Na corda bamba: Bolsonaro pode não terminar seu mandato

Maria Tereza Ribeiro
Revista Provisória
9 min readJan 29, 2021

Falta pouco menos de dois anos para o primeiro mandato de Jair Bolsonaro terminar, porém pode esse “fim” estar mais próximo do que imaginamos? Ou as dezenas de pedidos de impeachment feitos contra o presidente continuarão guardados na gaveta até o dia 1º de janeiro de 2023? Desde o início da pandemia do Novo Coronavírus, em março do ano passado, a pauta de uma possível interrupção da gestão atual tem circulado em todos os âmbitos da sociedade, seja na conversa entre amigos, seja nos corredores e cantos de cada um dos Três Poderes em Brasília. O fato é que a aprovação de Bolsonaro, nunca soberana entre os brasileiros, está em ritmo de queda, podendo seu mandato não durar o período de quatro anos previsto na Constituição Federal.

Em pesquisa recente realizada pelo Datafolha e divulgada no último dia 22 de janeiro, apenas 31% das pessoas entrevistadas consideram o Governo Bolsonaro ótimo ou bom, 26% regular e 40% ruim ou péssimo, além de 3% que não souberam responder. Estes dados, quando comparados aos resultados de um mês atrás, representam um cenário preocupante para o futuro do presidente à frente do país. Em pouco mais de 30 dias, a taxa de rejeição subiu 8%, enquanto a de aprovação caiu 6%, além de ser a maior queda desde o início de seu mandato em 2019, o estudo também mostrou que a curva novamente se inverteu e hoje existe um número menor de pessoas que apoiam a gestão de Bolsonaro.

Analistas políticos e outros especialistas apontam duas causas principais para a brusca mudança de tempo no Distrito Federal. A primeira está no fim do auxílio emergencial em 31 de dezembro de 2020, o valor pago mensalmente pelo Governo às famílias afetadas pelos reflexos da pandemia na economia não foi continuado neste ano, o que deixou mais de 65 milhões de beneficiários sem a quantia. A segunda está no aumento no número de casos de Covid-19, assim como no número de mortos. O Brasil, nos últimos meses, tem retrocedido para o período em que atingiu o “pico”, no meio do ano passado, com mais de mil vítimas fatais e dezenas de milhares de contaminados por dia.

Bolsonaro em entrevista coletiva em março de 2020, no início da pandemia — Imagem: Adriano Machado/Reuters

Muitas das lacunas deixadas pelo presidente no seu primeiro ano de governo foram colocadas à luz da população com a inesperada pandemia do Novo Coronavírus. Sua má gestão e infeliz negacionismo colocaram o país como um dos piores no que diz respeito ao combate à doença. Sem um plano de ação claro e definido, e com Ministros da Saúde sendo trocados a todo momento, Bolsonaro foi pouco a pouco perdendo apoio, tanto dentro como fora do Palácio do Planalto. Em abril de 2020, com a Covid-19 já presente no Brasil, 17% se diziam arrependidos de seu voto no atual presidente, como aponta a pesquisa realizada na época também pelo Datafolha. Para eles, a grande motivação para mudança de opinião foi justamente a postura tomada pelo mandatário diante da ameaça do vírus.

Frases e palavras como “Gripezinha”, “Resfriadinho”, “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre” (após o recorde no número de mortos pela doença) e “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha” (posterior o cancelamento de um acordo para a compra de doses da vacina CoronaVac produzidas pela parceria entre o Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac) ditas pelo presidente sobre a pandemia minaram sua imagem e foram suficientes para gerar panelaços e pedidos de “Fora Bolsonaro” nas janelas e ruas de todo o Brasil. Aqueles que já eram contrários ao presidente só foram presenteados com mais um motivo para brigarem por sua saída.

