Saúde em Investigação: Entenda a CPI da Covid-19

Maria Tereza Ribeiro
Revista Provisória
8 min readMay 11, 2021

Nas últimas semanas uma única sigla se tornou presença garantida em todos os jornais impressos, televisivos e radiofônicos do país. Com certeza você deve ter ouvido ou lido ela em algum momento, mas você sabe seu significado ou a razão pela qual ela ganhou os noticiários? CPI ou Comissão Parlamentar de Inquérito, é um grupo formado por membros do Poder Legislativo, sejam eles do Senado ou da Câmara Federal, que se organizam para “investigar um fato que seja muito importante para a vida pública e para a ordem constitucional (…) do país” (artigo 35 do regimento parlamentar). Em 2020, quando o mundo foi atingido pela pandemia da Covid-19, o Brasil se destacou por sua má gestão e negacionismo. Um pouco mais de um ano e 422 mil mortes depois, foi instaurada uma CPI para apurar a responsabilidade do Governo, representado pelo presidente Jair Bolsonaro, sem partido, nos números de uma das maiores crises de saúde pública da história.

Um processo de impeachment pode ser aberto na Câmara caso seja avaliado que Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade em sua gestão durante a pandemia da Covid-19 — Imagem: Marcos Corrêa/PR/Fotos Públicas

A criação da CPI da Covid, como foi nomeada, foi oficializada no dia 13 de abril, cinco dias depois do aval do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso. Na ocasião, foi determinado que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, do DEM, instalasse a comissão responsável por analisar os efeitos da gestão de Bolsonaro e sua equipe no combate à pandemia. Entre as pautas que serão foco de investigação estão: a recomendação constante de medicamentos e tratamentos sem eficácia científica comprovada, a exemplo da Cloroquina, a recusa de contratos para a compra de vacinas, os diversos discursos negacionistas e as irregularidades nos repasses de verbas a estados e municípios. Para a base aliada do presidente no Legislativo, a abertura do processo representa uma derrota política que pode se refletir na corrida eleitoral de 2022.

Rodrigo Pacheco aceitou a abertura da CPI no Senado Federal após forte recomendação do STF — Imagem: Marcos Oliveira/Ag. Senado

Pacheco, apesar de declarar ser contrário a instauração da CPI neste momento da pandemia, seguiu a ordem recebida do STF. De acordo com o Supremo, todos os requisitos necessários para a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito foram cumpridos e não havia razão para negar o pedido feito por parte dos parlamentares. Por se tratar de uma investigação em torno da administração pública e que pode vir a envolver o Poder Judiciário, existem alguns passos que devem ser dados antes da oficialização do processo, a começar com o fato a ser apurado. Neste caso, a gestão do Governo Federal na crise da Covid-19 é o foco principal, portanto, ele deve estar bem definido e justificado no texto que será encaminhado ao presidente da Casa Legislativa onde correrá a CPI. Além disso, deve constar no requerimento os nomes de pelo menos um terço dos membros do Senado (27) ou da Câmara (171), junto com um prazo de duração, que pode ser de até 120 dias com a possibilidade de prorrogação de mais 60 dias.

Foi definido um prazo inicial de 90 dias para a CPI da Covid realizar suas devidas investigações. Nesse período, algumas ferramentas do Judiciário são ampliadas ao Legislativo, entre elas: convocar para depoimentos indiciados e testemunhas, analisar documentos, áudios, vídeos e mensagens relevantes ao processo e solicitar a quebra de sigilo de alguns dados. Esses poderes, por assim dizer, são fornecidos com o objetivo de gerar um relatório final mais detalhado, que será, posteriormente, direcionado ao Ministério Público para eventuais punições. Portanto, a CPI não condena ou aponta responsáveis pelo fato que ela apura, ela apenas se comporta como um órgão de investigação, o qual, a partir das informações obtidas, chegará a uma determinada conclusão, que pode ou não levar à abertura de um processo judicial.

Omar Aziz é o presidente da CPI que investigará a postura adotada por Bolsonaro e sua equipe na pandemia da Covid-19 — Imagem: Divulgação

Da mesma forma que funcionam as Casas Legislativas, as Comissões Parlamentares de Inquérito também possuem presidente e vice, os quais serão responsáveis por conduzir tanto a investigação quanto às reuniões do colegiado. Na CPI da Covid, Omar Aziz, do PSD, foi eleito presidente, enquanto Randolfe Rodrigues, filiado ao Partido Rede e autor de um dos requerimentos, foi eleito vice através de uma votação com os 11 membros titulares da comissão. O posto de relator, por sua vez, foi ocupado por Renan Calheiros, do MDB, que é considerado opositor de Bolsonaro e, logo, foco de preocupação do Chefe do Executivo e de seus aliados, os quais são minoria no processo. Aqui é válido ressaltar que cada partido pode indicar os seus representantes, sendo a única regra o respeito à proporção observada na Câmara ou no Senado, isto é, 20% dos membros da Casa te dá o direito de ocupar 20% das cadeiras na CPI.

A baixa presença de aliados na comissão e a escolha de Calheiros para a função de relator, no entanto, não devem ser considerados os maiores problemas de Jair Bolsonaro durante a CPI, que investigará toda a gestão do presidente, de seus ministros da saúde e de demais lideranças envolvidas no combate à pandemia. A verdadeira preocupação do mandatário deve ser com as informações a serem reveladas no processo e como isso irá afetar não só o cenário de sua candidatura à reeleição em 2022, como também sua permanência no cargo ainda neste primeiro mandato, já que o relatório final a ser encaminhado ao Ministério Público pode resultar na abertura de um processo de impeachment caso seja avaliado que Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade na postura assumida diante dos efeitos da Covid-19 no país.

