Leonardo sobe a augusta.

por Lucimar Mutarelli

Revista Rosa
Revista Rosa #4

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Na esquina com a Antônio Carlos, um grupo de meninos faz muito barulho com chutes gritos pedras e pedaços de pau. O rapaz se assusta e atravessa a rua rápido, sem olhar para os lados. No dia seguinte, no café da manhã, a mãe comenta que mais um gay foi atacado e assassinado na rua por um bando de covardes.

Leona sobe a Augusta.

Na esquina com a Luís Coelho, jovens gritam e cercam um casal de meninos. Leona enfrenta o grupo e leva uma paulada no meio da testa. A mãe de Leonardo lê em voz alta que a garota está em coma há duas semanas e a família faz um apelo para que os responsáveis sejam punidos.

Léo sobe a Augusta.

Na esquina com a Paulista o garoto pega um tijolo e parte para cima de um grupo. Tenta defender a menina dos gritos chutes e pauladas. Um dos fortões tem uma faca. Ele a enfia na barriga de Léo e sai correndo. No dia seguinte, a mãe de Leonardo está velando o corpo do filho. As redes de TV exigem uma exclusiva e a mãe diz que não tem o que falar. Ela se distancia e pensa que a única coisa a fazer é contratar um matador que suba a Rua Augusta todos os dias e todas as noites.

Em um mês a mãe de Léo vai decidir que o melhor a fazer é contratar vários batedores que subam e desçam a Augusta munidos de paus pedras gritos e revolta.

Em um ano, a mãe de Léo, depois de ler tantas notícias de extermínio de brutamontes na rua, ela pensa que a única coisa a fazer é suspender o trabalho dos exterminadores e voltar a confiar nos seres humanos.

Em um ano e um dia a mãe de Léo vai cometer suicídio depois de ler no jornal que um novo grupo de espancadores de gays mendigos negros e índios está voltando a agir nas imediações da Rua Augusta e que o melhor a fazer é se fingir de surda cega e morta.

Fingir pra quê?
Fugir de quem?
Correr por quê?

O melhor a fazer é atravessar a rua e agradecer que aquela baderna não é com você. Você que paga as suas contas, que anda direitinho, que não se atrapalha, não perde a cabeça, não discute, não vota errado, comunga aos domingos, desce pro litoral nos feriados, não reclama do trânsito nem da escola nem da segurança.

O que você quer é ser invisível, permanecer calado, que não te agridam, que não te percebam e que nunca, nunca mesmo, seja você no meio da roda.

O máximo que pode acontecer é que você se permita a seguir o grito, a dar um chute bem pequeno, só um tapinha, um puxão de orelha para que esses seres livres demais parem de exibir tanto amor tanto tesão exposto tanta liberdade que não façam tanto barulho que incomodam o seu futebol a sua novela o seu jantar o seu sono e todos os seus sonhos e fantasias com garotos que sobem e descem a Rua Augusta mesmo que corram o risco de apanhar de sangrar de chorar de morrer de desaparecer de se ausentar…

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Revista de arte e literatura com temática Queer/LGBT