Politização do óbito
Protesto e morte de Policial Militar na Bahia se transformou em motivo para movimentação bolsonarista
O último domingo de março foi um dia dramático para os policiais militares da Bahia que estavam na região do Farol da Barra, em Salvador. Por volta das 14h do dia 28, o PM Wesley Góes, de 38 anos, se dirigiu ao ponto turístico do estado armado com pistola e fuzil.
Segundo relatos, o homem estava fardado, com o rosto pintado de verde e amarelo, as cores da bandeira do Brasil, e proferindo palavras contra as medidas de contenção à covid-19 impostas pelo governador baiano, Rui Costa (PT): “Comunidade, venha testemunhar a honra ou a desonra de um policial militar do Estado da Bahia. […] Não vou deixar, não vou permitir que violem a dignidade e honra do trabalhador.” De acordo com a Secretaria de Segurança da Bahia (SSA-BA), o manifestante se encontrava em estado de crise psicológica durante o ato.
O Batalhão de Operações Especiais (BOPE) do estado e o policial se mantiveram por um pouco mais de 3 horas em negociação. A SSP-BA informou que o soldado arremessava grades, bicicletas e isopores em direção ao mar, além de efetuar alguns disparos.
Perto das 18h40, Wesley disse que o momento havia chegado e iniciou uma contagem regressiva com tiros em direção ao BOPE, que reagiu com pelo menos 10 disparos.
O comandante-geral da Polícia Militar da Bahia, Paulo Coutinho, rebateu críticas sobre a operação policial. “Enquanto os disparos não estavam oferecendo riscos para a tropa e para as pessoas que circulavam, protegemos a integridade do soldado. […] Foram utilizadas outras alternativas, porém ele estava com uma arma de grande poder de letalidade e em determinado momento todos os recursos de isolamento e proteção foram esgotados”, comentou Coutinho.
O comandante do BOPE, major Clédson Conceição falou sobre como lidaram com o PM e o risco da situação. “Os nossos objetivos primordiais são preservar vidas e aplicar a lei. Buscamos, utilizando técnicas internacionais de negociação, impedir um confronto, mas o militar atacou as nossas equipes. Além de colocar em risco os militares, estávamos em uma área residencial, expondo também os moradores”, explicou.
Após o ocorrido, Wesley Góes foi encaminhado ao Hospital Geral do Estado (HGE), mas, por volta das 22h30, faleceu após não resistir aos ferimentos. O soldado, que era da 72º Companhia Independente da Polícia Militar, atuava na cidade de Itacaré, no Sul da Bahia.
A politização do caso
Com a divulgação dos vídeos do caso nas redes sociais, diversas pessoas se sentiram no direito de comentar a opinar sobre o protesto do PM e a atitude do BOPE, inclusive políticos.
A justificativa dada por Paulo Coutinho sobre a morte de Wesley não foi adotada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL). Em uma rede social, o político afirmou que “esse sistema ditatorial vai mudar” e “aos vocacionados em combater o crime, prender trabalhador é a maior punição” fazendo referência às medidas de contenção ao vírus e ao trabalho da PM em fiscalizar se há o cumprimento delas pela população.
Em seu post, o deputado anexou o vídeo do soldado proferindo palavras de ordem e atirando para cima, sem mostrar o ataque aos outros policiais.
Ainda, a deputada federal e presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, Bia Kicks (PSL), endossou o pensamento do colega de partido e publicou que “Soldado da PM da Bahia abatido por seus companheiros. Morreu porque se recusou a prender trabalhadores. Disse não às ordens ilegais do governador Rui Costa da Bahia. Esse soldado é um herói. Agora a PM da Bahia parou. Chega de cumprir ordem ilegal!” Minutos depois a publicação foi excluída.
Mais tarde, Bia Kicks voltou a publicar. Em seu novo post, declarou que foi informada de que o PM havia atirado para o alto e atingido por colegas, mas que resolveu retirar a publicação anterior para aguardar informações.
O deputado estadual, Soldado Prisco foi mais além em sua postagem na internet e convocou uma paralisação. “Mataram um policial, mataram um trabalhador, p*rra. Até quando vocês vão aceitar isso? Mataram o policial, mataram. Vamos parar esse c*ralho, a hora de parar é agora, eu convoco vocês”, declarou.
Em conversa com a redação do jornal El País, Prisco negou a convocação de um motim e afirmou querer esclarecimentos. “Toda sociedade que estava ali viu que ele foi assassinado, executado de forma brutal pelo Governo do estado. O que nós queremos, além da saída do comandante, é uma investigação independente, pois não acreditamos na investigação do Estado. Vamos pagar uma perícia particular. Vamos pegar essas reivindicações, colocar numa pauta e entregar ao governador Rui Costa”, comentou.
O governador do estado da Bahia se pronunciou por meio de um vídeo. Prestou solidariedade aos familiares e amigos de Wesley e comentou sobre os ataques sofridos. “O final de semana foi de ataque a mim e a governadores e prefeitos do Brasil inteiro, mas não iremos nos intimidar com mentiras, ameaças, calúnia e difamação”, afirmou Rui Costa.
O governo baiano avaliou o caso e a situação de estresse durante a pandemia, principalmente entre os policiais militares e sinalizou que o tema precisa de mais atenção, além disso foi discutida uma possível antecipação de vacinação para essa classe de trabalhadores.
A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) veio a público e, em nota, afirmou que lamenta a morte do militar, “mas lamenta ainda mais o uso político do desespero de um cidadão, um servidor público”. A entidade complementou o comunicado dizendo que ainda não se sabe qual foi o incentivo do ato, e que “a única certeza é de que os servidores das forças de segurança estão exaustos.”
Mas o que muda na política nacional?
Em análise feita ao portal UOL, Renato Sérgio de Lima e Rafael Alcadipani comentaram sobre o caso. Renato, que é presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, acredita que os policiais vêm recebendo incentivos do grupo bolsonarista para que tenham mais autonomia e repressão contra os governadores dos estados e que isso “significa que vários dos mecanismos que mantêm a integridade da democracia estão sendo minados pelo bolsonarismo raiz”. Renato ainda complementou dizendo que é um movimento perigoso e que pode refletir na democracia.
Já para o professor de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Rafael Alcadipani, a situação não deve influenciar na democracia nacional, apenas fortalecer a política bolsonarista. “Se tivessem força o suficiente para dar golpe militar e acabar com a democracia, eles já tinham feito isso antes. Essa ação de motim é feita para dar uma atiçada na base deles”, afirmou.