A cama que nos separou

Yasmin Narcizo
Revista Subjetiva
Published in
2 min readDec 3, 2019

A casa onde começamos a vida juntos tinha proporções muito diferentes de agora. A cozinha, por exemplo, era ampla, mas a gente ocupava todinha, experimentando receitas várias e dançando enquanto essa alquimia doida que é a culinária fazia tudo ficar pronto.

Já a varanda, que era pequena, pode se dizer que foi o completo oposto: lá já colocamos 9 amigos sentados, em outro momento mais de 15 pessoas em pé e já ocupamos também só nós dois, espremidos na única rede (de solteiro) ali pendurada.

Na cama, vivíamos nos esbarrando ao longo da noite. Frequentemente, alguém era empurrado para a beiradinha (eu). Frequentemente, acordávamos de conchinha — meio por carinho inconsciente, meio por falta de espaço. Frequentemente, entrelaçávamos os pés, para sentir que o outro estava lá. Frequentemente, buscávamos o remédio contra o ar condicionado frio no proximidade do outro (também eu).

O sofá, porém, era outra história. Uma vastidão, quase um latifúndio. Daqueles 3 lugares que cabiam 5 mole, mole, fácil, fácil. Às vezes ele almoçava apoiando o prato num braço e eu no outro, assim distante. Às vezes deitávamos um pra cada lado e só os pés se encontravam no meio.

Eu gostava mais de estar na cama, lá o calorzinho e o abraço eram garantidos. Ele preferia o sofá, porque é grande e precisa de espaço.

Photo by Jude Infantini on Unsplash

A casa atual tem suas próprias medidas: aqui, não tínhamos outra escolha senão nos apertarmos na cozinha. Tentamos encontrar espaços na geladeira, dividimos a tábua de corte, jantamos com olho no olho todos os dias. Não entenda isso como uma reclamação, eu até bem que gosto.

A mesma coisa acontece no sofá: se antes esticávamos as pernas, agora dançamos um balé todo nosso, tentando achar o conforto sem deixar o outro desconfortável. Para escovar os dentes, já temos uma coreografia de bochechos revezados. É praticamente tudo apertado. Nos alternamos nos espaços, tropeçamos um no outro, estamos sempre próximos.

Mas o problema foi mesmo a cama. Nela, eu redescobri o que é sentir frio. Nela, parece que estou sempre dormindo sozinha. Em um espaço tão restrito, essa vastidão desnecessária. Procuro à noite um pé que não está, já não ouço mais uma respiração calma e compassada, parece que até o edredom forma uma barreira entre nós.

Ela nos separou. Em um cubículo, ela nos separou.

Dia desses, disse que preferia dormir no sofá. Logo eu, fiel defensora de construir uma casa inteira dentro do quarto. Mas acontece que no sofá, sim, você não teria como fugir de mim. A verdade é que eu só estava com saudade de dormir no quentinho do teu abraço.

--

--

Yasmin Narcizo
Revista Subjetiva

Jornalista por formação, publicitária na raça e autora do “Não tô sabendo lidar”, à venda na Amazon. Observa o mundo com olhos de quem não entende nada mesmo.