O Sétimo Selo — Ingmar Bergman, 1957

A falta do outro que me falta eu

Carolina Infanger
Revista Subjetiva
7 min readApr 28, 2021

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Numa quinta-feira dessas, durante a minha aula de Fenomenologia, a introdução ao tema Existencialismo começou com uma pergunta:

O que é existir?

Com meus botões acabei pensando que Existir é a base de tudo, é a minha percepção, o jeito como eu experiencio o mundo. Diferente de mim, algumas pessoas definiram a Existência como o jeito em que eu percebo o outro.

Se você lê meus textos há um tempo, você sabe que eu gosto muito de partir do pressuposto de que nós somos, de certa forma, o centro de muitas questões internas já que somos nós quem sintetizamos as informações, nós que percebemos o mundo e é à partir de nossas experiências que nós vivemos.

Entrando no mundo do Existencialismo me deparei com um filósofo que nem sempre é citado mas que acabou me dando um leve chute no meio da cara — não é ruim, levar um chutezinho, às vezes é necessário — Martin Buber (1878–1965) que nos traz duas ideias as quais te convido à aprender também.

Para Buber, há o EU-TU e o EU-ISSO. O EU-TU é a nossa completa integração com o mundo, a vivência intensa do homem no mundo.

“O homem não é uma coisa entre coisas ou formado por coisas quando, estando eu presente diante dele, que já é meu TU, endereço-lhe a palavra-princípio…Eu não experiencio o homem a quem digo TU. Eu entro em uma relação com ele no santuário da palavra-princípio… Um risco: a palavra-princípio não pode ser proferida senão pelo ser em sua totalidade, isto é, aquele que a isso se entrega não deve ocultar nada de si…” (Buber, 2003, pp 15–19)

Sendo assim, quando falamos de EU-TU, é representada a relação do homem com o mundo. E, quando há um distanciamento então entramos em contato com o EU-ISSO, o ISSO é a vivência pós o encontro com o TU. Ainda segundo Buber (2003) “Não se pode viver somente no presente pois ao virar passado é que se consagra cada experiência como existência… O homem não pode viver sem o ISSO, mas aquele que vive somente como ISSO não é homem

Hoje, é uma segunda-feira, se passaram duas semanas desde minha aula sobre Existencialismo. Algumas coisas martelaram na minha cabeça, devo admitir, mas as marteladas se acentuaram nessa noite enquanto eu lia o primeiro Capítulo de Sociedade do Cansaço, do autor Han Byung-Chul.

Foi uma indicação de uma pessoa que tenho muito carinho e apreço, não sei se há algum livro que ela tenha me indicado que eu deixei de ler. Sendo assim, fiz a compra do miúdo livro roxinho escrito pelo filósofo coreano e assim que chegou já comecei a leitura.

Talvez tenham alguns spoilers então, se você pretende ler esse livro, volte aqui depois, pode ser? Ou então pelo menos depois das 23 primeiras páginas.

Para termos compreensão desse trecho em específico, precisamos entender que Han está definindo nossa sociedade como algo neuronal. Onde, diferente dos últimos séculos, nós não temos definições patológicas bacteriológicas ou virais mas sim neuronais. Uma vez que criamos antibióticos e outros medicamentos que combatem as primeiras patologias. Porém, no contexto neuronal, o combate se torna um pouco mais complexo.

“A dialética da negatividade é o traço fundamental da imunidade. O imunologicamente outro é o negativo, que penetra no próprio e procura negá-lo. Nessa negatividade do outro o próprio sucumbe, quando não consegue, de seu lado, negar àquele. A autoafirmação imunológica do próprio, portanto, se realiza como negação da negação. O próprio afirma-se no outro, negando a negatividade do outro. Também a profilaxia imunológica, portanto a vacinação, segue a dialética de negatividade. Introduz-se no próprio apenas fragmentos do outro para provocar a imunorreação. Nesse caso a negação da negação ocorre sem perigo de vida, visto que a defesa imunológica não é confrontada com outro…”

Han ainda cita Baudrillard “Quem vive do igual, também perece pelo igual”

Assim que li tudo isso, meu cérebro não conseguiu excluir um paralelo entre Han e Buber. Sendo assim, pode ser que eu não tenha a maturidade — ou o conhecimento, você quem sabe — suficiente de definir com todas as palavras o que é Existir. Porém, eu tenho bagagem o suficiente para saber que nossa Existência possui uma relação direta com o outro. Isso exclui nossas experiências? Não. Mas, creio que no texto de hoje seja necessário debater a falta que o outro faz em nós.

