Reconhece as imagens? Respostas no fim do artigo.

Sete vezes… aberturas de séries

Maurício Sellmann Oliveira
Revista Salsaparrilha
13 min readJan 18, 2016

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Se há um tipo de arte pouco apreciado é a criação de aberturas de séries de televisão. Num espaço geralmente menor que um minuto, elas têm que introduzir a história, a atmosfera e os personagens por meio de uma sequência audiovisual que ainda consiga prender a atenção mesmo depois de vista dezenas de vezes. Deve cativar por si própria e, ao mesmo tempo, abrir o apetite para o prato principal. Trata-se daquele videoclipe que você assistirá repetidamente mesmo que não tenha pedido por isso.

Dá-se muita atenção — com razão — às aberturas de filmes, como as clássicas de Saul Bass (O Homem do Braço de Ouro), as dos filmes de 007 ou a de Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres. As de TV geralmente passam despercebidas, apesar de verdadeiras gemas serem tão criativas quanto as de cinema. Parecia um trabalho em extinção na telinha até que a era do cabo a ressuscitou. Os exemplos a seguir podem não ser unanimidades, mas representam tendências e formatos diferentes na maneira como abriram caminho para o que veio depois ou aperfeiçoaram o que veio antes.

1) Além da Imaginação (1959–1964)

“Você abre esta porta com a chave da imaginação. Além dela está outra dimensão — uma dimensão de som, uma dimensão de visão, uma dimensão da mente. Você está entrando numa terra de sombra e substância, de coisas e ideias. Você acaba de chegar Além da Imaginação.” (Rod Serling)

A série que revolucionou a teledramaturgia, mesclando o fantástico e o conto moral, também experimentou diferentes aberturas e sons. Na primeira temporada, a música-tema coube ao compositor favorito de Alfred Hitchcock, Bernard Herrmann, que contribuiria para a trilha de diversos episódios. Os produtores acharam que o tema de Herrmann era muito “pra baixo” e buscaram uma substituta para a segunda temporada. Encomendaram músicas originais, porém o criador da série, Rod Serling, preferiu uma montagem de duas composições do francês Marius Constant, “Étrange #3” e “Milieu #2”, feitas para a biblioteca musical genérica dos estúdios CBS. O resto é história. Mesmo quem não conhece Além da Imaginação, certamente já ouviu o estranho motivo bitonal de guitarra que abre o tema.

As imagens que acompanham a música de Constant também sofreram alterações ao longo de cinco temporadas. De simples pinturas de paisagens surreais (de Sam Clayberger), passando por um grande olho se abrindo no meio do nada, até chegar à icônica sequência de porta, janela se quebrando no céu, olho e equação — uma dimensão de som, de visão e da mente. Da versão inicial, ficou o famoso logotipo de Joe Messerli. O texto de introdução, sempre escrito e narrado por Serling, também evoluiu até chegar à versão citada acima, mas sempre tendo como gancho a ideia de que o espectador estava sendo levado em uma jornada para a “zona crepuscular” (twilight zone).

Apresentações narradas tornaram-se bastante populares nas décadas seguintes, em seriados célebres como Jornada nas Estrelas, A Quinta Dimensão e As Panteras. Caiu em desuso em meados da década de 80 — um dos raros exemplos recentes desta modalidade é a abertura de Law & Order: Special Victims Unit. Há também, claro, a inesquecível introdução de Riget, de Lars von Trier. Uma adaptação popular deste formato é aquela em que a letra da música faz as vezes de narração introdutória da história, como em Uma Família da Pesada, The Brady Bunch e A Grande Família. Na maioria destes casos, costuma-se lembrar somente da canção, não dos gráficos. Por outro lado, as introduções de O Prisioneiro e A Favorita contam a trama básica principalmente por meio das imagens.

2) Jonny Quest (1964–1965)

Contém a música-tema mais cool de todos os tempos, embora a concorrência seja dura. O veterano dos desenhos dos estúdios Hanna-Barbera, Hoyt Curtin, planejou o tema como um grande desafio para sua banda de jazz, no que parece uma eletrizante jam session. A composição resultante, sozinha, transmite a atmosfera de perigo, surpresa e ação da série original, que conta com design realista concebido por Doug Wildey (famoso quadrinhista de faroestes para a Atlas Comics, que daria origem à Marvel). Jonny Quest, para a qual ele também escreveu roteiros, era um desenho animado, exibido primeiro no horário nobre e depois para crianças, em que pessoas morriam emitindo gritos horríveis! O clima de seriados e filmes de aventura também se estendia às sombras e ao ritmo, capturados nesta introdução.

