Perseguidores da imprensa

Leticia Araújo Linhares
Revista Provisória
6 min readJul 6, 2021

Em pleno século 21, a liberdade de imprensa ainda corre perigos em vários países pelo mundo. As ameaças vêm principalmente de chefes de Estado que não aprovam críticas ao próprio governo e, por isso, promovem ações contra repórteres e instituições de comunicação que apenas fazem o seu papel social: cobrar uma boa gestão daqueles que estão no poder.

Para mapear essa conjuntura, a organização não governamental independente Repórteres Sem Fronteiras (RSF), focada em expor e combater a repressão sofrida pela mídia, publicou a “galeria de predadores da liberdade de imprensa” de 2021. A edição anterior era de 2016. A mesma ONG também é responsável pela “classificação mundial da liberdade de imprensa” atualizada todos os anos.

Mapa que aponta os países com menos liberdade de imprensa (Foto: Reprodução/RSF)

A galeria deste ano possui algumas particularidades desanimadoras. São cerca de 37 chefes de Estado listados, entre eles, duas mulheres, Carrie Lam, de Hong Kong, e Hasina Wajed, de Bangladesh, fato que nunca havia acontecido antes. Além disso, também estão inclusos Viktor Orbán, primeiro-ministro hungaro e o primeiro chefe europeu a adentrar a lista, e Jair Messias Bolsonaro, presidente brasileiro.

Apesar das novidades, existem figuras que já possuem seu posto estabelecido há 20 anos na lista. Bashar Al-Assad, da Síria, e Ali Khamenei, iraniano, estão presentes desde a primeira edição da galeria, em 2001. Além deles, existem mais 5 outros predadores frequentes espalhados pela Rússia, Belarus, e no continente Africano.

Quem são, onde vivem e o que fazem

Segundo o mapa da liberdade de imprensa, o país mais cerceado é a Eritreia e, claro, Isaias Afewerki, presidente do território, é classificado como um predador pela RSF. Seu governo iniciou em 1993 e, em 2001, fechou os jornais privados e prendeu repórteres independentes. Conforme dados da ONG, são 11 profissionais sem acesso à família ou advogados, inclusive Dawit Isaak, preso há 20 anos e que teve sua soltura e julgamento negados pelo próprio ditador.

Isaias Afewerki, ditador da Eritreia desde 2003 (Foto: Reuters/Tiksa Neger)

Jair Bolsonaro também não podia deixar de ser especialmente citado por ser o chefe de Estado brasileiro. O presidente é considerado um predador desde a sua chegada ao poder, em 2019. A RSF o incluiu devido aos insultos e humilhações que ele e seus apoiadores direcionam aos meios de comunicação e profissionais, mais especificamente mulheres. Recentemente, ao responder uma jornalista da TV Vanguarda, Bolsonaro a mandou “calar a boca”. O Brasil está em 111º lugar de acordo com o ranking, a pior posição desde o início da análise, em 2013, e 4 posições a mais do que em 2020.

Ainda na América Latina, Cuba é o pior país para jornalistas. Em 171º lugar, o país, que agora é governado por Miguel Díaz-Canel, não teve nenhuma melhora com o novo governo. A mídia é totalmente vigiada pelos poderosos da gestão atual que continua com as ideologias do castrismo, chegando a confiscar materiais, prender e até mesmo expulsar jornalistas da ilha.

Para ser considerada uma ameaça, Carrie Lam, chefe do executivo de Hong Kong, teve, em seu governo, a aprovação da Lei de Segurança Nacional do regime chinês que pune crimes contra o Estado de forma arbitrária. Jimmy Iai, jornalista e fundador do Apple Daily, foi detido, acusado e corre o risco de seguir em prisão perpétua por conta da legislação. Em Bangladesh a situação é parecida. A primeira-ministra Sheikh Hasina aprovou, em 2018, a Lei de Segurança Digital que pune autores de publicações como “propaganda contra o patriarca da nação” (pai de Hasina) e que “perturbem a ordem pública”.

O líder da Rússia é um dos que acompanha a lista de predadores desde o início. Vladimir Putin e seu governo também controlam as mídias por leis e têm como alvo principalmente os veículos independentes que chegam a fechar muitas vezes. Desde o fim da União Soviética, essa é a pior situação dos jornalistas da região. Pelo o que se sabe, pelo menos oito profissionais estão presos e, no ano passado, Aleksandr Tolmachev chegou a falecer no cárcere após falta de atendimento médicos.

De 2020 para 2021

2020 foi atípico por conta da covid-19 e este ano ainda não trouxe a rotina normal que estávamos acostumados pré-pandemia, mas foi responsável por trazer esperanças por conta da aplicação de vacinas. O fato é que mesmo nessa situação, o trabalho da imprensa não cessou, muito pelo contrário, foi mais necessário ainda para que se pudesse evitar e combater informações negacionistas e falsas.

Sendo assim, o que se esperava era uma população interessada no contexto atual e na sua evolução, e governantes abertos ao compartilhamento de informações e ações tomadas para o combate à pandemia, melhorando a relação entre governo e mídia e diminuindo os insultos. O que se recebeu, entretanto, foi o contrário, 73 dos 180 países analisados pela RSF possuem imprensas com o trabalho comprometido.

Imprensa brasileira trabalhando durante a pandemia (Foto: Folhapress/Pedro Ladeira)

O que preocupa por enquanto é se haverá uma volta ao acesso às informações, à fontes e ao campo, que foi dificultado por conta da crise sanitária existente. Alguns países proibiram a divulgação de dados relacionados à pandemia, se não fossem feitos exclusivamente pelo Ministério da Saúde (é o caso do Egito), e essa situação pode se estender para outros territórios e por muito mais tempo.

Alcance do ideal

Como foi exposto, muitos são os profissionais do jornalismo que sofrem com a repressão, tanto velada quanto violenta. É certo que a imprensa é um dos pilares que mantêm uma democracia saudável e forte, por isso é tão preocupante que haja perseguição, visto que pode indicar governos autoritários e ditaduras.

Um passo importante e que pode ser dado é a busca pela implementação correta e geral do artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos que diz que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”. Esse artigo implica, por exemplo, na não aplicação das leis arbitrárias que foram citadas anteriormente e na liberação da internet que não ocorre na Coreia do Norte.

A Noruega, o primeiro país no ranking da RSF, poderia servir como um exemplo para as outras nações nestes quesitos, mas mesmo assim, ainda existem dificuldades de acesso a algumas informações, principalmente em um momento de pandemia. Os profissionais criticam ainda a realização de audiências virtuais, o que impede o acesso ao conteúdo dessas reuniões e vai contra o princípio constitucional do acesso público à informação.

Coletiva de imprensa na Noruega, país com o menos índice de repressão da imprensa (Foto: AP)

Se até mesmo no melhor país do mundo para a imprensa ainda há pontos a melhorar, são necessárias medidas para que se encaminhe e se aproxime ao ideal. Sendo assim, os Repórteres Sem Fronteiras elaboraram soluções e atuações frente aos governos, à Organização Mundial das Nações Unidas e outras grandes organizações para facilitar o trabalho dos comunicadores.

Para colaborar com a ONG é possível fazer doações, adquirir produtos na loja, assinar as petições e até mesmo se tornar um membro, basta acessar o site e se informar.

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Leticia Araújo Linhares
Revista Provisória

Jornalista em formação tentando se descobrir no mundo da comunicação.