Bolsonaro foi um dos principais destaques negativos da pandemia no Brasil, incentivando aglomerações e o uso de medicamentos sem eficácia comprovada. — Imagem: Adriano Machado/Reuters

O forte negacionismo propagado por Bolsonaro e, consequentemente, seus apoiadores desde o começo da pandemia é apontado como um dos fatores que fizeram o Brasil se tornar o epicentro da doença entre o fim de 2020 e o início deste ano. Foram diversas as ocasiões em que o presidente foi visto sem máscara no meio de aglomerações, foi registrado incentivando o uso de medicamentos sem eficácia científica comprovada contra a Covid-19, a exemplo da a Cloroquina e a Ivermectina, e foi gravado minimizando a gravidade do vírus chamando a causa da morte de mais de 422 mil brasileiros de “gripezinha”. Todos esses momentos e falas serão pautas discutidas durante a CPI como meio de comprovar sua possível responsabilidade no rumo tomado pela pandemia no país.

Outro fator que também pesa contra a defesa de Bolsonaro e sua gestão é o colapso do sistema de saúde do Amazonas em janeiro. Na ocasião, que é considerada por muitos o momento mais trágico da pandemia no Brasil, o estado viu seu estoque de oxigênio e insumos hospitalares se esgotarem em decorrência do aumento exponencial no número de internações, resultando na morte de dezenas de pacientes por asfixia. A situação, que já era grave, ganhou contornos ainda piores quando foi revelado que pelo menos um mês antes o governo estadual havia notificado o Ministério da Saúde e, portanto, seu comandante na época, Eduardo Pazuello, sobre o risco que a região corria de sofrer um colapso. Apesar dos avisos e dos pedidos por oxigênio, não foi fornecido a ajuda necessária ao Amazonas, que no lugar de cilindros recebeu mais de 100 mil caixas de Cloroquina.

Milhares de cilindros de oxigênio foram doados para o Amazonas na tentativa de ajudar o sistema de saúde estadual em colapso por falta de insumos. — Imagem: BRUNO KELLY/REUTERS

Aqueles que podiam arcar com os altos custos de uma transferência foram direcionados para outros estados que ainda tinham vagas disponíveis em seus hospitais, quem não tinha a mesma condição foi obrigado a esperar uma nova remessa do Governo Federal chegar, muitos não resistiram. O triste capítulo da história do Amazonas foi abordado logo no primeiro dia da CPI, no dia 27 de abril. Foram contabilizados mais de 170 pedidos de vários membros do Congresso exigindo a convocação de nomes diretamente ligados ao caso e a entrega de documentos que mostrassem os repasses de medicamentos, oxigênio e outros insumos ao estado.

Em quase duas semanas de reuniões e depoimentos já foram ouvidos pela comissão os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, além do atual, Marcelo Queiroga. De acordo com Omar Aziz, presidente da CPI, este último poderá ser novamente convocado a depor em decorrência da recusa em responder grande parte dos questionamentos feitos a ele relacionados, principalmente, ao uso da Cloroquina, defendido por Bolsonaro, às gestões anteriores e aos contratos para a compra de vacinas, outro ponto central das investigações. Até o momento foram comprovadas a negação de ao menos 11 ofertas para o fornecimento de imunizantes ao país, as primeiras feitas ainda no ano passado. Estima-se que o Governo Federal deixou de adquirir mais de 100 milhões de doses para vacinar a população, 70% delas da Pfizer/BioNTech, a única com registro definitivo no Brasil.

Peça importante para entender não só a razão pela qual foram recusadas as ofertas para compra de imunizantes, como também outros detalhes da pandemia, o ex-ministro da Saúde Pazuello tem tentado evitar seu depoimento na CPI. A princípio, sua presença na comissão para esclarecimentos estava marcada para última quarta-feira, dia 5, porém o ex-ministro afirmou que esteve em contato com pessoas contaminadas pela Covid-19 e portanto não poderia comparecer. Diante da situação, Omar Aziz, junto com os demais membros titulares, remarcou o depoimento de Pazuello para o dia 19, quando se encerra o período de isolamento. Segundo a jornalista e comentarista da Globo News, Ana Flor, em matéria publicada em seu blog no Portal G1, existem informações de que o ex-ministro está buscando mudar a condição de sua presença na CPI. Caso seja convocado como testemunha e não indiciado, ele não poderá se calar diante dos questionamentos.

No mesmo período que Pazuello diz ter estado com pessoas contaminadas pela Covid-19, ele foi flagrado passeando em um shopping sem máscara. — Imagem: Reprodução/Instagram

Ainda com muitas questões a serem esclarecidas sobre a desastrosa gestão do Governo Federal na pandemia da Covid-19, a CPI seguirá seu curso nessas próximas semanas em busca de respostas e possíveis responsáveis pela situação de crise sanitária que vive o Brasil. Até o momento de fechamento desta reportagem, já são 423.2 mil mortes pela doença, além de mais de 15 milhões de casos confirmados. Apesar de sinalizar um momento de estabilidade, a pandemia está com médias superiores às observadas na primeira onda. Com a vacinação caminhando a passos lentos, uma terceira onda não é um cenário descartado pelos especialistas, que temem ela repetir o padrão anterior e apresentar uma alta preocupante com o fim das restrições em algumas regiões. Enquanto espera a conclusão da CPI, cabe à população fazer sua parte e frear o avanço da pandemia.

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Maria Tereza Ribeiro
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Estudante de jornalismo apaixonada pelo mundo da comunicação e, pelo esportes e suas histórias!