Platônico
por Júlia Rosemberg
Dos óbvios olhos azuis até os heterodoxos cabelos cor de rosa, ela era linda. Descortinando a fumaça do baseado, emergindo da sétima cerveja, posso quase jurar que Rita gritava chega mais, chega mais. Um passo pra trás pra sorver a tríade bota preta, saia amarela, regata turquesa. Sim: ela era linda. Sentia minha timidez nos ouvidos pressionados pelo coração arfando sangue. No balcão, um caubói duplo. Não, triplo. Engoli.
Vou.
Não tenho coragem. Vou!
Caralho, não vou. Vou: é só colar.
Clichês neônios e ombros festivos rasgavam a pista escura. Ela era a mais linda. Cheguei perto. Mais perto. Bem perto. Muito perto. Pertinho. Em disritmia, lacei a cintura dela com meus braços degrades. Palavras inaudíveis, frases sibilares, corpo arisco, boca oblíqua, olhos esquivos: um fora elegante.
Os fios rosados inundavam as unhas lilases num abraço uniforme de dois corpos em um. A paleta labial misturava dois tons de vermelho-alaranjado. Duas línguas. Dois colos. Duas mulheres.
Num canto possível, amaldiçoei minhas barbas.