a onda que invade o universo editorial. Os primeiros registros de livros e documentos disponibilizados em formatos, por assim dizer, não convencionais datam dos anos de 1970, quando o americano Michael Hart começou a realizar alguns testes com apoio de computadores. A ideia do pesquisador era distribuir de maneira gratuita e ampla o maior número de obras que fossem de domínio público e assim criar uma espécie de biblioteca virtual, porém o difícil e demorado processo de converter os conteúdos fez o projeto caminhar a passos lentos durante um bom tempo. Foi apenas na década de 90, com a tecnologia em ascensão, que o nomeado “Projeto Gutenberg” conseguiu conquistar novos horizontes com o surgimento dos digitalizadores de imagem.

O projeto idealizado e desenvolvido por Hart foi uma verdadeira revolução dentro do cenário do acesso à literatura. Uma mesma obra poderia ser lida por milhares de pessoas sem que houvesse a necessidade de se produzir milhares de exemplares físicos, cujo valor era consideravelmente mais alto em função dos custos de fabricação. Observando o enorme leque de possibilidades que havia sido aberto, alguns autores começaram a explorar o mundo dos livros digitais, entre eles o renomado Stephen King com o romance Riding The Bullet, disponibilizado apenas para computadores. Assim, além de conteúdos convertidos, agora também era possível encontrar produções exclusivas ao formato, o que foi uma ação essencial para começar a atrair o público ainda muito apegado ao papel e à tradição do impresso.

Micheal Hart, considerado o criador do e-book. — Imagem: Reprodução

Superado o desafio de construção de um acervo de livros digitais, um outro problema passou a incomodar: a portabilidade. Na década de 90, o mundo da tecnologia ainda era pouco explorado e o cenário visto nos dias atuais era apenas uma visão muito distante de como o futuro poderia ser. Então, os e-books, que hoje são facilmente encontrados e compartilhados em questão de segundos com milhões de usuários, na época eram disponibilizados em disquetes, cartões de memórias e pendrives. Para ler esses materiais era preciso ter acesso a um computador, que também era extremamente restrito e nada portátil. Assim, não demorou muito para perceberem que sem uma vantagem de fato relevante sobre as obras físicas, o mercado literário digital não seria atrativo aos olhos do consumidor e nem longevo aos olhos do investidor.

Diante dessa perspectiva nada promissora, a demanda por um aparelho que pudesse funcionar como uma plataforma móvel para os livros digitais passou a ser vista como urgente, gerando uma corrida entre diversas empresas pela patente do produto. Quem chegou em primeiro lugar foi a NuvoMedia, que em 1998 apresentou o Rocketbook, um dispositivo capaz de armazenar dezenas de títulos com qualidade melhor do que a observada nos computadores da época. A princípio a novidade foi um sucesso e as vendas confirmaram a tendência em torno do universo literário, que passou a ofertar ao mercado suas obras no formato do e-book. Entre as companhias que decidiram apostar na comercialização dos livros digitais em seus portais na internet está a Amazon. A empresa fundada por Jeff Bezos tinha poucos anos de vida quando surgiu a oportunidade de ser uma das pioneiras no negócio, que viria a ser um dos principais ramos da gigante norte-americana.

As primeiras versões do Kindle foram desenvolvidas com teclado para facilitar a pesquisa de títulos. Com o tempo essa característica foi abandonada e hoje leitor simula o design de um tablet. — Imagem: Divulgação

Há quem diga que a Amazon é a grande responsável pelo protagonismo que os livros digitais vem assumindo nos últimos anos. A empresa, além de participar da distribuição inicial do produto, também está por trás da criação do Kindle, o dispositivo desenvolvido com base no conceito do Rocketbook, porém aprimorado e melhor construído para sua função. O aparelho, que atualmente é o principal e-reader disponível no mercado, sofreu no começo até garantir um bom número de vendas, pois o passado nem tão distante dos seus antecessores havia gerado uma certa resistência entre os consumidores. A imagem de um objeto pesado (aproximadamente meio quilo) e nada prático no hora de baixar os conteúdos desejados fizeram com que o momento antes tão positivo se transformasse no completo oposto.

O cenário desafiador, no entanto, não mudou os objetivos de Bezos em buscar ser a referência no mercado literário. O investimento feito na criação do Kindle é considerado uma verdadeira revolução no setor, que hoje é um dos que mais cresce com a migração em massa do público para o online. A praticidade, a portabilidade e a simplicidade do aparelho desenvolvido pela Amazon são alguns dos principais atrativos para os consumidores, que além de não precisarem carregar o peso dos livros físicos, também gastam menos na compra de seus produtos. Por não ser necessário realizar todo o processo de produção, a exemplo da impressão e da distribuição, os e-books podem chegar às lojas custando até 80% menos quando comparados com suas versões em papel. Esses fatores, alinhados com o momento da sociedade, demonstram uma tendência nada favorável ao editorial.

O Kindle Oasis é o modelo mais caro vendido pela Amazon. Com uma tela de melhor resolução e design mais moderno, é indicado para grandes consumidores dos livros digitais. — Imagem: Reprodução

A pandemia da Covid-19, que colocou as pessoas em isolamento social e forçou o fechamento de milhares de estabelecimentos para conter o avanço da doença, acelerou o processo de ascensão dos e-books. As restrições, assim como na grande maioria dos mercados, levou o consumidor a utilizar ainda mais o universo dos e-commerces e, consequentemente, a dar uma chance para os livros digitais e para os audiolivros. Apenas em 2020 foi registrado um crescimento de cerca de 83% nas vendas quando comparadas com o ano anterior, de acordo com a pesquisa feita pela consultoria Nielsen. Especialistas nas áreas do marketing e da economia afirmam que foi graças ao comércio eletrônico que a queda do ramo literário, de modo geral, não foi maior, ficando na média dos 25 a 30%.

Livraria da Vila em São Paulo aposta na experiência do cliente e no ambiente para atrair seus clientes. — Imagem: Divulgação

Fato é que dentro do romance escrito pela sociedade, os livros digitais parecem estar assumindo o protagonismo que por décadas foi entregue ao impresso. As pessoas que antes resistiam a deixar a tradição do papel por costume ou gosto, hoje estão aos poucos explorando o vasto universo dos e-books. Com mais opções e por um valor bem menor, é difícil apontar uma mudança nessa história que já coloca as obras físicas como personagens secundários. Porém, isso não significa que o mercado editorial está com os dias contados, muito pelo contrário. Diante do crescimento do mercado digital, será preciso surgir com novas ideias que atraiam o consumidor para as livrarias e, consequentemente, para a versão impressa. Para os amantes da literatura, qualquer que seja o rumo dessa narrativa, o final parece ser bem promissor!

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Maria Tereza Ribeiro
Revista Provisória

Estudante de jornalismo apaixonada pelo mundo da comunicação e, pelo esportes e suas histórias!