A fraquejada do capitão: idolatria de Bolsonaro a Trump e o complexo de vira-lata brasileiro

Admiração que se confunde com rendição, a constante busca por semelhança demonstra que o complexo de vira-lata brasileiro segue firme no atual governo

Ana Beatriz Rocha
Revista Subjetiva
5 min readMar 3, 2020

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Arte: Divulgação

O carnaval já passou e com ele a cortina de fumaça que, ano a ano, costuma pausar o árduo cotidiano para que venham dias de alegria e despreocupação também se foi. Pausa no legislativo, executivo e judiciário, decisões proteladas e discussões abafadas pelos repiques e toques de frevo. Se inicia o ano para os brasileiros, ano esse de importantes pautas a serem votadas pela maioria de homens brancos engravatados que ditam as regras do jogo no país tropical.

No segundo ano de um governo que pegou muitos de surpresa, e foi a realização dos sonhos de outros tantos, a relação amigável com os Estados Unidos que Bolsonaro faz questão de manter é sempre motivo de discussão por aqui. Antes que fevereiro chegasse ao fim, em uma coletiva de imprensa sobre o coronavírus no Brasil, o presidente estadunidense Donald Trump fez questão de chamar o ex-capitão de grande amigo, “nós nos damos muito bem, eu sei que ele fica orgulhoso em ouvir isso”, disse Trump.

Orgulho, popular por ser sinônimo de satisfação, é um sentimento que Jair Bolsonaro sempre fez questão de demonstrar por qualquer proximidade com a política norte americana de Trump e seu neoliberalismo tão admirado por ele na economia, e o conservadorismo ferrenho nos costumes. Por vezes, essa admiração se confunde com subalternidade e rendição.

O que leva Bolsonaro a se submeter a Trump?

Jair Bolsonaro só viria iniciar sua carreira política após passar mais de uma década no exército. O então capitão só entrou para reserva depois de conflitos que ocasionaram numa prisão por comportamento inadequado, esses que poucos comentam terem sido em reivindicação às condições da instituição na época, como a baixa remuneração. Foi durante a ditadura militar do Brasil que o homem que hoje carrega a faixa presidencial encontrou sua paixão pelas forças armadas.

Num país onde o boom da globalização esbarrou no amargo período ditatorial, a viseira do discurso patriota tentava impedir que percebessem o quão subordinados os generais eram às vontades dos Estados Unidos. Conversas gravadas da época, divulgadas pela Casa Branca, entre o então presidente norte americano John Kennedy e o embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, deixaram nítida a preocupação que havia com os rumos que levavam a jovem democracia brasileira. Foi por meio de financiamentos que viabilizaram o golpe que o país tido como a maior potência econômica do mundo influenciou, ativamente, nos caminhos da nossa política.

O perene imperialismo por parte dos Estados Unidos foi, e continua sendo responsável pela invasão e exploração de diversas nações pelo mundo, com o objetivo de dominar e obter ganhos, na mesma medida em que se esforçam para se manter forte, internamente, enquanto democracia. Essas investidas só são capazes graças a cultura bélica e seu poderio, impulsionado pelo tom heroico que o país construiu em volta dos militares. O período em que o Brasil mais se aproximou desse cenário, num contexto de repressão e valorização militar, foi a ditadura.

Um cidadão médio como Bolsonaro consegue enxergar em Donald Trump a personificação dessas conexões que ele tanto vangloria. O estadista norte americano representa ao presidente brasileiro, não apenas o patriotismo predador, bem como o conservadorismo, mas também o apreço pelo ataque em busca da dominação e imposição de seus valores antidemocráticos. O plano de fundo da idolatria se completa nos comentários racistas, homofóbicos, machistas e xenofóbicos despejados por ambos, em qualquer oportunidade. Mas o tal complexo de inferioridade do nosso país vem de tempos.

Imagem: Divulgação

Vira-latas através da história

Através das heranças da colonização de exploração, onde esse território esteve submetido aos mandos e desmandos dos países tidos como “Primeiro Mundo”, os caminhos para conquista da emancipação foram estreitos. Peço licença a história, com o sangue derramado dos que lutaram por independência, abolição e soberania econômica, mas é necessário pontuar que a emancipação ideológica não chegou com força por aqui.

Após a ditadura militar, com a redemocratização do Brasil, o incentivo passou a ser para o país se adequar ao neoliberalismo vendido como milagroso pela agenda política do então presidente norte americano Ronald Reagan, que esteve na Casa Branca entre 1981 e 1989. Visto como sintoma do sistema capitalista, o neoliberalismo se espalhou por vários países com suas medidas de livre mercado, por meio de ajustes fiscais severos e privatizações que impactaram amplamente as economias.

O capitalismo, como um sistema econômico que se baseia em operacionalizar os meios de produção para obtenção de lucros, é cíclico. Isso significa que os países enfrentam crises e picos de ascensão econômica com base em diversas dinâmicas da sociedade, do mercado e do Estado, que vivem numa constante retroalimentação.

Mas é importante retomarmos o aspecto ideológico da emancipação, que tem sua conquista dificultada pelo complexo de inferioridade mantido a tempos pelos brasileiros. O país é celeiro de uma classe média alienada e alienante, que valoriza os artigos estrangeiros e investe neles o seu capital, com o intuito de obter status e pertencimento. Acostumada a passar as férias na Disney, o maior medo é que a classe popular também alcance esse “privilégio”.

Ao dizer que empregadas domésticas passaram a viajar para Disney, e chamar isso de “festa danada”, o atual Ministro da Economia Paulo Guedes parece viver em outro país que não o Brasil, pois em nosso território o que se vê é a precarização do trabalho e os direitos cada vez mais limitados. Para além disso, o discurso de Guedes demonstra o constante terror da classe média em se aproximar de quem está abaixo na pirâmide socioeconômica, e assim nutre seu cotidiano de ostentação se espelhando nos ianques.

O que não se percebe é que comportamentos assim atuam na manutenção do nosso país em posição de subalternidade quanto aos países chamados de desenvolvidos.

É desleal comparar países com processos históricos, trajetórias políticas e econômicas tão distintas e buscar adequação. Enquanto o Brasil era um território explorado por europeus que visavam usurpar as riquezas que haviam aqui, o EUA estava sendo povoado através de investimentos com base na construção de uma potência fora da Europa. Quando Bolsonaro demonstra seu interesse em aproximar a política brasileira da norte americana, visando uma posição de similitude no campo econômico e ideológico, ele ignora a enorme distância nos caminhos percorridos por esse países.

Um dos principais riscos do complexo de inferioridade incentivado, durante anos, por estadistas e pela classe empresarial do país, é o enfraquecimento de uma identidade própria. Como todos os territórios, o Brasil tem suas particularidades em diversos âmbitos, ignorar nossas tradições em prol de enaltecer potências externas é uma forma de aniquilar nosso chão histórico, e se adequar a moldes que não nos cabem. Os caminhos políticos e econômicos tem que ser trilhados baseados nas especificidades desse povo, que carrega uma história única. A soberania nacional que Bolsonaro tanto defende, se vê ameaçada por aberturas unilaterais que o presidente concede a países que ele considera superiores, escanteando, constantemente, a sua própria nação.

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Ana Beatriz Rocha
Revista Subjetiva

Jornalista, escritora independente e em eterno flerte com a poesia. Cada fragmento estanca a ânsia por liberdade que há em meu peito.