As imagens, tiradas em sua maioria dos episódios da série, casavam bem com o tema de Curtin: perseguições, seres fantásticos e explosões — os efeitos sonoros destas sequências acabavam complementando a música nos momentos certos. A certa altura, os personagens principais são introduzidos por letreiros, como se fossem atores do seu próprio filme de ação. Compare com a abertura de Missão Impossível (tema de Lalo Schifrin!) e diga se Jonny Quest não tem mais atitude. Ganhou um remake na década de 90, com excelente arranjo do tema, mas os gráficos computadorizados da introdução careciam da energia do original. Já a sátira Venture Bros, do Adult Swim, abre com uma ótima homenagem à animação da década de 60.

Uma interessante variação desse formato pode ser encontrada nos créditos de um seriado com gente de carne e osso, Strike Back, em que cenas dos episódios são transformadas em desenhos animados em tons de amarelo e vermelho (a mesma paleta também usada na abertura sombria de Luther). Casal 20 continha o mesmo híbrido de Jonny Quest: apresentação de personagens (só que narrada), cenas dos episódios e uma música fácil de grudar na memória.

3) Elas por Elas (1982)

Antes dos protestos, convém lembrar que uma telenovela brasileira é tecnicamente uma série, com um grande arco narrativo contado em número limitado de episódios. Telenovelas vivem e morrem mais pela empatia com os personagens do que pela trama em si, que atravessa meses nos quais, não raro, nada de importante acontece. A amizade entre sete personagens ao longo de duas décadas guia esta produção da Rede Globo. Hans Donner encontrou uma maneira simples mas efetiva para apresentar cada uma delas: uma cena de festa em preto-e-branco na década de 60, ao som do ieieiê inédito “Elas por Elas”, da banda The Fevers. Quando a câmera encontra uma das sete mulheres em sua versão jovem, a tela congela num flash. Então, a atriz que a interpreta na fase adulta sai, em cores, da foto e caminha para fora da tela.

Donner tinha predileção por texturas metálicas e computação gráfica pesada, o que fez a maioria de suas aberturas ficar datada. Elas por Elas seguiu o rumo contrário, envelhecendo bem porque se baseia, fundamentalmente, no bom e velho ser humano. No espaço de dois ou três segundos, cada atriz transmite o essencial de sua personagem com um simples mexer de cabelos, uma rodada de saia, um sorriso ou com os figurinos e maquiagem — tudo com criativa economia.

Introduções de séries centradas em um único personagem também lançam mão dessa estratégia, seja mostrando instantâneos do seu dia-a-dia (Borgen) ou realçando seu perfil psicológico por meio de ações aparentemente banais (Dexter) e objetos-chave (Nurse Jackie).

A bela introdução de Orange Is the New Black é uma curiosa variação do formato. Mostra uma coleção de rostos de presidiárias de verdade para sugerir que os dramas e alegrias das personagens da série poderiam ser de todas aquelas mulheres.

4) Os Simpsons (1989- )

Aberturas de animações costumavam obedecer a um de dois esquemas: canção-tema memorável mais cenas tiradas de episódios; ou uma sucessão de miniesquetes para apresentar os personagens. Os Simpsons levou o segundo formato adiante ao introduzir, de cara, toda a cidade de Springfield, onde se passa a ação, da escola à usina nuclear. O toque autoral vem de algo oposto à ideia tradicional de uma abertura. Para cada episódio, algumas das situações sofrem leves alterações — a mais vistosa é a frase que Bart Simpson é obrigado a escrever várias vezes no quadro da sala de aula.

O clímax é a chegada de toda a família Simpson ao sofá da sala, onde assistirão ao episódio na TV — uma homenagem à abertura de Os Flintstones. Os animadores se deram o desafio de inventar uma gag diferente para esta última cena, normalmente sem qualquer relação com o episódio onde seria exibida. Nas edições especiais para Dia das Bruxas, as chamadas Treehouse of Horror, toda a abertura ganha uma versão macabra. Em temporadas mais recentes, os produtores convidaram artistas famosos — como o diretor Guillermo del Toro ou o animador Don Hertzfeldt — para fazerem releituras totais dos créditos iniciais. A mais famosa e polêmica delas, do misterioso artista gráfico Banksy, mostra trabalhadores asiáticos executando a animação do desenho em condições de trabalho escravo e golfinhos mortos.

