A poética do escritor: um caminho marcado por palavras

Gabriella Salame
Revista Sketchline
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5 min readSep 8, 2017

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por Gabriella Salame e Geovana Mourão

Com roupas em tons claros, o clássico óculos redondo no rosto e a característica barba, o grande escritor paraense abre as portas do lar em uma tarde ensolarada de quinta-feira. A ampla sala, cheia de quadros nas paredes e com uma máscara vermelha peculiar atrás de sua porta — segundo o escritor, é um presente recebido durante uma apresentação japonesa no Teatro da Paz, onde o dançarino retirou-a do rosto e ofereceu a ele — foi onde sentamos e nos acomodamos para a entrevista.

João de Jesus Paes Loureiro nasceu em 23 de junho de 1939, em uma cidade ribeirinha chamada Abaetetuba, às margens do Rio Tocantins, no Pará. O escritor, que já recebeu diversas premiações ao longo de sua trajetória, como o prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte, já foi professor de Estética, História da Arte e Cultura Amazônica, na Universidade Federal do Pará; professor-mestre em Teoria da Literatura e Semiótica da PUC/UNICAMP, São Paulo e é doutor em Sociologia da Cultura pela Sorbonne, na França.

Considerando-se produto da cultura ribeirinha, Paes Loureiro escreveu seu primeiro poema ainda criança, aos 11 anos de idade. Tão novo já tinha correndo no sangue o gosto pela poesia. Tão novo também enviou esse poema em maio, em homenagem ao dia das mães, e ganhou como prêmio da revista infanto-juvenil Estrela, na época distribuída nacionalmente, uma publicação no mês seguinte. “No mês de abril, quando chegou, para minha surpresa, era o meu poema que tinha sido premiado e estava publicado ”, diz.

Ler e escrever faz parte da vida de Paes Loureiro há um longo tempo. Jovem, decidiu morar em Belém e estudar no Colégio do Carmo, onde boa parte das pessoas que vinham do interior, como ele, ficava para estudar. Ele atualmente se considera sortudo, já que o colégio tinha um bom projeto educacional e cultural para aquela época, apesar de ter ideologias um pouco preconceituosas relacionadas ao aspecto comportamental, como as restrições de leitura, por exemplo.

No internato do colégio, tinha o hábito de pegar livros emprestados de um amigo, já que não podia guardar. Mesmo em meio a uma mentalidade salesiana e a estas restrições, o ávido amante de literatura chegou a pegar a obra “Madame Bovary“, um caso de adultério e uma das obras primas da literatura francesa. “Quando eu fui surpreendido, quase fui expulso, era uma contravenção”, conta em meio a risos.

Sua primeira formação foi no curso de Direito. A faculdade de Letras iniciava sem registro e tinha pouca divulgação. Como gostava de ler e escrever, a indicação foi para Direito. O professor e advogado, graduado neste curso, podia lecionar literatura, podia lecionar história e podia lecionar alguns outros temas culturais.

É fácil perceber o gosto do escritor pelo magistério. Com o tempo, ele conquistou a licenciatura em letras, o mestrado, o doutorado e o pós-doutorado. “Através da juventude de cada turma e eu me relaciono muito bem com meus alunos, sempre, desde o começo, tenho uma relação que considero excelente e uma relação que me entusiasma, me ensina a compreender novas realidades, novos tempos”, explica. Para ele, o Direito tem um tipo de relação muito pragmática, muito objetiva com a realidade. Carlos Drummond de Andrade escreveu “Os lírios não nascem da lei”.

