13 Reasons Why: A visão de uma Hannah.

Aviso de Gatilho/TW: Suicídio, depressão, distúrbios alimentares, alcoolismo.

Isapatônica
Revista Subjetiva
7 min readApr 7, 2017

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Hannah Baker (Katherine Langford) — 13 Reasons Why

Todos estavam falando sobre a nova série da Netflix: 13 Reasons Why. Não sabia sobre o que era, mas estavam todos elogiando, e pelo trabalho da plataforma, que tem feito ótimas séries, resolvi assistir.

Péssima ideia.

Pensei em falar sobre isso em Setembro, conhecido como “Setembro Amarelo”, que é o mês tido como prevenção ao suicídio. Essa série fez com que eu precisasse falar agora e pensei: "Por que só em Setembro? Precisa ter texto sobre isso o tempo inteiro".

Então lá vem: a minha história, ou era assim que eu via, o que me definia, o que me reduzia, aquilo que eu era. Até hoje, às vezes, me vejo e me defino assim. É difícil. Contudo (me desculpem pela citação clichê de A Culpa é Das Estrelas mas, o livro é ótimo e tem ótimas frases), Augustos responde para Hazel, quando ela diz que o câncer a define, que aquilo era apenas uma parte da história dela e não quem ela é. Isso é importante.

Dia 11 de março de 2013

Eu já estava no limite, já havia pensado sobre esse momento milhões de vezes, nesse dia tinha certeza do que queria: não sentir mais nada, não viver mais um segundo, não sentir dor, nem os pequenos momentos de alegria que me davam esperança até que a dor os alcançasse em segundos.

Estava totalmente deslocada na merda que é o Ensino Médio, odiava meu corpo, odiava meu rosto, odiava minha aparência, minha personalidade, eu mesma. Odiava o mundo, as pessoas, tudo. Com o tempo, o ódio passou a ser indiferença e depois passou a ser nada. Nada, era o que eu sentia. Nos momentos bons, nos momentos ruins, eu sentia nada. Eu já estava morta, só que por dentro, e para mim, ninguém percebia ou se importava.

Perdi a aula, como de costume, após minhas insônias em que conseguia dormir algumas poucas horas antes do despertador tocar. Acordei no susto. Coloquei o uniforme e saí correndo. Tentei, eu tentava, mesmo sabendo que não ia dar certo, mesmo sabendo que iria me decepcionar. Fui barrada, lógico.

No caminho de volta comecei a pensar em tudo, de estar o tempo inteiro me decepcionando e decepcionando os outros, que não me importava se eu estava viva e os outros também não, que a vida de todos seria muito melhor sem mim, a problemática, a que faz tudo errado. A que não é bonita, nem muito inteligente, nem engraçada, nem de muitos amigos, nem de interesse dos garotos, aquela ali que só estava lá pelo simples motivo de estar. Mas eu não precisava estar.

Cheguei em casa, fiz como já tinha pensado todas aquelas vezes: queria morrer de um jeito indolor, diferente da vida, como se estivesse entrando num sono de sonho eterno, provavelmente muito melhor que a realidade. Peguei todos os comprimidos que haviam em casa, todos, e engoli. Já havia arrumado meu quarto, pensei em escrever uma carta, mas lembrei que ninguém se importava. Estava arrumada para morrer com um perfume de rosas que lembra cheiro de espinhos.

Sentei na cadeira da sala, não sei bem o porquê de ser lá, e esperei o fim.

Tempo depois minha mãe acorda e me vê naquele estado, entra em pânico, e dá um jeito de me levar pro hospital. Engraçado, pensei, ninguém se importa comigo, nem mesmo eu, por que tudo isso?

Lá fomos nós para a emergência, tive que fazer lavagem estomacal, não lembro quanto tempo demorou, para mim, parecia que nunca ia acabar. Lembro das enfermeiras assustadas pela quantidade de baldes que precisaram e comentarem entre si que nunca viram alguém com tantos remédios no organismo.

Depois disso, fizeram curativos nos meus recentes cortes nos pulsos e me deixaram um tempo sozinha enquanto tentavam contatar minha psicóloga e um psiquiatra. Sim, eu fazia terapia, falava para ela que estava mal, que eu não aguentava mais e tudo só piorava, que não queria mais viver. Drama adolescente, né? Apesar de ser a segunda causa de morte mais comum da faixa etária de 15 aos 29 anos, nós não somos levados a sério quando falamos esse tipo de coisa. Talvez por isso as estatísticas.

De qualquer modo, naquele tempo sozinha veio a vergonha e pensei: "Pior que tentar se matar é não conseguir e ter que conviver com isso pro resto da vida". Que merda. E agora? Eu tentava de novo? Vivia com isso? Contaria pra alguém? Seria esse meu segredo mais sombrio pro resto da vida?

Chegou o psiquiatra, passamos 5 horas ou mais conversando, contei minha vida inteira para ele, aquele cara que eu mal conhecia me mostrou mais empatia do que praticamente todas as pessoas em minha vida. Falei tudo, mesmo, do alcoolismo do meu pai, das brigas feias com a minha mãe, de ser excluída volta e meia na escola por algum motivo e depois torcer e esperar para ser "desexcluída", dos dísturbios alimentares, que contei no meu primeiro texto. Tudo.