Logo, outras sequências de abertura passaram a variar seu repertório também. A de Fringe mudava de acordo com o arco narrativo da temporada ou para algum episódio importante. A de Justice League Unlimited incluía cenas dos heróis “especialmente convidados” para cada capítulo. No entanto, nenhuma delas supera a imaginação iconoclasta que torna a introdução de Os Simpsons um espetáculo à parte.

5) 24 Horas (2001–2010, 2014)

Talvez seja a escolha mais controversa desta lista. A fantástica (em mais de um sentido) série sobre um agente do governo que impede ataques terroristas um dia por ano ficou conhecida pela narrativa em tempo real — mas não só. A sua abertura era um híbrido de introdução, recapitulação e créditos. Começava com o logo digital sendo rapidamente formado, ao som de uma assinatura digital bastante reconhecível, seguido da frase “anteriormente em 24 Horas”. Tudo bem, mas um logotipo não é uma sequência de abertura. Ocorre que os minutos iniciais de cada episódio obedeciam à mesma linguagem visual, que os tornava uma unidade harmônica, por assim dizer.

A recapitulação de momentos-chave servia também para apresentar personagens e grupos relevantes na trama, introduzidos por seus nomes em letreiros. Este clipe de montagem eletrizante — valorizada pela trilha de Sean Callery e pela mixagem de som — continha transições por meio de cortes velozes e movimentos rápidos de câmera. Terminava com a frase “Os acontecimentos a seguir se passam entre … e … horas”, lida pelo astro da série, Kiefer Sutherland e mostrada na mesma fonte e animação do logotipo. Finalmente, os créditos de elenco e equipe técnica rolavam nas cenas iniciais, em esquemas de telas múltiplas. Quando o episódio efetivamente começava, o espectador já estava com a adrenalina no ponto. Infelizmente, não encontramos nenhum vídeo com toda esta sequência online, mas você pode conferir facilmente no início de todos os episódios disponíveis no Netflix.

Outro grande exemplo de crescendo de tensão por meio de sequência de créditos é The Walking Dead — a música de Bear McCreary começa já no fim da cena-prólogo. A nova versão de Battlestar Galactica fundia uma apresentação com letreiros explicativos e, em vez de uma recapitulação, um teaser das cenas daquele episódio em montagem vertiginosa, terminando de maneira brusca com o logotipo do seriado.

6) Roma (2005–2007)

Carnivàle é certamente a mais deslumbrante das aberturas de seriados da HBO. Game of Thrones, provavelmente, a mais popular. Ainda assim, por mais que as cartas de tarô da primeira ou as engenhosas miniaturas mecânicas dos reinos de George R. R. Martin sejam cativantes, esta abertura atinge o equilíbrio perfeito entre criatividade e funcionalidade.

Roma, uma co-produção com a BBC e a RAI, indicou o caminho de sucesso da fórmula sexo-e-sangue a ser seguida pela HBO dali em diante. Os créditos já indicavam que esta saga sobre a Roma Antiga, ambientada entre o fim da República e a ascensão do imperador Otávio Augusto, seria algo diferente. Em paralelo às intrigas palacianas, a série oferecia um olhar pelas ruas e estratos inferiores da capital do império. Propunha-se um olhar novo sobre um período histórico muito revisitado no cinema, mas especialmente sobre uma cidade que comandou imaginações. Angus Wall e companhia resolveram partir, então, de pesquisas recentes que haviam encontrado resquícios de pichações e pinturas nas paredes de sítios arqueológicos. Sim, Roma não era colunas brancas e mármore lavado como nos filmes épicos antigos, mas um lugar cheio de cores. O tema propulsivo do compositor Jeff Beal dava o compasso de uma metrópole que borbulhava com novidades a cada esquina: instrumentos de sopro logo ganham a companhia de uma batida eletrônica e, finalmente, de um coral marcial.

A sequência de títulos atentava para tudo isso. Em vez de ambientes imaculadamente brancos ou beges, as cores vivas que cobriam os antigos prédios e templos. No lugar dos corredores do poder, os becos, esquinas e mercados por onde andava o povão. As pessoas se tornam borrões enquanto os desenhos nos muros e paredes ganham vida para contar a história da cidade — e também do seriado. Em meio às pichações em latim, pode-se ver um “nobreza” seguido de um irônico “miséria nossa”. Um desenho de um homem com um falo gigantesco destaca-se sobre a palavra “arma”. Medusa balança suas serpentes e cenas de guerra mancham de vermelho as paredes. Por fim, um calendário romano num mural que mudava à medida que a série avançava: no vídeo acima, do episódio-piloto, olhos mais aguçados verão que os meses de julho e agosto estão ausentes, pois a narrativa começa antes dos primeiros césares.