Desde a faculdade de direito escrevia o primeiro livro de poesias, intitulado “Tarefa”, que carregava poemas sobre a liberdade, sobre a igualdade e contra o racismo. A edição foi guardada na União Acadêmica Paraense e infelizmente encontrada e denominada subversiva pelos militares na época da ditatura militar. O livro seria lançado na época de um congresso Latino-americano pela reforma universitária que estava acontecendo em Belém. A obra seria lançada exatamente em dois ou três de abril, mês em que ocorreu o golpe militar, instalando a ditadura no Brasil. Tudo foi levado, tudo foi entregue a Marinha e destruído. “Como tudo foi quebrado na invasão, todos nós corremos pelos quintais, corremos para fugir e não sermos presos. Todos os papéis, todo o material que tinha na sede foi levado pela tropa que tomou conta da UAPE”, lamenta o escritor. Os escritos do poeta deixaram de existir em matéria e passaram a ser um conglomerado de memórias.

Sem dúvidas, a esposa Violeta esteve presente em muitos momentos de sua vida. Após fazer algumas fotos, peguei a câmera para guardar e ele compartilhou que já teve uma câmera com filme de 12mm, em que era necessário virar o filme em uma sala escura para continuar fotografando. Com essa câmera, eram feitos filmes e as cenas eram organizadas por ele e por Violeta. “Eu cortava os quadros do filme e ela numerava”.

Durante uma festa de aniversário do poeta, foi Violeta quem fez uma grande surpresa que marcou e o emociona muito até hoje: reuniu os amigos e, às 10 horas da noite, anunciou o lançamento de uma edição fac-similar do livro “Tarefa”. No prefácio, escrito por ela, havia a história do único exemplar que foi salvo e abandonado em um pacote na porta da antiga casa em que moravam. Ele sabia da história, porque encontrou o último livro no pacote com uma carta, mas não esperava aquilo no dia. “É quase como se tivesse ficado uma coisa meio mitológica pela maneira como tudo ocorreu”, comenta.

Além do livro Tarefa, João de Jesus Paes Loureiro escreveu mais livros de poesia, romances, sendo o primeiro intitulado “Café Central: tempos submersos no espelho”, peças de teatro, crônicas, textos acadêmicos e também foi protagonista em uma telenovela. Foi ator porque, para escrever peças teatrais queria ter a experiencia do palco, a experiência, no caso, dentro da televisão como ator para que, ao escrever os diálogos, a estrutura das peças pudesse escrever algo em que teve experiencia. E as pessoas também o reconheciam por Belém. “Eu passava pelas ruas e aí as pessoas diziam ‘olha, lá vai o José’, foi uma experiencia muito legal”.

Ele tem uma boa relação com o público e principalmente com os novos escritores, os que estão escrevendo as primeiras obras. A convite de alguns, chegou a escrever prefácios e mantem uma relação fraterna com todos. Mas com o público geral, não há um retorno tão próximo. “O livro é um pássaro solto no mundo, então ele voa e pousa no coração do leitor. Mas a gente nunca sabe em qual foi o coração que ele pousou”.

“Eu penso que quando eu caminho sobre o túnel de mangueiras, eu também estou caminhando nos túneis de mim mesmo, da minha alma”. Paes Loureiro respira poesia do início ao fim. Todo o seu trabalho carrega traços poéticos. Ele acredita que o poeta tem que habitar poeticamente o mundo, não como forma de devaneio interminável, mas ao olhar a realidade. Nas manhãs de caminhada na praça Batista Campos, por exemplo, ele olha o cantar dos passarinhos, as garças pousando e voando, as árvores, os lagos e as pessoas de forma poética.

O que vive resulta em poesia. Seu processo criativo existe em função de tudo o que acumula: experiência emocional de relações com o amor, com a solidariedade, com a leitura dos livros, com reflexões e a busca de encontrar sempre novas formas de poesia. “Tudo isso vai se acumulando dentro de mim, como se fosse uma substância, um fermento para a intuição criadora”. Aos 77 anos de idade, João de Jesus Paes Loureiro segue na literatura e ainda escreve romances. Futuramente pode ser publicado mais um que, intrinsicamente, carregue pedaços dele mesmo.

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Gabriella Salame
Revista Sketchline

Especialista há 6 anos em produção de conteúdo. Documento experiências e perspectivas individuais.