Meninos, eu vi: “Carnaval das Almas” sozinho no escuro!
Carnaval das Almas (Carnival of Souls) está disponível em DVD, pela Criterion Collection, e também online, no YouTube.
Sozinho em casa, tarde da noite num fim-de-semana, vento soprando forte lá fora — que ocasião melhor para assistir a um filme de terror? Não um qualquer, mas Carnival of Souls, uma cultuada produção independente de 1962, dirigida por Herk Harvey (na verdade, Harold Harvey, o que só o torna marginalmente menos engraçado que Peter Parker ou Clark Kent). Harvey e seu roteirista, John Clifford, trabalhavam para uma produtora de filmes educacionais, como Modos na Escola (Manners in School, 1958) — um sucesso tão grande que teve continuação, Modos em Público (Manners in Public, 1958) — no estado norte-americano do Kansas. Um dia, resolveram tirar férias e fazer um horror independente em locações do Kansas e de Utah. No dia que você fizer um clássico de cinema durante as suas férias em vez de arranjar queimaduras de segundo grau na praia, volte para conversar.
O filme passou no Brasil com dois títulos. O primeiro foi O Parque Macabro, mas foi mudado para o mais bonito e literal Carnaval das Almas quando passou na TV a cabo. Se tem “almas’, é porque se trata de filme de “vurto”, como dizia minha avó. Aí você pergunta o que tem de assustador um filme de terror feito na Idade Média, e ainda por cima em preto-e-branco. Obrigado por perguntar, mas está claro que você nunca viu um filme de terror em preto-e-branco. Esse tipo de filme provoca o mesmo efeito que encarar a foto abaixo por mais de cinco minutos.
A história começa com um carro parando do lado de outro num cruzamento de uma cidadezinha do interior do Kansas. Num automóvel, só rapazes; no outro, só moças. A turma do Bolinha desafia a turma da Luluzinha para um racha. Aquilo só é racha para quem nunca enfrentou o trânsito de Salvador. Podiam ao menos ter acelerado o filme que nem faziam no cinema mudo. As mulheres perdem o controle do carro, o racha e a vida: o veículo cai da ponte num rio. A única a emergir é Mary Henry (Candace Hilligoss), a cara da feiticeira Melisandre (Carice van Houten) de Game of Thrones. Isso não é bom sinal.
Completamente desnorteada, Mary tenta retomar a vida normal. Ela é organista e foi contratada para tocar numa igreja de Utah, a terra dos mórmons. Terror em Utah! Como ninguém tinha pensado nisso antes? Podia ser algo assim: garoto descobre que Brandon Flowers, da banda The Killers, é mórmon e carrega o trauma pelo resto da vida. Já adulto, passa a matar todos aqueles que se recusam a parar para receber folhetos da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.
Que foi isso? Deu um estouro aqui. Transformador. O mundo todo agora é um breu só. Parece até que eu tinha me preparado porque baixei o filme para assistir no tablet.
Enquanto isso, no filme, lá vai Mary de carro para seu novo emprego em Utah. Vai ficando escuro e ela sozinha na estrada. Eu já vi essa história antes. Aquele episódio de Além da Imaginação em que uma mulher dirige sozinha numa estrada deserta e toda hora cruza com o mesmo homem pálido pedindo carona. Vem susto aí. Repare só. Tomada de Mary dirigindo. Corta para a estrada vazia. Corta para Mary dirigindo. Corta para a estrada vazia. Vai aparecer um bicho no meio dessa estrada. Corta para Mary. Corta para a estrada. Corta para.. Nããão!!!! Não pode! Na janela, não! Olha o que me aparece na janela do carro!!!!
Adeus, sono. Mary se recompõe mais rápido que eu e chega na pensão onde vai se hospedar. Além da senhoria, o único outro hóspede é um cara pegajoso metido a conquistador. Com a nova vizinha, ele não tem sucesso. Isso está com cara de filme sobre repressão sexual. Todo filme de suspense com loura das décadas de 50 e 60 é sobre repressão sexual — pode colocar isso aí no seu trabalho de conclusão de curso. Carnaval das Almas tem vizinho tarado, médico tarado, transeunte tarado, fantasma tarado e padre repressor (sacerdotes preferem gente bem mais nova).
Mary se sente atraída por um grande parque de diversões abandonado nos arredores da cidade. Deve ser lá que moram os fantasmas do filme. Não se pode culpá-los. O pessoal do MTST ia adorar uma área assim. Bastava colocar os defuntos para fora e um ebó contra o governador e o prefeito na frente.
O homem da janela do carro começa a aparecer em todos os lugares. Mary está para enlouquecer. Felizmente, ela cruza o caminho de um médico no meio da rua. Que médico é esse que ampara paciente como quem tira lasquinha? Releve: eram os anos 60. Se bem que a atuação é bem amadora, com exceção da atriz principal. Tem ator que olha direto para a câmera, que nem figurante de filme do Fellini. E a música de fundo aparece e some a cada corte de cena. Mas não há do que reclamar. Herk Harvey fez tudo com 17 mil dólares. Com todos os defeitos, o filme parece ainda mais assustador porque o aspecto tosco lembra um documentário. Pior foi o pessoal da novela Os Dez Mandamentos, que gastou 1 milhão de reais para fazer a abertura do Mar Vermelho parecer cena de The Legend of Zelda — Ocarina of Time para Nintendo 64!
Olhei embaixo da cama faz… dois segundos. Não tem sentido, né? Se o filme fosse Poltergeist ou Atividade Paranormal, que têm coisas embaixo da cama, tudo bem. Carnaval das Almas não tem. Sejamos racionais.
Mary começa a tocar o órgão da igreja e, de repente, parece estar em transe. A música parece a mesma, só que num andamento mais rápido. Vamos fazer de conta, porém, que baixou a pomba-gira nela: fecha os olhos e se balança enquanto toca. O padre fica indignado com essa música “luxuriante”. Se fosse canção da Inês Brasil, creio que ele atirava para matar. @#$& que pariu!!!! De novo!
Isto não vai acabar bem, Estou ouvindo uns barulhos estranhos vindos do corredor. Ainda bem que a porta do quarto está fechada. Tem a janela do quarto, mas quem vai olhar para a janela numa hora dessas? Mary quer fugir da cidade. Começa a ter alucinações. Foi o jantar da velhinha da pensão. Cadê o doutor tarado? Por que ninguém ouve essa mulher? Adivinha onde ela vai parar? No Playcenter dos infernos! À noite.
Ora, você pode estar pensando, é tudo ridículo. Fantasmas são só aparições incorpóreas ou vilões fantasiados no desenho do Scooby-Doo. Não podem realmente fazer mal a ninguém. Está na cara que você não viu Carnaval das Almas. Você não tem ideia do que esses espíritos fazem com a Mary no fim do filme. Eles… Ela… Não, eu não vou contar. Não sobrou nem voz para isso.
A bexiga está transbordando. Eu preciso sair desse quarto para ir ao banheiro. Vai você. Daqui eu não saio. Vou ter que sair… É o problema da meia-idade: você já tem todos os problemas da velhice, mas o orgulho o impede de comprar fralda geriátrica. Não dá para segurar mais.
A luz ainda não voltou. Eu abro a porta. São duas da manhã.
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