7 armadilhas do repertório de comunicação do governo Bolsonaro que continuamos caindo — parte 1

Nassor Oliveira
Revista Subjetiva
Published in
7 min readJan 18, 2021
Fonte: Reprodução Facebook

Entre “cortinas de fumaça”, “balões de ensaio”, “sensacionalismo”, “negacionismo” , “propaganda negativa” , “aproximação” e fake news temos o repertório estratégico que construiu inicialmente a figura de Bolsonaro, ainda enquanto candidato, com uma das maiores negações possíveis da realidade enquanto sua premissa de persona: Se afirmava, ou se fazia crer, um candidato ou figura “antissistema”, uma ou enquanto proposta de mudança radical, quando de fato era um dos maiores representantes do que há de mais antigo velho e “antiquado” na política.

No início de seu terceiro ano de mandato, o que infelizmente muitos ainda não perceberam, é que o próprio repertório da oposição é pautado constantemente por reações a agenda (ou melhor , não-agenda) proposta pelo (des) governo e ou por seus tentáculos, que operam seja institucionalmente, seja por fora da estrutura institucional . Buscando elucidar estas estratégias, buscarei conceituar e debater a aplicação de alguns dos termos introduzidos no parágrafo anterior.

Cortinas de fumaça

Fonte: Reprodução/Facebook

“Se você não gosta do que está sendo dito, mude o tema da conversa”

Essa afirmação, proferida pelo personagem fictício Donald Draper, da série de sucesso Mad Men, faz sentido no contexto de onde saiu, mas tem uma aplicação ainda melhor no contexto do atual governo diante da população brasileira, assim como uma alternativa de resposta da mesma, diante das posturas questionáveis do mesmo.

Constantemente, no governo Bolsonaro observamos o uso desta tática, fato compilado brilhantemente por Leonardo Sakamoto em sua coluna “De PIB da banana a golden shower: 8 cortinas de fumaça do governo Bolsonaro”.

O que podemos fazer ?

Uma resposta política possível para esse tipo de tática, é devolvê-la de forma propositiva: Se não gostamos das negações, do grande circo, do vazio de propostas, não podemos apenas reproduzir a obviedade do absurdo que elas são, o que desde o início só expandiu o alcance destes absurdos. Devemos sim, mas reagir, resistir, e propor alternativas de enfrentamento ou de condução de políticas.

Balões de Ensaio

Fonte: Reprodução Internet

Desde o início de seu governo, com as supostas nomeações de Ministros, demissões, desmantelamento de programas e ações, Bolsonaro “testa” medidas com a tática de Balões de ensaio, que consiste em nada mais que, como bem explica Paula Cristina em seu artigo pela IstoÉ Dinheiro “A turma do Balão de Ensaio” : “termo usado tanto na química quanto na aeronáutica para experimentos cujo resultado é incerto. No primeiro caso, mistura-se em um tubo de vidro componentes para observar a reação que provocam. No segundo, um pequeno balão é liberado na atmosfera com o objetivo de sinalizar a direção dos ventos. O governo age das duas formas. Desorientado, lança propostas com o intuito de medir a reação. Quando uma delas é bem aceita, segue-se em frente. Se for rechaçada, basta dizer que era fake news — outra armação bastante utilizada pelo governo. Ao fatiar a proposta de reforma tributária, a equipe econômica seguiu esse raciocínio. Primeiro, apresentou uma fórmula praticamente inerte, incapaz tanto de causar reações adversas quanto de resolver qualquer desequilíbrio fiscal. Agora, tenta adicionar um novo ingrediente, esperando as reações do Congresso, do mercado e da população em geral para saber se avança ou desiste.”

https://www.youtube.com/watch?v=5ewfcYHOSE8

O que podemos fazer ?

Para não “cair” na estratégia batida, é preciso reconhecer o caráter por muitas vezes ardiloso desta agenda, que pode ter finalidade ainda mais perversa que apenas testar e refutar possibilidades, mas reforçar absurdos sem probabilidade alguma de execução sobre a opinião pública, para que “absurdos menores” passem a ser digeridos enquanto “conquistas” quando na verdade eram a intenção inicial de quem programava essas políticas, como no velho ditado onde é sinalizado que você deve mirar um pouco acima do alvo, para alcançá-lo.

Podemos identificar a tática, e ainda assim refutar as propostas absurdas, mas tendo em mente que essa técnica pode, e vem sendo utilizada como/e juntamente as “cortinas de fumaça” que desnorteiam a organização de alternativas sólidas. E o que hoje enxergamos é que a própria oposição mais consolidada do Bolsonarismo em termos de vistas e pretensões eleitorais é uma versão mais moderada de si, que representava as pretensões dos próprios grupos que o colocaram no poder, enquanto única alternativa de sua vertente possível, diante de uma possível vitória do governo do PT.