Wall pode ser considerado um moderno Saul Bass da TV. Foi um dos responsáveis pela já mencionada abertura de Carnivàle (vencedora do Emmy). Depois, na produtora Elastic, faria trabalhos para Game of Thrones e True Detective, entre outras. Como em Roma, ele usa computação gráfica de forma discreta, como um suporte da animação de suas sequências de crédito e não como um fim em si.

Psi, com sua São Paulo formando padrões à medida que um psicanalista caminha por ela, e True Blood, com instantâneos das esquisitices do estado norte-americano da Louisiana, onde se passa a ação, também apostam na introdução da trama por meio da coloração do lugar. Downton Abbey passeia pelos jardins e corredores da mansão do título, como se a propriedade estivesse sendo aberta para receber os visitantes/espectadores. O desenho animado Bojack Horseman encontrou um meio-termo ao descrever o personagem principal por meio de seu ambiente.

7) Les Revenants (2012–2015)

Esta é uma obra de atmosfera acima de tudo. A série francesa conta a inexplicável volta dos mortos com a mesma aparência do dia em que morreram, numa cidadezinha à beira de uma represa numa região montanhosa. Ducruet evoca o contraste de vida e morte — como o gato saltando para apanhar uma mariposa em frente a uma parede de animais empalhados, ou os animais mortos no fundo do lago onde se movem cardumes de peixinhos — em elegantes sugestões que fazem o espectador querer ver tudo outra vez. Os conflitos e dramas da trama aparecem por meio de truques simples ou sutis em imagens onde a água é elemento dominante.

Ducruet não se limitou a inserir cenas já filmadas para os primeiros episódios: ele as manipulou para criar uma sensação de claustrofobia e mistério. Veja-se, por exemplo, a cena com o garoto Victor. No original, ele estava enquadrado no meio da estrada contra um fundo de nuvens. Para a abertura, o designer cobriu o céu com a paisagem montanhosa para dar um ar opressivo à imagem e afastou o personagem para o fundo do quadro, fazendo-o parecer mais pequeno e indefeso. Do outro lado da tela, ele inseriu um buquê de flores na amurada (para marcar o local de um acidente?). Tendo acesso aos atores e equipe técnica do seriado, filmou cenas adicionais em que realça pontos da trama e dos personagens da forma mais discreta possível. Por que a represa está rachada? O que é aquela sombra de um personagem? Quem aparece no reflexo da poça d’água? A música ao mesmo tempo delicada e ameaçadora de Mogwai completa o clima de inquietude desta sequência de um minuto apenas.

Composição da sequência de Victor na abertura.

Perturbar — e mesmo entregar uma surpresa da primeira temporada — é também a função da apresentação de Penny Dreadful. A preferência pelo realce da atmosfera se faz presente em quatro grandes aberturas: Agente 86, Arquivo X, Mad Men e A Sete Palmos.

Certamente, deixei algumas de suas aberturas favoritas de fora. Considere esta lista uma pequena exposição para atiçar sua curiosidade. Um bom lugar para continuar sua visita é o site Art of the Title, com matérias e entrevistas com criadoras de aberturas para TV e cinema. Este artigo é a nossa contribuição para você prestar mais atenção no trabalho que vai naquele minuto e meio que antecede o seu programa favorito. Abrir uma porta também requer estilo.

Para os curiosos, a sequência na foto de abertura, da esquerda para a direita e de cima para baixo: (1ª fila) Além da Imaginação, A Favorita, O Prisioneiro, True Detective, Dexter; (2ª fila) Mad Men, Casal 20, Borgen, Arquivo X, The Brady Bunch; (3ª fila) A Sete Palmos, The Venture Bros., Elas por Elas, As Panteras, Os Simpsons; (4ª fila) Luther, Carnivàle, Agente 86, Nurse Jackie, Riget; (5ª fila) Les Revenants, Jornada nas Estrelas, Game of Thrones, Downton Abbey.

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Maurício Sellmann Oliveira
Revista Salsaparrilha

PhD in Latin American Cultural Studies at the University of Manchester. Só por curiosidade. Também encontrado no Almanaque Semanal (Substack).