Passei a tomar remédio para depressão grave e fazer terapia duas a três vezes por semana. O remédio era tão forte que me sentia dopada o tempo inteiro, não me admira que demorei tanto tempo para buscar ajuda depois. Foi uma merda, mas uma merda que eu não sentia, dessa vez não pela depressão e sim pela alta dosagem.

O que isso tudo tem a ver com a série 13 Reasons Why? Simples, o olhar de quem sentiu tudo aquilo que Hannah sentiu, apesar de experiências de vida totalmente diferentes, e assistiu a série inteira.

Meu primeiro pensamento foi: "Quem é o sádico que criou essa merda?". A série não é um gatilho pra quem tem depressão, pensamentos suicidas ou pra quem já teve, ela é um fuzil apontado na sua cabeça te lembrando ou relembrando tudo aquilo que você sente ou sentiu.

Meu segundo pensamento foi que finalmente agora as pessoas vão ver o que se passa na cabeça de uma pessoa com depressão. Nem sempre da para ver claramente pelo que ela está passando e que pra uma pessoa nesse estado as pequenas coisas importam, não é drama, é acumulo, é mais um peso para nos afundarmos.

Depois que terminei a série, e confesso que foi bem masoquista ter assistido ela inteira, só tenho três críticas: a primeira é POR QUE NÃO COLOCARAM AVISO DE GATILHO PARA PESSOAS COM DEPRESSÃO OU QUE JÁ PASSARAM POR ISSO DESDE O PRIMEIRO EPISÓDIO, MEU SENHOR. Que puta irresponsabilidade, com o alcance deles, espero que não aconteça, mas tem ideia da quantidade de gente que pode sofrer recaída? Tem ideia da quantidade de gente que pode tentar de novo? Tem ideia da quantidade de gente como eu, que mesmo medicada, com acompanhamento psiquiátrico e psicológico, e bem há um bom tempo, vai sofrer só de ver um episódio?

A série é MUITO pesada, muito, muito mesmo, no começo não parece, mas é. Se você passa ou já passou por isso eu recomendo fortemente que não assista, não assista, não assista, por favor.

A segunda crítica é que durante toda a série a doença de Hannah é tratada apenas por acontecimentos externos. Doença sim, depressão é doença, igual gripe, igual amigdalite, que precisa de remédios e acompanhamento. Na verdade, doenças psicológicas são muito piores que as físicas, que saber o motivo? Além de ninguém levar a sério o fato de ser realmente uma doença e, por conta disso, ela trazer vergonha e medo de pedir ajuda, ela pode deixar a pessoa com sequelas em um nível que (spoiler) mesmo quando Hannah tenta ficar com Clay, ela não consegue mais, ela não tem mais a capacidade psicológica e emocional. Clay, um cara super fofo, que se importava com ela, que a tratava bem, que a amava. Provavelmente não ia dar certo, não no estado em que ela estava, não sem a ajuda que ela precisava. Veja, os acontecimentos na vida dela foram apenas intensificando a doença que já estava lá, aquela que começa com a pequena sensação de isolamento, e se ela tivesse recebido acompanhamento desde cedo talvez aquilo tudo não tivesse acontecido, talvez ela não chegasse ao ponto suicida.

A terceira é que o tempo inteiro falam das pessoas da vida de Hannah como possíveis salvadores, curadores de todas as mágoas e tristezas. Lógico que ela precisava de amigos e que eles poderiam ter ajudado, é paradoxal, mas nenhum deles matou ou poderia ter salvado Hannah Baker, podem ter contribuído para que ela se afundasse, mas não a mataram. As únicas coisas que poderiam salvar Hannah eram ela mesma, acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Aqueles que eram amigos dela poderiam ajuda-lá, incentiva-lá a buscar ajuda, a tomar remédios, a fazer com que ela não se sentisse fraca por precisar de ajuda. Salvá-la? Não.

Apesar desses pontos de extrema importância, há um elogio e um pedido bem forte, para aqueles que não passam ou passaram por isso, assistam a série. Assista quem quiser e sabendo que ela é pesada, não só para quem tem distúrbio psicológico, para qualquer um. No início não parece, mas essa é a intenção, ela vai ficando cada vez mais densa, cada vez mais pesada. Se te fizer mal PARE de assistir, não vale a pena.

Entretanto, se assistir, repare, ouça, como disse Hannah, você está prestes a entender parcialmente o que se passa na cabeça de pessoas que sofrem de depressão. Por conta disso, a série tem seu mérito, a conscientização é de extrema importância. Aliás, caso você seja homem, eu te peço, assista a série porque não só você vai entender a depressão como vai ver como o machismo do dia a dia afeta uma mulher.

É isso, gente, a série peca ao não pensar em avisar desde o primeiro episódio que é uma série pesada e que pode servir de gatilho para quem sofre ou sofreu depressão, para quem tentou se matar. Apesar disso, ela tem seu lado bom. Assim como a vida, eu acho.

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