No outro lado da Praça dos Três Poderes, por sua vez, onde ficam seus apoiadores fiéis, a Covid-19 não é pauta, mas sim um argumento utilizado por pessoas que querem “destruir” a gestão de Bolsonaro. Vestidos de amarelo e verde, com a bandeira do Brasil em mãos, seus seguidores se tornaram transmissores de seu negacionismo em relação à doença, atacando médicos e enfermeiros que protestavam contra seu “Messias” e homenageavam as vítimas da pandemia. Críticas à imprensa também não foram poupadas e os jornais rapidamente assumiram o papel de vilão na história ainda em curso do presidente, que afirma ser difamado pelos veículos de comunicação.

Presidente ao atender a imprensa manda jornalistas “calarem à boca” — Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

A relação de Bolsonaro com a imprensa nunca foi boa, se houve um único período de “paz” entre as partes foi nos primeiros meses de seu mandato, quando o mar ainda estava calmo. Hoje a situação é bem diferente, para conseguir acesso à informações de dentro do Palácio do Planalto é preciso saber os caminhos certos para chegar até o presidente, que fez voto de silêncio para diversos veículos, entre eles Folha de São Paulo, Estadão, Globo e El País. Com os muros levantados aos olhos e ouvidos curiosos, as pautas dos jornalistas surgem de raros e curtos pronunciamentos feitos na porta da sede do Governo Federal. E para dificultar ainda mais a tarefa, os profissionais ainda têm de brigar pela atenção do mandatário com seus apoiadores, posicionados bem ao lado do pequeno espaço destinado aos jornais.

A disputa, no entanto, não fica restrita às grades de ferro que separam ambos os grupos. A desavença de Bolsonaro com os portais de notícia é tamanha que se tornou motivação de ataques aos jornalistas por parte de seus simpatizantes. Dida Sampaio, fotógrafo do Estadão, foi agredido com socos e pontapés por manifestantes ao tentar registrar cenas da passeata pró-governo. Renato Peters, repórter dos canais Globo, teve seu microfone arrancado das mãos durante uma entrada ao vivo por uma mulher que gritou a frase já consolidada: “Globo lixo”. A maior emissora do país assumiu o papel de principal inimiga do presidente nesses últimos dois anos e constantemente tem sido vítima de ofensas e boicotes.

Fotojornalista Dida Sampaio no momento em que é derrubado ao tentar registrar a manifestação pró-governo — Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Entre tantos problemas e complicações na vida de Jair Bolsonaro, não é o péssimo relacionamento com os veículos de comunicação, ou a pandemia da Covid-19 ou o aumento de avaliações ruins de seu governo que têm tirado o sono do Chefe do Executivo, mas sim as dezenas de pedidos de abertura do processo de impeachment feitos contra ele nos últimos meses. Já são mais de 60 apresentados à Câmara, 54 somente em 2020. A principal acusação? Crime de responsabilidade pela má conduta no que diz respeito ao combate ao Novo Coronavírus, que até o momento desta matéria, 29 de janeiro, matou quase 225 mil brasileiros e contaminou mais de 8,8 milhões.

Além da explosão na quantidade de solicitações feitas, o presidente pode adicionar mais um pouquinho de preocupação aos seus problemas. Em apenas dois anos que está à frente do país, Bolsonaro está perto de ultrapassar Dilma Rousseff no ranking de número de pedidos de impeachment recebidos, são 68 para a petista e 61 para o atual governante. O detalhe aqui fica para o tempo que cada um levou para somar os valores, para a ex-presidenta foram necessárias cerca de um mandato e meio ou seis anos, três vezes mais do que Bolsonaro. Para a oposição dados como esse são animadores já que não só mostra uma mudança rápida de postura dos brasileiros, como também dá força para o ínicio, de fato, do processo.

Líderes dos principais partidos de esquerda, como PSOL, PT e PSB, apontam que pelas projeções das pesquisas realizadas mensalmente pelo portal do Datafolha, é possível acreditar em uma queda ainda maior na popularidade de Bolsonaro, visto que a pandemia, ao menos no Brasil, está longe de ser controlada e o Governo Federal não está dispondo de grandes esforços para alcançar tal objetivo. Com o aumento na mobilização das pessoas pró-impeachment, protestos e carreatas foram organizadas por todo país no último sábado, 23. De dentro de seus carros e de máscaras, para reduzir a contaminação pela Covid-19, os manifestantes bateram panelas e aos gritos pediram pelo imediato afastamento do presidente. Em Brasília, o evento contou com forte participação de pessoas, que ocuparam faixas na frente da Esplanada dos Ministérios.

