A busca inalcançável por qualquer coisa

Precisamos todos de um propósito?

Julia Caramés
Revista Subjetiva
4 min readApr 25, 2019

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Em uma dessas conversas jogadas fora, próprias dos horários de almoço que essa vida apertada por prazos intermináveis nos oferece, fui acometida por uma epifania em sua forma bruta: será mesmo que precisamos carregar o tempo todo um propósito?

Desde muito cedo eu já sabia o que gostava e o que queria. Descobri aos quatro anos que eu estava legitimamente fadada a gostar de moda pelo resto dos meus dias. Em uma dessas noites de lanches com meu avô, sentada em seu colo, a alegria parecia ter pousado nos meus ombros. Enquanto ele me ensinava a desenhar apenas nas coordenadas, eu aprendia a desenhar minha primeira camiseta. Foi um estrondo: saí correndo pela casa gritando pelos sete ventos envolvida na própria euforia do pequeno ser inocente, que eu já sabia desenhar roupas. Já sabia quais seriam as minhas roupas.

Nos anos seguintes, sempre que minha tia saía para suas compras de perua, me trazia alguns retalhos. Creio que também era a sua maneira de se conectar com sua mãe, que já havia partido dessa para outros planos, mas em vida foi uma baita costureira. Abuelita, é nóis!

Dos tecidos para o palco. Assim eu descobri que não eram só as roupas que me enchiam os olhos, mas também as luzes da ribalta. Fazia peças para a família a cinquenta centavos o ingresso. Dobrava o preço quando a produção era mais refinada por assim dizer. Desse jeito eu comecei a projetar no futuro, o que seriam meus maiores desejos nos próximos vinte anos.

De lá pra cá a lista se abriu. As vontades cresceram e por vezes os desejos toparam com inúmeros muros de incertezas e limites. Quase deixei tudo de lado quando nada mais parecia fazer sentido. Tentei, não deu. Paciência, a vida continua. Deixa pra lá. Amanhã é outro dia. Outras portas hão de se abrir. Será?

Em tempos de megalomania, frisson dos instagrammers e suas vidas dos sonhos e uma internê que não deixa nada barato, eu passei a me questionar com certa frequência: por que a gente simplesmente não consegue deixar os dias passarem sem preenchimento? Por que precisamos o tempo todo de um propósito como bússola pra nos manter aqui?

O admirável mundo novo cobra como um turbilhão de notificações de mensagem. O algoritmo nos envolve cada vez mais em sua redoma de solidão fantasmagórica. Com as conexões quase perdidas, eu penso que estamos a beira de um precipício de fantasia buscando o que nos mantém aqui, agora, na realidade. Já ouvi dizer que a oferta mata o produto. Nesse caso, o produto não é bem a chave principal do caminho.

Lembra daquele papo de abrir a geladeira pra pensar? Transferindo para os moldes atuais, quem nunca se pegou deslizando o Instagram sem entender muito bem o que queria ali nas enxurradas de fotos, ou simplesmente passou intermináveis minutos procurando um entretenimento na Netflix e se perdendo em tantas opções, atire a primeira pedra ou talvez lide bem tanto com as ofertas, quanto com os dias sem norte ou direção.

Eu não vim aqui tirar a importância do propósito, longe de mim. O que eu quero dizer é que ninguém precisa de tantas missões ou bagagens assim. Ninguém precisa realizar todos os sonhos profissionais, desbravar oceanos, encontrar o grande amor da vida E postar tudo isso nas redes sociais, como prêmio de confirmação aos vinte e cinco anos. Isso também vale pra mim.

Eu sei que tem dias que são terrivelmente chatos. Monotonia também nunca foi o meu forte. Mas será mesmo que o depois controla tanto assim o antes? Será que o caminho sem tantas urgências ou realizações gigantes não pode se contentar apenas com as novidades diárias?

Por menor ou mais simples que seja, não acho minimamente saudável abraçar todo o mundo de uma vez. Mesmo que o algoritmo insista em dizer o quanto somos especiais, cada um por vez, não acho que essa passagem seja bem sobre isso. Eu não tô nem perto de realizar tudo o que eu sonhei. Tô no último ano de faculdade de jornalismo. Trabalho em agência de publicidade produzindo conteúdo que nada tem a ver com moda ou teatro. Nem achei direito alguém pra conversar sobre os dias e olha, tá tudo bem. Eu não esqueci meus desejos. Mas eles não são os únicos que me colocam de pé. As coisinhas as vezes me ensinam e preenchem também.

Que possamos todos nos conectar mais. Com o caminho, com quem passa por nós e com aquilo que carregamos por dentro. Com ou sem propósito.

Clareza é o principal instrumento para termos uma vida mais pacífica.

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Julia Caramés
Revista Subjetiva

Se veio aqui procurar alguma coisa me dá a mão que eu tô procurando também