A depressão não avisa quando ela irá chegar

“Depressão não é a ausência da felicidade. É a inexistência da vitalidade”

Mateus Pereira
Revista Subjetiva
4 min readSep 26, 2019

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(Créditos: EBC Brasil/ Marcelo Camargo)

O dia em que entreguei a monografia era para ser um dos mais felizes da minha vida. Afinal, estava a poucos passos de ter meu diploma de jornalista. Mas eu sentia um aperto no peito, um pavor inexplicável. Tentei algumas técnicas para desanuviar a mente. Bora sorrir, Mateus. Respira, inspira e não pira. Conte os seus passos e observe a beleza ao seu redor. Nada adiantou. Os pensamentos ruins continuavam ali.

Voltando para casa, a dor se intensificou. Nos fones, “Cool Kids” do Echosmith reverberava o desejo de ser igual a um jovem descolado, algo que nunca fui. E quando cheguei em casa, solucei copiosamente ser saber o porquê daquilo estar acontecendo. Talvez fosse o receio do futuro incerto, ou por causa de uma amizade que se tornou um relacionamento tóxico, ou os problemas que acumulei durante anos. Bem, depois de uma noite de sonos intranquilos, achei que acordaria melhor.

Aconteceu o contrário. Estava pesado, sem fome, sem ânimo, sem vida. Ao longo de uma semana, não consegui fazer uma refeição completa. Emagreci 5kg e tinha calafrios inexplicáveis. Meus pés flutuavam pela calçada, sem sustentação e estava mais distraído que o habitual. Consegui ser aprovado pela banca, mas o aperto no coração continuava. Foi quando entendi: será que logo eu, que tinha curiosidade e lia tudo sobre saúde mental, estava no início de um quadro depressivo? Sim, eu estava.

Passei o Natal mais apático da vida. Chorava sempre que podia e sentia um intenso gelo crescer dentro do meu corpo. Apesar de ter conhecimento do que enfrentava, não tinha coragem suficiente para me abrir com alguém. Esconder os conflitos, pavores e a negatividade extrema era complicado, mas fui por esse caminho.

Dementadores, a representação da depressão para J.K.Rowling (Créditos: Jim Kay)

O ano virou e com ele a depressão me apresentou uma nova faceta: os pensamentos suicidas. Eles chegavam na cama, no banho, nas refeições, na rua. Na tentativa de aliviar a dor ou encontrar algum consolo, fui a um culto, na esperança que Deus ou algum ente religioso me ajudassem. Não deu certo. Era desistir ou me abrir com alguém e procurar ajuda.

Fiquei com a segunda opção, mas relativizava meus dilemas diante das tribulações que outras pessoas passam em um país tão injusto quanto o Brasil. Continuava a definhar mesmo a dias da tão sonhada formatura. Antes de entrar no consultório do psicólogo pela primeira vez, pensei em sair correndo sem direção. No entanto, superei a ansiedade e tive a sessão de terapia. Ali eu comecei a compreender que as coisas poderiam mudar. Mas não seria algo tão imediato.

Naqueles instantes de conversa com o terapeuta, eu entendia as razões das minhas inseguranças, do surgimento dos pensamentos auto-depreciativos, do humor ácido como mecanismo de defesa e que a solidão não podia ser a minha única companhia.

Após cada consulta, eu notava que conseguia ver meus problemas como um observador, adquirindo uma nova perspectiva para superar cada obstáculo. E adotei como tarefas diárias voltar a apreciar as coisas básicas da vida, como curtas caminhadas em ruas arborizadas, boas leituras e ouvir uma música sem sentir as famosas bad vibes.

Comecei com os livros. Um dia passei na biblioteca pública e enfim peguei o primeiro volume de Harry Potter para ler. Fui fisgado pelo mundo fantástico de J.K. Rowling anos após o hype, mas no momento certo para mim. Mergulhado no universo bruxo, assimilava novamente o valor do amor e da amizade.

Enquanto virava as páginas em praças e ruas (sim, eu amo ler enquanto caminho), os fones tocavam repetidamente a música Break the Cycle, de You+Me (projeto alternativo da P!nk), principalmente o coro, que logo virou um mantra. Ali começava a minha recuperação.

Tell me the words you long to hear…let me heal the wounds you’ve held on to for all these years.

Break the cycle, break the chains, cause love is louder than all your pain”

Cinco anos depois, ainda convivo com os estigmas da depressão. Apenas pessoas mais próximas sabem da minha experiência com a doença. Tenho receio de ser questionado e julgado por isso. Sinto culpa, algo absurdo, por ficar triste em dias em que todos esbanjam alegrias. E penso que os problemas pareceriam menores se eu não os guardasse em caixas trancadas.

Hoje as campanhas de prevenção ao suicídio e de conscientização sobre a depressão são mais presentes no Brasil. O Setembro Amarelo, formulado pelo Centro de Valorização da Vida (CVV) completa 4 anos em 2019. Mesmo recente, dá visibilidade sobre a importância da saúde mental. Abre espaço para quebrar preconceitos, compartilhar vivências e pensar em novas ações de proteção aos indivíduos afetadas por doenças que impactam nosso sistema nervoso e emocional.

Enfim, se tem algo que desejo para alguém que luta contra a depressão é que divida a sua angústia. Que procure ajuda especializada e se necessário, não tenha vergonha de tomar os medicamentos para amenizar a dor. E a quem tem alguém próximo que apresenta os claros sintomas da depressão, apresente seu apoio. Escute, ampare e abraçe. Parece simples. Mas é suficiente.

Setembro amarelo: Você não está sozinho. Falar é a melhor solução. Se precisar de ajuda, não exite. Ligue para o CVV (188) e busque ajuda especializada.

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Mateus Pereira
Revista Subjetiva

Jornalista tímido que gosta de escrever sobre cultura pop e aleatoriedades da vida. Reclama muito no twitter. E ama sorvete com batata frita. IG: m_pereiras