“A linha de rumo”: mudando a rota da vida

Carol Vidal
Revista Subjetiva
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3 min readOct 11, 2018
Foto: Divulgação

Loxodromia (ou linha de rumo), na navegação, é o termo utilizado para definir o movimento em curva descrito por uma embarcação quando navega em rumo constante. Muito embora não constitua o caminho mais curto entre dois pontos, esse é o tipo de trajeto mais simples e normalmente utilizado em mapas marítimos. Se fizermos um paralelo com a vida, podemos dizer que vivemos em loxodromia quando seguimos por um caminho previsível ou estável, seja escolhido por nós ou atendendo às expectativas de outras pessoas (como os pais). Até que um acontecimento inesperado exige medidas extremas.

E é o que acontece com Leigh, protagonista do livro “A linha de rumo”, de Giulia Santana. Lançado de forma independente, a obra é narrada pelo ponto de vista da jovem, que vê sua vida revirada quando Marlena, sua prima e melhor amiga, sofre um acidente e ela descobre que as duas foram trocadas na maternidade.

Toda a trama se desenrola enquanto Marlena está em coma e Leigh se vê, pela primeira vez, precisando lidar com as questões de sua família sem ter a prima ao seu lado. A longo da narrativa, vamos percebendo que os parentes das duas estão envolvidos em um antigo caso de desentendimentos. As duas cresceram em meio à briga de seus pais, que não se falam há anos, mesmo que elas não entendam muito bem o motivo. Como elas sempre se apoiaram para driblar a confusão familiar de forma a não abalar a amizade das duas, Leigh se sente sem rumo ao se ver sozinha.

Ambientado basicamente no hospital, o livro tem entre seus pontos altos a jornada de autoconhecimento da protagonista, dividida entre o medo de perder a prima e melhor amiga e as incertezas que a descoberta da troca delas na maternidade traz para o núcleo familiar. O acidente de Marlena é a mudança de rota que permite a Leigh encontrar sua própria voz e sua força sem ter a prima para auxiliá-la. Durante a história, presenciamos alguns episódios de crise de ansiedade da protagonista, o que pode ser um gatilho para quem é mais sensível a esse tipo de temática.

Essa situação inesperada e triste que é o acidente de Marlena permite também que a família como um todo revisite antigas dores em busca de redenção, e é aí que começamos a entender o que motivou tanto ressentimento entre irmãos que eram tão unidos.

Todo esse drama familiar é muito interessante, uma vez que os conflitos são palpáveis e, mesmo tendo um tom novelesco, não ficou apelativo ou inverossímil, já que o ritmo da narrativa é muito bom. Diante de todos os acontecimentos que envolvem essa parte da história, podemos dizer que, de uma forma geral, o livro fala sobre perdão.

“A linha de rumo” proporciona uma leitura fluida e envolvente, os acontecimentos são bem encadeados e não se tornam confusos mesmo quando são narrados fatos do passado. Os personagens são muito bem construídos, e todo o drama familiar é muito verossímil, o que torna fácil para o leitor se importar e se envolver com o que está acontecendo.

Um dos aspectos mais interessantes da obra é a presença constante de Marlena na história, mesmo no período em que está em coma. É possível conhecê-la por meio do olhar dos outros personagens, especialmente dos primos, que a todo momento pensam em como ela agiria para resolver determinada situação. Nesse sentido, pode-se dizer que a presença de Marlena é uma protagonista na história.

O ponto problemático do livro é a voz narrativa das crianças, tanto em cenas do passado, quanto em diálogos protagonizados por Dalila, irmã de Marlena. A forma como falam não soa natural e fica difícil acreditar que era uma criança falando. Mas isso é apenas um detalhe e não atrapalha o andamento da história.

Recheado de sentimentos, “A linha de rumo” é um livro sensível e envolvente. Ele serve como um alerta de que a vida é cheia de obstáculos que podem nos obrigar a recalcular a rota, mas também nos ensina que, mesmo nos piores momentos, sempre há aprendizado e pessoas com quem contar. E, mais importante: não há nada de errado em abandonar um caminho que não agrada mais e buscar novas águas para navegar.

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Carol Vidal
Revista Subjetiva

Carioca que mora em Salvador. Escritora e podcaster que ama cozinhar (palavras e comidas). Conheça meu trabalho: linktr.ee/carolvidal_