A exploração que ninguém vê

Coletivo Aurora Maria
Revista Subjetiva
Published in
4 min readFeb 7, 2018

Com a ascensão do capitalismo o trabalhador tem cada vez menos tempo para se dedicar à sua família, à sua saúde, lazer e bem-estar. Muitos de nós trabalhamos 8, 10, 12 horas por dia, senão até um dia inteiro. Nosso tempo é quase todo consumido pelo capitalista, que constrói sua riqueza em cima dessa exploração. Quem de nós nunca achou que as 24 horas do dia não seriam suficientes para realizar todos os compromissos? Quantos de nós não temos menos de 8 horas de sono e mesmo assim a sensação de estar sempre atrasado é contínua? E assim por diante… Se formos listar aqui todos os percalços do nosso dia a dia, serão necessárias muitas e muitas semanas. Mas o que precisamos saber é que esta não é uma realidade isolada, nem um problema individual vindo da falta de organização de tempo (embora existam maneiras de aproveitá-lo melhor), assim como não é por preguiça, lentidão ou falta de esforço. Esse cenário reflete a vida de milhões de trabalhadores e trabalhadoras que além do tempo gasto no trabalho propriamente dito, levam horas para se deslocar até suas casas. Lamentavelmente estamos envoltos numa espécie de “bolha” que cresce cada vez mais e nos sufoca parecendo sugar toda nossa força, mas ainda assim resistimos e seguimos lutando todos os dias para termos melhores condições de vida.

Com isso tudo, o que queremos questionar aqui é: você se lembra das mulheres que não fazem parte do mercado de trabalho formal? Aquelas que também são mães, exploradas, pobres, em sua maioria negras e que não conseguem um emprego? Pois é, estas mulheres muitas vezes são deixadas de lado quando vamos falar de exploração e capitalismo. Algumas pessoas caem no erro de achar que elas são excluídas, ou que simplesmente não se esforçaram o suficiente para ter uma vaga no mercado de trabalho. Porém, é importante que lembremos que no capitalismo não há exclusão, todos em suas diversas classes sociais, são essenciais para que a manutenção do sistema seja refeita todos os dias e assim existam sempre pessoas mais ricas no topo. É como se houvesse uma grande máquina controlada por nossos patrões em que cada um de nós somos pequenas engrenagens e parafusos que a faz funcionar cada vez mais rápido e produzir mais dinheiro.

Essas mulheres pobres, negras e desempregadas também são engrenagens dessa máquina. Apesar de não atuarem diretamente na produção de capital, elas são essenciais para manter aqueles que o fazem. Sabemos que muitas quando não têm oportunidades no trabalho formal, tornam-se donas de casa. Ficam responsáveis pela manutenção do lar, pela criação das crianças, etc. Costumamos atribuir à elas uma posição de submissão e certo comodismo por “ficarem o dia todo em casa”, diminuindo a importância das tarefas por elas realizadas e isto se deve ao fato de no capitalismo, a identificação pessoal ser atrelada aos vínculos empregatícios ou aos estudos. Queremos deixar claro, entretanto, que o feminismo que contemplamos não designa que as mulheres não possam optar por livre e espontânea vontade a ter este tipo de rotina dedicada ao lar, mas sim que todas têm a liberdade de escolhê-la, e não simplesmente aceitá-la como migalha do patriarcado e do machismo. Como afirma Simone de Beauvoir:

“O compromisso multiplica por dois as obrigações familiares e todos os compromissos sociais.”

Estas donas de casa gastam tempo, têm conhecimento de certas técnicas para realizar atividades, também acordam cedo, vão à rua e geralmente não têm um momento de descanso para elas, pois dividem-se entre muitas tarefas. Ainda assim é comum que estas mulheres exerçam algum tipo de atividade informal para complementar a renda da família. Segundo um estudo feito pelo Consumer Watch Lifestyles com mulheres da América latina em 2017, 46% das donas de casa são mães que trabalham fora. Forma-se então uma importante relação de dependência, uma vez que a urgência por novas fontes de renda faz com que estas mulheres sujeitem-se à condições de trabalho precárias, contratos informais ou até a terceirização. De acordo com o censo feito pelo IBGE, o número de mulheres no mercado elevou, mas elas ainda tem menos carteira assinada que os homens.

Além de toda essa pressão traduzida em ter que realizar as obrigações do lar e muitas vezes complementar a renda, há ainda o machismo direto vindo de seus companheiros e da sociedade que as cobra constantemente para que estejam sempre arrumadas, felizes, satisfeitas e com a casa e a comida perfeitas. Isso provoca nestas mulheres vergonha e frustração quando não atingem esta tão desejada “perfeição” e ficam insatisfeitas. Para compartilhar dúvidas e angústias foram criados alguns espaços de debate e discussão como o “Dona de Casa Anônima”.

Portanto elas são fundamentais para manter àqueles que saem às ruas para trabalhar formalmente e continuar assim a gerar mais riquezas aos mais ricos. Estas mulheres “cuidam” de seus companheiros e/ou filhos para que estes permaneçam em seus empregos, e dessa forma contribuem para a manutenção do capital. Por isso não podemos invisibilizá-las, já que também são exploradas (quase que sutilmente).

Apesar dessa posição estar se desfazendo levemente devido a inserção da mulher no mercado de trabalho e a institucionalização das tarefas domésticas, enquanto houver capitalismo, ela se manterá e não haverá liberdade nem aos explorados por contrato, nem para os explorados invisivelmente.

Somos o Coletivo Aurora Maria, estamos na cidade do Rio de Janeiro e toda terça-feira na Revista Subjetiva. Se você é da cidade do RJ e é mulher, pode contribuir na formação do Coletivo. Entre em contato nos endereços abaixo:
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