É desonesto igualar Lula a Bolsonaro

Edson Amaro De Souza
Revista Subjetiva
Published in
4 min readJul 30, 2020

Começo dizendo que, no primeiro turno, votei em Ciro Gomes, porque não quero o PT de volta. No segundo turno, tendo de escolher entre um ex-prefeito de São Paulo, ex-ministro da Educação, mestre em Economia e doutor em Filosofia e um desqualificado que, após 28 anos como deputado, sendo dos mais faltosos, disse no “Roda Viva” não entender nada de Economia, tendo já cuspido no busto do deputado Rubens Paiva no dia em que foi inaugurado — na presença da viúva e dos filhos do homenageado — e elogiado o torturador Brilhante Ustra na noite do impeachment da Dilma para zombar do sofrimento dela, votei no Haddad. Aliás, chegamos a esta situação deplorável porque tudo foi permitido para apear o PT da Presidência: em nome dessa permissividade, esse deputado que elogiou um torturador não saiu algemado da Câmara e hoje é presidente, torturando todos os dias os números para que eles não digam a verdade para a qual existem.

Sim, há fanáticos defendendo Lula e fanáticos defendendo Bolsonaro, mas vejamos além do fanatismo. Lula se elegeu prometendo três refeições na mesa dos brasileiros. Era a época em que a campanha contra a fome do Betinho galopava pelo Brasil e a toda hora tínhamos eventos (shows, peças de teatro, missas, ensaio de escolas de samba etc.) arrecadando alimentos para os famintos. Lula foi eleito numa onda de solidariedade. “A esperança venceu o medo”, disse um sambista, rindo do discurso de Regina Duarte, que tentou causar o pânico no eleitorado.

Bolsonaro foi eleito numa onda de ódio. Seu símbolo era a arma. Ele pegou o tripé de um cinegrafista no Acre e simulou uma metralhadora dizendo que iria “metralhar a petralhada”. Jesus de Nazaré ensinou no Sermão da Montanha (quem duvidar leia o Evangelho de Mateus, cap. 5. Aliás, leia logo os 4 Evangelhos, pare de esperar as migalhas bíblicas que padres e pastores soltam nas igrejas): “Bem-aventurados os que promovem a paz, pois serão chamados filhos de Deus”. E na Marcha para Jesus, ele e incontáveis fanáticos fizeram sinal de arma com as mãos, celebrando o ódio, o contrário do que Jesus de Nazaré ensinou.

O PT sempre foi acusado de querer censurar a imprensa e instaurar uma ditadura. Lula e Dilma jamais impediram a presença de jornalistas de O Globo, da Folha de São Paulo ou de qualquer outro órgão nas suas coletivas. (E o Brasil é tão subdesenvolvido que, quando o presidente restringe a presença de jornalistas de uma empresa, os outros entram para a coletiva. Boris Johnson quis fazer o mesmo na Inglaterra e ficou falando sozinho, pois todos os jornalistas se retiraram, pois entendem que é seu dever defender a liberdade de informação.) Aliás, Frei Betto, um dos idealizadores do programa “Fome Zero”, anda pelo Brasil fazendo palestras e queixando-se que o governo Lula despejava rios de dinheiro para os grandes veículos de imprensa que o combatiam, mas para publicações de esquerda, como a revista “Caros Amigos”, o dinheiro caía em conta-gotas. Uma única propaganda da Caixa Econômica garantia vários meses de circulação da revista, da qual ele, Frei Betto, era colunista, mas ele tinha que implorar muito para obter esses trocados.

Quando foi que militantes petistas foram às ruas exigir o fechamento do STF e do Congresso?

Quando foi que um ministro da Educação dos governos petistas ofendeu os universitários, chamando-os de baderneiros ou acusou as universidades de serem extensas plantações de maconha?

A construção da hidrelétrica de Belo Monte, para satisfazer a ganância da Odebrecht, financiadora não apenas da campanha de Dilma Rousseff mas também de vários concorrentes — a megaempresa apostava em todos — foi um crime ambiental — um país como nosso não precisa de monstros assim; deveríamos investir em energia solar. Os arquivos da ditadura nunca foram abertos como se fez em todos os outros países latino-americanos que tiveram ditaduras miliares. Pouco se fez pela reforma agrária. Lula apoiou Sergio Cabral, que agora está na cadeia, e Marcelo Crivella, que agora quer abrir templos no meio de uma pandemia mortal. Mesmo assim, a ascensão social que ele promoveu, inserindo tantos negros nas universidades; o crescimento econômico que tivemos em seu governo, o que reduziu em muito os índices de desemprego; as boas relações internacionais estabelecidas fazem com que ele seja celebrado ao redor do globo e já tenha recebido 36 títulos de doutor honoris causa.

Agora me digam que universidade homenageará Bolsonaro? Sim, Chico Buarque realmente merece o prêmio Camões, mas quanto há na decisão de premiá-lo o desejo de afrontar Bolsonaro? Lula tem a seu lado uma extensa lista de artistas, cientistas, pensadores e intelectuais não apenas lusófonos e quem quer posar ao lado de Bolsonaro senão artistas decadentes e profissionais da ignorância?

Jandira Feghali disse certa vez, na época do processo de impeachment, que Dilma não estava sendo punida por seus erros, mas por seus acertos. Lula não é combatido porque a tuberculose continua a reinar na favela da Rocinha, mas porque há negros com título de doutor; ele não é odiado por ter dificultado a vida dos índios da bacia do Xingu com a construção de Belo Monte, mas por ter permitido que muitos índios sobrevivessem dentro da reserva Raposa-Serra do Sol; ele não é demonizado por ter fechado uma só igreja, mas por ter colocado a cultura afrobrasileira no currículo escolar.

Discordemos do PT, acusemos os erros de Lula e Dilma, mas o façamos honestamente.

--

--