Propaganda negativa (Não estamos em 2022)

O que seria propaganda negativa? E em que contexto ela estaria inserida ? O artigo “A propaganda eleitoral negativa e a propaganda eleitoral antecipada x liberdade de expressão e pensamento” de Guilherme Pessoa Franco de Camargo trás uma excelente definição: “As estratégias eleitorais trazem em seu bojo as campanhas negativas, que se traduzem pela utilização de elementos negativos e desabonadores do adversário, não necessariamente verídicos, em detrimento ao relevo das próprias qualidades e virtudes do outro candidato, com potencialidade de influenciar a decisão de uma vasta gama de eleitores.

A propaganda negativa permeia o imaginário dos eleitores brasileiros, exaltando suas paixões partidárias, recebendo os holofotes principais de certas campanhas eleitorais.”

Os termos grifados sinalizam que nenhuma das táticas opera isolada, e todas se articulam desde a construção do “mito” Bolsonaro, até sua sustentação a duras penas no cenário político: Desde seu surgimento, os ataques constantes ao suposto opositor “o fantasma de Lula e do PT” assombram o discurso bolsonarista, como resposta a qualquer pressão, problema ou inconsistência no próprio discurso.

Não estamos em 2022

Fonte: Reprodução/Twitter

Falamos em propaganda negativa, tática usualmente utilizada em contextos eleitorais para ilustrar que uma estratégia utilizada pelo governo (e infelizmente assimilada pela sociedade como um todo, até a oposição) é criar um clima de animosidades sob segundo o qual operamos como se estivéssemos prestes a eleições de 2022 desde o dia 1 de janeiro de 2019, quando havendo diversas pautas que infelizmente não podem esperar até um próximo mandato, ou como se as eleições nunca tivessem acabado e as políticas não fossem responsabilidade do presidente e sua equipe, mas de governos anteriores ou de seus opositores.

Fake News

Quando falamos hoje, em 2021 em fake news, precisamos refletir que o termo de certa forma se encontra “desgastado”, seja pelo uso do mesmo por ambos os pólos da política para atacar ou se defender dos ataques dos outros, ou de líderes como Donald Trump e Jair Bolsonaro, famosos por suas redes de propagação de “informações” de caráter duvidoso.

Então, precisamos ir além, compreender que politicamente, toda “verdade” é questionável, e que construir consensos é muito mais importante (sem juízo de valor, mas sim de resultados) do que estar fundamentado por fatos. O que grande parte da oposição acaba por fazer sem perceber é reproduzir o que discorda, o que sabe que não reflete a verdade, e por fim contribuindo para “mudar o tema da conversa” e tornar os absurdos, negacionismos e leituras distorcidas da realidade as pautas da opinião pública., e por fim o consenso.

O que podemos fazer ?

Fonte: Reprodução/Twitter

Uma alternativa, que pode partir de vários lugares, inclusive das plataformas, como no exemplo acima, é de fortalecer um nível mais aprofundado de compartilhamento de informação, menos imediatista, menos sensacionalista, e menos carente de “likes” e “viralização”. A realidade geralmente não permeia os extremos e afirmações radicalizadas sobre nenhum fato. É interessante promover debates a longo prazo, para questões de longo prazo, consolidar ações para questões urgentes, e encontrar o equilíbrio entre os demais pontos.

E o impeachment ?

E a cada novo absurdo, que pode envolver uma destas estratégias ou não, surge o impeachment enquanto alternativa: Aprendemos com a história recente que a base legal não é suficiente para motivar um impeachment, rupturas institucionais também não. O que desestabiliza de fato um governo a ponto de sua derrubada são os pilares econômicos que o sustentam, estejam eles representados no congresso nacional ou não. Bolsonaro cai, apenas quando as forças que o instituíram considerarem conveniente. E dependendo da conjuntura, uma ruptura é capaz de apresentar e/ou favorecer mais uma de suas estratégias (muito bem sucedida eleitoralmente após o episódio da facada): O triunfo do “mito do herói nacional perseguido”, que pode mobilizar a fúria e o ódio numa reprodução das cenas bizarras do Capitólio nos EUA, ou coisa bem pior.

Porque continuamos caindo ?

Nem Bolsonaro e seus simpatizantes são gênios, mas estão longe de serem burros ou ignorantes nos absurdos que falam, mas talvez não estejamos utilizando 100% da inteligência ao seguirmos reproduzindo tudo, mesmo depois de 2 anos entendendo ser esse o modus operandi que o instituiu presidente.

Diante dos desafios que se colocam neste ano, dentre eles o combate ao coronavírus, as campanhas de vacinação, e o abismo econômico que pode preceder uma crise ainda mais profunda na economia, precisamos de atenção, para não escorregarmos em mais destas armadilhas.

No próximo texto detalharei as táticas de “aproximação” , “negacionismo”, “sensacionalismo” neste contexto.

Sentiu falta ou discordou de algo ? Comente comigo por aqui ou em minhas redes sociais.

Gostou? Clique nos aplausos — eles vão de 1 a 50 — deixe o seu comentário e nos acompanhem também nas outras redes sociais: Instagram e Twitter.

--

--

Nassor Oliveira
Revista Subjetiva

Cientista Político I Colaborador na Revista Subjetiva e Editor na Revista Marginália. Instagram: @nassoroliveira