5 obras literárias para entender a abolição da escravidão no Brasil

carolina
Revista Subjetiva
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4 min readJul 30, 2020

Listinha de romances e contos para ler e entender o racismo e as questões étnico-raciais que passaram a existir no Brasil no pós-abolição da escravidão, ou seja, a partir de 1888. Decidi não colocar livros escritos por historiadoras/es. Estão aí romances, contos literários e ficcionais para entender o cotidiano das pessoas que viveram depois da abolição, fosse em contexto urbano ou rural. A minha ideia foi colocar autores e autoras que usam linguagem tão acessível e clara que escancaram a dor de ter uma vida com um passado de cativeiro. Não esperem levezas, são leituras que doem.

1. Becos da Memória

Neste livro Conceição Evaristo conta a história de Maria Nova, menina melancólica que mora em uma favela do Rio de Janeiro e presta atenção em tudo e todos ao seu redor. Através desta menina-narradora, Conceição narra a história de vida e morte de várias personagens que habitam a favela. A própria autora descreve este livro, publicado em 2006, como um exercício de “escrevivência”, ou seja, o ato de inventar histórias em cima de acontecimentos vividos por ela. A ferramenta de mudança social de Maria Nova é a escrita das vivências. Mas Conceição adverte: a história é datada. Aquelas personagens e aqueles problemas vividos por elas não são os mesmo dos enfrentados nas comunidades de hoje em dia. Este livro é apontado como um dos mais importantes da literatura brasileira contemporânea, assim como, certamente, Conceição Evaristo é uma das autoras mais importantes da atualidade.

PS: para uma interpretação dos problemas atuais vividos pelas pessoas jovens nas favelas, indico a série da Netflix com o Kondzilla, Sintonia (2019).

2. Torto Arado

O livro de Itamar Viera Junior conta a história de duas irmãs nascidas e criadas numa fazenda na Chapada Diamantina, na Bahia. Belonísia e Bibiana tem uma ligação profunda com a terra do lugar onde vivem, mais do que pesada, uma ligação mágica. A história entrelaça o cotidiano das duas mulheres com a do povo da fazenda onde moravam e dos seres encantados da mata. Escrita por um nordestino, o livro conta a história da luta pelo direito sobre terra dos povos de quilombos, ou seja, daquelas pessoas que, abolida a escravidão, ainda viviam nas terras das fazendas onde trabalhavam. O romance de estreia do autor é uma aula de literatura, história social da cultura no pós abolição e de antropologia. Itamar ganhou o prêmio Leya de literatura portuguesa em 2018 com a obra, que está publicada no Brasil e em Portugal.

3. Quarto de despejo — Diário de uma favelada

Escrito por Carolina Maria de Jesus e publicado em 1960, o livro narra experiências - é mesmo num formato de diário - dessa autora que foi a primeira mulher negra e favelada a publicar um livro no Brasil do século XX. Ela conta como era a vida nas comunidades de SP, em uma linguagem super acessível e que tem muitos traços de oralidade. Carolina escrevia como falava e contava a história do dia a dia dela, da filha, da vida na comunidade. O livro já foi traduzido para mais de 13 línguas e é uma obra rara da literatura brasileira.

4. Pai contra mãe

Esse conto de Machado de Assis é lido por todes estudantes de História na graduação. Foi onde eu o conheci. Escrito em 1906 por Machado de Assis, o pequeno conto descreve a história de um caçador de pessoas escravizadas fugidas. Cândido Mendes, o caçador, apanha uma escravizada fugida que estava grávida e a entrega ao senhor dela. O texto faz uma descrição dos aparelhos usados para se torturar os/as escravizados/as na época da escravidão. A descrição é tão detalhada e objetiva que dói, dói muito de ler. Machado vai fundo na normalidade como a escravidão era vista na época. É um texto curtinho que tu podes encontrar aqui.

5. A Escrava

Se tu nunca ouviu falar de Maria Firmina dos Reis, te indico começar a lê-la por este conto. No texto, publicado na Revista Maranhense em 1887 (1 ano antes da abolição), a autora conta a história da morte de uma escravizada fugida que teve os dois filhos vendidos ainda crianças para o sul. Maria narra, então, a fuga de Joana e o encontro dela com uma senhora branca abolicionista, quando já estava a beira da morte. É um conto abolicionista que humaniza as dores da experiência do cativeiro e mostra como estava sendo percebida a escravidão às vésperas da abolição. O pequeno texto é muito bom para ilustrar o que chamamos de tráfico interprovincial de escravos, quando a entrada de africanes escravizades foi proibida no Brasil e as/os escravizadas/os do nordeste foram vendidas para trabalhar, principalmente, nas fazendas de café do sudeste. Nordestina, Maria foi a primeira mulher a publicar um romance no Brasil, em 1859. A linguagem é um pouco rebuscada, com palavras que saíram da nossa oralidade desde o século XIX, mas é fácil de entender. Tu podes encontrá-lo aqui.

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