Seguindo a linha de pensamento do filósofo austríaco, para que haja a relação EU-TU, há necessidade de se mostrar como um inteiro. Enquanto isso, o coreano explicita que nós tomamos pequenas dosagens do outro para que o conflito interno não seja grande demais.

Sendo assim, conseguimos entender que para existirmos deveremos ter uma relação verdadeira com o outro. E, quando nos enchemos de mais do mesmo — ou seja, nos enchemos de nós — nos falta o outro, sendo assim, como já disse Buber, nós não somos.

Te convido à ir um pouquinho mais longe e conhecer a teoria de Kierkegaard que discorre sobre três estágios da existência humana. Sendo eles: Estético, Ético e Religioso.

No estágio Estético, o que movimenta o indivíduo é o prazer e a excitação. Há uso de máscaras para preencher o vazio e falta sentido na vida. São indivíduos atraídos pelo que chama atenção e a tomada de escolhas se torna difícil uma vez que as opções parecem ser semelhantes. Por conta disso, há a sensação de tédio e desespero, o que não necessariamente é ruim, uma vez que é a angústia que o fará se mover à outro estágio.

No estágio Ético, o indivíduo toma escolhas porém elas ainda são baseadas nos princípios éticos pré-determinados, ou seja: Estabelecidos por outras pessoas.

E, finalmente, o estágio Religioso é aquele onde o indivíduo reconhece e aceita suas responsabilidades, sem influências de dogmas ou moralidades já criadas. Sendo assim, o indivíduo tende à contrariar os padrões já estipulados e se encontra em seu estágio de total liberdade.

Tendo todas essas teorias compiladas — eu prometo que são só essas três — nós conseguimos ter alguns pontos em comum e que ainda alimentam ainda mais a teoria final que será apresentada por mim como uma síntese de todas essas.

Se há uma fala que já me causou estranheza foi quando ouvi de alguém “Sim, eu sou uma pessoa preconceituosa, eu sei que sou e vou continuar sendo, pensei que você já soubesse”, a pessoa em questão era uma daquelas que emanam positividade e houve até mesmo um orgulho em tal posicionamento. Essas características me levaram muito à tese de Han, uma vez que o indivíduo se enche de si. Me lembrou Buber, uma vez que há a rejeição da relação de EU-TU e, se enquadra em Kierkegaard numa análise mais profunda onde observamos mais tarde questões relacionadas à angústia e tédio, além de uma falta de autoconsciência.

De modo simples: o outro faz parte de nossa Existência.

Numa sociedade onde estamos mais atraídos à nós mesmos do que ao que é diferente, nós permanecemos mortos.

A Existência em si é um processo, que vai lhe demandar contato com o que não te agrada para você saber definir o que é que te agrada e que te faz sentido. Quando cerramos nossos olhos ao outro, nós fechamos portas à uma existência diferente da nossa, nós fechamos portas à mundos novos e novas percepções.

Em uma sociedade com tantas classes divergentes, marcada por Guerras que colocavam características fenotípicas em questão, chega a ser alarmante a resistência de um indivíduo ao outro.

A falta de sensibilidade, o excesso de olhar só para o que lhe convém, te impedem de existir. A falta do outro cria um excesso de positividade que se torna tóxico e é justamente aí que nos tornamos uma sociedade neuronal.

Não faz sentido você exaltar os seus comuns se você não enxerga os diferentes. A sua Existência vai mais do que você aprendeu numa bolha social, porque é realmente fácil você acreditar que o “certo” é o que era dito pela sua bolha de convívio ao invés de descobrir que há muitos “certos” e que muitos deles vão parecer errados para você mas te farão ter a certeza do que é “certo”, essa certeza só é obtida quando você tem a coragem e a abertura de entrar em uma relação se mostrando, se despindo de conceitos antigos para criar novos e sendo apto à enxergar o outro.

Provavelmente, você fará isso depois que a angústia te mover. Você encontrará alguém que te faz se despir de camadas internas que você até então chamava de “moral”. Pode ser que seja de extremo desconforto você entrar em outro mundo, mas você só vai ter o seu em contato com o outro.

Esse movimento não é somente em questões políticas ou do trabalho. Esse exercício permeia todas as suas relações humanas.

Quando os olhos fecham, você não deixa de enxergar somente quem está na sua frente mas também para de se enxergar.

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Carolina Infanger
Revista Subjetiva

Escrevo tudo que me transborda, ensinando tudo que um dia eu descobri; Futura Psicóloga | ig: @bluehowlita