Presidente do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann em protesto contra o governo — Imagem: Reprodução/Pam Santos

Apesar de toda essa movimentação, dentro e fora do cerco político, em busca do impeachment, Bolsonaro realmente tem o que temer e corre o risco de ser afastado da presidência antes do fim de seu mandato em 2022? Com base nos acontecimentos recentes é possível sim afirmar que existe uma chance considerável de ao menos o processo ser aberto, já em relação à sua finalização ela é menor, porém já estudada tanto pela oposição quanto pelos aliados. Em um contexto jurídico são pouco mais de 20 situações geradas pelo mandatário que podem ser julgadas crimes de responsabilidade, entre elas o colapso do sistema de saúde do Amazonas, os entraves para compra e aplicação das doses da vacina contra a Covid-19, a má gestão frente à pandemia, as celebrações e alusões aos crimes contra os direitos humanos cometidos durante a Ditadura Militar e a publicação de conteúdo pornográfico (caso “Golden Shower”).

O aumento de mais de 1000% no número de pedidos de afastamento de 2019 para 2020 têm, claro, como principal motor os efeitos do inesperado surto do Novo Coronavírus, citados acima. Porém, da mesma forma que o Brasil foi atingido, os demais países também foram, então, qual o detalhe que tem colocado Bolsonaro no papel de responsável pela gravidade do cenário nacional? Alguns citam a omissão de dados importantes para traçar a evolução do vírus em território brasileiro, outros apontam o incentivo às aglomerações e a ignorância aos protocolos de prevenção da Organização Mundial da Saúde (OMS), e um grupo ainda põe na conta do presidente as mortes que poderiam ter sido evitadas no Norte caso a resposta do Governo tivesse sido rápida. Para o Instituto Lowy, localizado na Austrália, o Brasil teve a pior gestão do mundo na pandemia.

Imagem: Márcio James/Amazônia Real/Divulgação

Caso fosse mais simples e rápido não é loucura nenhuma afirmar que hoje mesmo Bolsonaro poderia estar afastado de suas funções. Porém, é válido lembrar que quem aceita ou declina um pedido de abertura do processo de impeachment é o presidente da Câmara dos Deputados, cargo hoje exercido por Rodrigo Maia, do DEM. Das 61 solicitações feitas, cinco já foram arquivadas e, portanto, 56 ainda estão em análise. Com a saída de Maia se aproximando, após três mandatos consecutivos, Bolsonaro e seus aliados se movimentam nos bastidores em busca da eleição de Arthur Lira, do Partido Progressistas, para a presidência. A expectativa criada pelo Chefe do Executivo é que todos os processos em aberto sejam engavetados com a chegada de Lira, algo que pode não acontecer caso o candidato Baleia Rossi, MDB, apoiado pelo atual líder da Câmara, assuma o poder no próximo dia 1° de fevereiro.

Rodrigo Maia está a poucos dias de deixar a presidência da Câmara dos Deputados — Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Os pequenos passos de um lado para outro de Bolsonaro no Palácio do Planalto comprovam que o atual governante do país está incomodado com sua situação. Na corda bamba do poder, se assim podemos colocar, o presidente enfrenta um período de verdadeira instabilidade, talvez o mais turbulento desde o início de seu mandato. Com risco de não cumprir os quatro anos para os quais foi eleito em 2018, é preciso traçar novas estratégias e o começo da vacinação pode ter sido sua jogada da vez, as pequenas suavizadas no discurso quando o assunto é a pandemia pode ser a próxima, nada está muito claro. A única certeza que temos é a de mais centenas de mortes pela Covid-19 hoje, amanhã, depois de amanhã, até ser encontrada uma solução para esse problema tão cruel.

--

--

Maria Tereza Ribeiro
Revista Provisória

Estudante de jornalismo apaixonada pelo mundo da comunicação e, pelo esportes e suas histórias!