A política que nos trata como crianças

Rafael Moreno
Revista Subjetiva
Published in
4 min readDec 8, 2020

Ser adulto é uma escolha difícil. Tinha uma manchete parecida com essa há dois anos né?

Talvez a escolha em si, além da óbvia que poderia ter sido feita, se dá também na escolha em crescermos, virarmos adultos e tomar o mundo para nós.

Claro, podem até chegar e dizer “eu pago meus boletos” e sim, não deixa de ser importante, fundamental na maioria dos casos. Mas isso não te faz uma pessoa crescida.

Até porque ser adulto não significa ter aquela vida monótona que cansamos de ver nos filmes e séries, curvados num computador do escritório e pensando no que poderia estar fazendo ao olhar para a janela, isento de emoções e experiências, perdendo o que há de melhor.

Não chega nem perto disso. Porém, acreditamos que crescer é chato, danoso, uma vida cinza se comparado ao arco-íris que a era a nossa infância.

Tenho pra mim que “o ser adulto” significa muito mais tomar para si a responsabilidade de ser a geração condutora do mundo para a geração que está por vir. Entregar algo melhor do que pegamos, sacas?

Para isso, quer queira quer não, precisamos a nos atentar para assuntos, digamos, chatos.

Não precisamos ser especialistas em economia, política, sociedade. Mas precisamos entender que ela nos afeta diretamente. Compreender que tudo que fazemos, ou deixamos de fazer, também afeta a sociedade em que vivemos e assim nos tornarmos mais participativos.

Na ausência desse crescer, fomos banhados nos últimos anos por uma ação de infantilização da discussão política. Memes, mitadas, posts dos MBL da vida com óculos de “turn down for what”, cheio de tiradas engraçadinhas e convocações para debate, como crianças da quinta séria chamando para a briga.

Quem não se lembra do ex-ministro da educação dançando “Cantando na Chuva” ou colocando aquele óculos escuros após soltar o microfone no chão após seu discurso, do tipo “valeu, falou”?

Olha o primeiro turno em SP. Um candidato com a alcunha de Mamãe com frases feitas, de efeito, que se popularizou provocando manifestantes pra se dizer “perseguido pela esquerda”. Nem preciso falar sobre a ida dele na faculdade né?

Não satisfeito, nos horários eleitorais, tínhamos a Joice cochichando falas panfletárias, recheadas de memes. Isso sem contar a musiquinha que ela cantou, em pleno debate, para o candidato Covas. Sim, ela cantou uma musiquinha, com o tom mais adolescente do mundo, em versos que terminaria em palavrão.

Não nos esqueçamos que o nosso presidente levou um comediante para sua coletiva diária, onde o mesmo fazia uma caricatura da sua pessoa enquanto oferecia bananas aos repórteres. Some ao fato do seu Twitter recheado de piadas e vídeos engraçados (?) em pleno apagão do Amapá.

Mas o que há por trás de tanta brincadeira, gozação, tiração de sarro?

Uma clara intenção de diminuir o nosso interesse pela política, deixarmos de leva-la a sério e encararmos como um entretenimento sem importância, iguais aos vídeos engraçadinhos do Tik Tok. Como se nossa razão de viver fosse aguardar o próximo filme de super-herói.

Tudo isso pra darmos uma importância menor a tantas crises que nos afetam diariamente, porque é “chato” e “sem graça” falar sobre elas.

Não, não é e não deveríamos pensar que seja. Mas somos condicionados a isso. É dessa maneira que estamos sendo tratados. Como crianças na quinta-série, onde mais vale a diversão no intervalo de aula do que aprender sobre aquela aula chata de matemática.

É como escolher o danoninho ao invés do brócolis como alimentação saudável aos trinta anos de idade.

Tudo porque é bem chato falar de Covid, o apagão no Amapá, a constante desvalorização do real, se não for acompanhado de um vídeo curto, com uma resposta pronta e rasa e, se possível, com uma musiquinha ao fundo ou uma piadinha no final do post.

Estamos sendo tratados dessa maneira. Encontraram uma brecha, um atalho, fizeram da política um entretenimento, algo divertido a se debater com tiradinhas, não para que pudéssemos falar mais sobre política e tudo que a rodeia, mas justamente pra não levar a sério, da maneira que ela deve ser levada.

Precisamos entender que temos um mundo em nossas mãos que seguirá mediante as nossas escolhas.

E quando a próxima geração perguntar o que aconteceu para o mundo ser o que é, o que fará? Responderá com um meme, uma mitada ou dirá que a culpa foi do Thanos?

Bem, temos o segundo turno das eleições pela frente e mais dois anos para decidirmos novamente o rumo do nosso país. Deixo com vocês um trecho de Menino Mimado, do Criolo.

Eu não quero viver assim, mastigar desilusão
Este abismo social requer atenção
Foco, força e fé, já falou meu irmão
Meninos mimados não podem reger a nação

Já não basta o país ser regido por uma criança mimada, não deixem que te tratem como uma também.

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