É melhor Jesus tomar cuidado

Lucas Campelo
Revista Subjetiva
Published in
6 min readApr 11, 2018

Se você mora numa cidade grande, não é muito difícil ver por aí pichações que profetizam a volta de Jesus Cristo. Pelo Rio de Janeiro, já encontrei várias. Algumas se arriscam a dar, inclusive, o ano exato, “Em 2070, Jesus voltará”, e com um pouco de informação a mais, já poderia ser um encontro marcado com a Fátima. Já outras chegam a reivindicar uma teocracia, “Bíblia SIM, Constituição NÃO”, com direito a um pequeno adendo de “não somos maçons” — como se essa fosse a minha maior preocupação sobre o autor.

Fonte: Google.

Pode parecer algo bobo, a maioria das pessoas, provavelmente, quando passa por essas mensagens, não dá muita importância. Mas, o fato é que as ruas falam, seja algo absurdo, seja algo sensato. E, não menos importante, as ruas falam para todo mundo. Para a preta favelada e o policial militar, para o zelador e a presidente da empresa, para o morador de rua e o pastor, qualquer um pode passar pelo centro da cidade e dar de cara com aquela mensagem, aquele rabisco ou aquela arte. E, como já foi falado, pode gerar identificação ou descaso, mas o certo é que a mensagem vai estar lá e, de alguma forma, expressando um sintoma social.

Protesto contra a ação do prefeito João Dória de condenar as pichações de rua. Fonte: Google.

Então, resolvi aceitar o convite da pessoa que profetiza a volta de Jesus e mergulhei no absurdo. Por um momento, imaginei como seria se essa pessoa estivesse certa, se, de fato, Jesus Cristo voltasse. Não levei nem 5 minutos para concluir que se isso acontecesse, Jesus estaria muito ferrado. Mas, muito mesmo. Era melhor ele ficar quieto, no canto dele, com todo respeito.

Recentemente, na coluna do Lauro Jardim, do jornal O Globo, foi falado sobre uma pesquisa do Ibope, feita entre 22 e 26 de fevereiro, com 2.002 pessoas em todo o país. Nela, é visto que metade da população brasileira aceita que “bandido bom é bandido morto”. Somam 50%, os que “concordam” ou “concordam totalmente”, enquanto apenas 37% são contra esse tipo de solução. E a parte que mais nos interessa aqui é que 52% dos católicos e 44% dos evangélicos são completamente a favor da ideia.

Se não me falha a memória das aulinhas de catequese, o mais irônico disso é que Jesus também foi julgado, condenado e morto como bandido. Veja bem, antes que digam que estou defendendo criminosos e elevando eles ao status de messias, já antecipo que não é nada disso. Até porque na narrativa de Cristo, ele foi condenado injustamente, enquanto um ladrão só é ladrão quando burla a lei e, portanto, merece uma punição, pautada nos direitos humanos, cabíveis às atitudes dele. E é aí que mora minha comparação, tanto um quanto outro tiveram o mesmo destino. Destino esse que nenhum ser humano, por mais fora-da-lei que seja, merece ter. Destino que se fantasia de solução, mas é a espetacularização da morte como resposta para a falta de segurança pública. E o que era a crucificação, senão um grande espetáculo para as massas se sentirem vingadas, calmas e aliviadas. Era a punição final para os criminosos, tanto que Jesus foi crucificado ao lado de dois ladrões — um deles perdoado pelo próprio Jesus. Era o “bandido bom é bandido morto” aplicado naquela época. Uma solução falsa para criar a ilusão no povo de que a ordem estava garantida. Enquanto isso, as pessoas continuavam a roubar porque tinham fome, continuavam a cometer outros crimes, pois não tinham educação e continuavam a se submeter a esses delitos, porque o medo da crucificação não era maior que a miséria. A tortura de viver naquela infraestrutura social era pior que a tortura da pena de morte. Me diga qual é a diferença dessa “solução” para aquela proposta por 52% dos católicos, que basicamente se sentem satisfeitos com um moleque de rua preso num poste enquanto sofre agressão, que se sentem bem com um bandido executado por forças armadas, que sente que o traficante vai “aprender a lição” se for morto.

