O custo do não investimento no ensino superior
A diminuição de gastos com as universidades federais pode trazer uma grande dívida para a sociedade brasileira, e ela não envolve gasto de verbas.
No dia 12 de maio, um comunicado da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ, acendeu uma ponta de desilusão e tristeza para os alunos, professores, servidores e todos aqueles que dependem da instituição. O artigo, divulgado no jornal carioca “O Globo” informava à comunidade que, devido aos cortes orçamentários realizados pelo Governo Federal, a mesma não conseguiria continuar com as suas atividades, prevendo o seu fim para julho ainda deste ano.
O corte de verbas para o ensino superior público federal não é uma exclusividade da gestão atual. A própria UFRJ, por exemplo, vem acompanhando o seu orçamento diminuir desde 2012, reduzindo aproximadamente 490 milhões de reais em 9 anos. Como se já não fosse o bastante, o valor divulgado para este ano (299 milhões de reais) não foi liberado integralmente: a administração da universidade aguarda aprovação de 152,2 milhões pelo Congresso Nacional, mas enquanto isso, já utilizou 65,2 milhões e possui apenas 81,7 milhões disponíveis atualmente.
A reitoria também afirmou que houve um bloqueio de 41,1 milhões pela federação, portanto, mesmo que a quantia que aguarda aprovação seja liberada, o orçamento total seria de 258 milhões de reais, valor abaixo da verba disponível em 2008, há 13 anos, quando a instituição possuía 20 mil alunos a menos, apenas 34 mil matriculados.
A UFRJ foi apenas um exemplo de tantas outras faculdades que divulgaram que estão prestes a fechar por conta da falta de orçamento. Sem a liberação da quantia, até o fim do ano, os brasileiros perderão a Universidade Federal de Brasília, UnB, a Universidade Federal de Goiás, a UFG e a Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp. Essas e outras 65 instituições federais recebem hoje, o valor que 54 universidades recebiam em 2004, 4,5 bilhões de reais, com um acréscimo de 725 mil alunos entre esses 17 anos.
“Tais esforços incluem, além das imprescindíveis medidas administrativas, expor à sociedade o projeto de destruição do ensino público que está por trás dos cortes, que podem, sim, inviabilizar o funcionamento normal das universidades públicas” — Nota daUnB.
Infelizmente, a circunstância não é novidade. Em 2019, antes da pandemia, a União bloqueou 30% dos recursos destinados às UF’s, o motivo foi uma retaliação à “balbúrdia”, como disse o ex-ministro da educação, Abraham Weintraub. Segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o corte atual ultrapassa 18% se comparado com 2020, em valores monetários, chega a 1 bilhão de reais da verba discricionária, que é voltada para o pagamento de serviços básicos como luz, água, manutenção e limpeza, sem a inclusão de salários e aposentadorias, mas cerca de 177 milhões desse valor era destinados para a assistência estudantil. Além disso, bolsas de estudos pagas com verba federal também já foram diminuídas.
O projeto base era que houvesse queda de apenas 14,96% — ou 824,5 milhões de reais — mas, antes de ser sancionada, a Lei Orçamentária Anual, LOA, sofreu mudança de valores. “Em 25 de março, o Congresso Nacional finalmente aprovou o orçamento. Para maior surpresa da sociedade, com um novo corte de 176.389.214 milhões, -3,76%, totalizando uma redução no orçamento discricionário das universidades federais para 2021 de R$ 1.000.943.150”, explicou a Andifes.
O corte por si só já foi uma surpresa para toda a comunidade acadêmica, entretanto a expectativa era contrária. Esperava-se que mais dinheiro fosse fornecido para pesquisa e estudos, visto que, durante a pandemia, muitas universidades se dedicam em medidas de enfrentamento à covid, com testes e desenvolvimento de vacinas e o apoio de hospitais e laboratórios universitários.