Meme como referência ao programa humorístico Choque de Cultura. Fonte: Google

Imagina o choque dessa galera, que esperava um Jesus justiceiro ter que lidar com um cara que perdoa ladrões, putas e traidores. Um cara que entende que o problema está nas mazelas da infraestrutura social e foi preso, justamente, por se revoltar contra isso. Imagina o absurdo que vai ser Jesus Cristo, em 2018, ter que falar que Jerusalém do ano 33 não era modelo de segurança pública. E aí, ele teria que publicar no Twitter um grande “Salve, galera. Então, mais da metade de vocês não entendeu NADA do que vocês pregam”.

Só aí, Cristo teria que lidar com bispos que se aproveitam da falta de educação do povo, políticos que vivem dessa mentalidade primitiva e, um fator novo que Jesus não teve que lidar na sua época, com uma mídia que se alimenta do espetáculo. Eu não duvido nada que numa Record da vida, com a maioria dos cristãos aplaudindo, surgiria uma manchete do tipo “Volta de Jesus, na verdade, é o Anticristo querendo nos enganar”. E, então, Cristo iria a julgamento, acusado de falsidade ideológica. Não faltariam jornalistas pedindo por provas e eles pediriam por milagres, claro, porque isso renderia manchete. Ele tentaria provar e, meio sem saco, faria uns milagres, transformaria água em catuaba, multiplicaria o pão de alho ou faria do Muralha o melhor goleiro do mundo, mas ainda assim surgiria algum padre famoso para dizer que era bruxaria. E no final das contas, ele poderia até mostrar a carteirinha, emitida pelo Detran, de filho de Deus, mas o processo não iria pra frente. Isso porque o bispo já teria feito um acordo com o Supremo, com tudo.

E quando Jesus perdesse a cabeça — porque ele também é filho Deus, né — , ele provavelmente iria dizer que aquilo era uma perda de tempo, todo aquele julgamento era um grande espetáculo para distrair o povo, a fim de manter um sistema que se respalda na desigualdade social. Então, o filho de Deus dará uma bela chicotada no mercado, assim como ele fez com a galera que tentava comercializar no Templo de Jerusalém. Mas agora os tempos e templos são outros, ele não vai mexer com comerciantes locais, ele vai mexer com donos de bancos, igrejas, empreiteiras, donos de TVs.

Com esse papo de venha a mim todos os pobres, eu não sei se ele concordaria com uma intervenção militar na segurança pública, que trata as favelas como zona de guerra. Jesus falaria que a galera que mantém o tráfico está bem longe do morro, aquilo ali é só pobre matando pobre, solado pé-rapado matando ladrão de galinha, que vai ser substituído por um aviãozinho, que vai matar esse soldado pé-rapado. Jesus vai falar que não adianta peão matar peão, que não se dá xeque-mate sem mexer em torres de UPP’s, em bispos Macedos, em reis e rainhas do Planalto.

Integrantes da bancada da bala, Alberto Fraga(DEM-DF) e Jair Bolsonaro. Fonte: Google.

Sem resposta, 52% dos católicos e 44% dos evangélicos vão perder a cabeça. E não é muito raro alguém puxar uma arma quando perde a cabeça. Por aqui já vemos isso em brigas no trânsito, em discussões em bares, com o cara que não aceita a mulher não querer nada com ele. Imagina com o seu salvador, seu messias, seu símbolo de esperança metendo o dedo na sua cara e falando: “você tá completamente errado”. Não demoraria muito até alguém meter uma bala na cabeça de Jesus Cristo e, pelas estatísticas, eu não duvidaria que o assassino fosse cristão. Por isso, eu falo, é melhor Jesus ficar quieto, no canto dele, que ele ganha mais.

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