O que diz o MEC
Em nota, o Ministério da Educação e Cultura, o MEC, afirmou que “não tem medido esforços nas tentativas de recomposição e/ou mitigação das reduções orçamentárias das IFES” e “esclarece ainda que, em observância ao Decreto nº 10.686, de 22 de abril de 2021, foram realizados os bloqueios orçamentários, conforme disposto no anexo do referido decreto”. O texto ainda adiciona que “O MEC está promovendo ações junto ao Ministério da Economia para que as dotações sejam desbloqueadas e o orçamento seja disponibilizado em sua totalidade para a pasta. Ressalte-se que não houve corte no orçamento das unidades por parte do Ministério da Educação. O que ocorreu foi o bloqueio de dotações orçamentárias para atendimento ao Decreto. Na expectativa de uma evolução do cenário fiscal no segundo semestre, essas dotações poderão ser desbloqueadas e executadas.”
Impactos para a população brasileira
Vale lembrar que essa redução pode impactar diretamente na condução da pandemia no Brasil. Três universidades públicas federais estão em estudo para o desenvolvimento de imunizante para a covid-19 (as Universidades Federais do Rio de Janeiros, Minas Gerais e Paraná), além disso, a rede oferece dois mil leitos em hospitais para o tratamento e acompanhamento dos pacientes que contraíram a doença. Para evitar que chegue a esse ponto, as instituições buscam auxílio por meio de verbas estaduais, a Universidade Federal de Minas Gerais, a UFMG, por exemplo, solicitou 30 milhões de reais para a prefeitura de Belo Horizonte para arcar com os gastos da primeira e segunda fase do estudo clínico da própria vacina. É possível que a terceira fase tenha um valor de aproximadamente 300 milhões.
É importante ressaltar também que a pesquisa e desenvolvimento de imunizantes nacionais é um passo para que o país tenha independência em relação à indústria farmacêutica estrangeira, algo fundamental, caso venha-se descobrir que o coronavírus é uma doença endêmica, ou seja, tenha uma certa frequência em determinada região devido à características locais, é o caso da dengue e febre amarela aqui no Brasil.
Quais são os gastos de uma universidade pública em meio a pandemia?
Para quem não faz parte da realidade de gestão de uma instituição enorme, ou não costuma pesquisar sobre os gastos de órgãos públicos, é difícil imaginar como, em meio a uma pandemia, existem tantos gastos que não podem ser quitados com o valor disponibilizado.
Como já foi dito, no orçamento discricionário não está incluso o valor gasto com salários e aposentadorias, porém, todas as outras despesas são custeadas por esse dinheiro. Apesar de não haver tantos alunos presentes de forma presencial, muitas outras pessoas continuam se dirigindo até a instituição para continuar com pesquisas, por isso, as contas de energia, luz e internet continuam sendo pagas, além de, claro, despesa com álcool em gel, papel higiênico e outros ítens de higiene e limpeza. As universidades que possuem em seu complexo um hospital universitário também precisam desembolsar valores para cobrir gastos dos leitos, testagens de covid, manutenção e limpeza do prédio e dos equipamentos, mão de obra e outros gastos.
Além disso, os alunos pesquisadores continuam trabalhando e recebendo as suas bolsas de estudos, outros dependem das moradias estudantis e dos auxílios para a permanência. Mesmo de longe, ainda há investimento em equipamentos, materiais, bases de dados, tecnologias para a melhora do ensino à distância e em biossegurança para a volta às aulas presenciais.
Segundo Milton Ribeiro, o atual Ministro da educação, esse corte é uma forma de fazer com que obras sejam barradas e todo o gasto, neste momento, seja apenas com o essencial, já que, neste momento de crise, a arrecadação de impostos no país é pouca, mas é esperado que a verba volte a se normalizar com o fim desta realidade atípica. Por enquanto, ainda não há boas expectativas para os 1,3 milhão de alunos e todos aqueles que dependem das UF’s, que neste momento, pode-se considerar que seja toda a população brasileira, já que grande parte dos avanços nos estudos sobre o coronavírus são realizados pelas instituições de ensino superior federais.