A UERJ me obriga a escrever

Quando os problemas de saúde mental na universidade deixam de ser exceção.

Ligia Thomaz Vieira Leite
Revista Subjetiva

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No momento em que os editores da revista me disseram que essa semana faríamos um especial sobre saúde mental na universidade, eu só conseguia pensar que: nosso semestre está tendo 75 dias. 75 dias para dar toda a matéria que seria dada nos 100 de um semestre regular. 75 dias para fazer as mesmas leituras, os mesmos trabalhos e as mesmas provas. Em tese, 75 dias para adquirir o mesmo conhecimento — ha-ha-ha.

E não são 75 dias de aulas em condições normais, com a faculdade funcionando à toda. São 75 dias sem papel higiênico nos banheiros, com metade dos elevadores quebrados, a biblioteca funcionando em regime especial, e problemas de manutenção que deveriam inutilizar certas áreas da universidade, mas não o fazem, porque, afinal, é um semestre de 75 dias.

E quando a gente pensa que não fica muito pior do que isso, lembra que são 75 dias com a secretaria em greve. Isso significa um semestre inteiro sem poder pedir a substituição das matérias nas quais nos inscrevemos em janeiro, mas só começamos a cursar em abril. Todo um período sem poder pedir requerimento de segunda chamada, fato que alguns professores decidiram esquecer e mesmo assim exigir o documento dos alunos. 75 dias de ansiedade quanto à existência da possibilidade de nos reinscrevermos naquela matéria obrigatória, que ficou fora da grade no Aluno Online porque o sistema estava com defeito.

Pior ainda é lembrar que mais da metade dos alunos estão recebendo a bolsa permanência com atraso — quando recebem. Isso significa que são 450 reais a menos na renda mensal desses estudantes que passam a ter como preocupação, além do seu desempenho na faculdade, a possibilidade de manter-se nela. 75 dias de incerteza quanto ao que comer, uma vez que o restaurante universitário — que servia refeições completas por apenas 2 reais — não abriu as portas nem uma vez ao longo de todo o semestre, ou com relação ao meio de deslocamento até a universidade — vez que o Passe Livre Universitário só se aplica a residentes do município do Rio de Janeiro.

Em suma, um semestre de 75 dias é todo o desespero, a ansiedade e o nervoso de um semestre normal, compilado em — adivinha? — 75 dias, três quartos do tempo. Mais do que isso, para muitos é também comer marmita fria que traz de casa, ou ter que se contentar com um salgado de valor nutricional quase nulo; é aparecer na faculdade uma ou duas vezes por semana, porque não tem dinheiro para comparecer mais do que isso; é não aprender a matéria toda, porque o professor não tem tempo de dar em sala e os livros são caros demais e não estão disponíveis online; é ter que fazer prova dessa mesma matéria não aprendida, sem poder faltar por doença ou qualquer motivo especial, porque não dá pra emitir requerimento de segunda chamada e o professor não aceita que seja entregue o atestado diretamente para ele.

Tudo isso, quando combinado, gera um ambiente de ansiedade e insatisfação geral que é quase palpável. É duro não ter condições de se manter na universidade que, no momento do nosso ingresso, garantia a inclusão a todos os alunos, e é triste ver nossos amigos nessa situação. É exaustivo ter quatro tempos de aula seguidos, quando se devia ter dois, porque o professor precisa condensar a matéria em menos dias letivos. É atordoante ter aula até as 22h40min no escuro, porque não dá pra perder tempo de exposição e a luz caiu, de novo. É absurdo chegar na faculdade e, ao andar para a sala de aula, passar por mais de uma pilha de lixo em volta da lixeira, porque as pessoas que cuidam da limpeza estão sem receber há mais de um mês. É ridículo ter a primeira prova um mês depois do início das aulas e passar os dois meses seguintes com provas toda semana.

O mais bizarro disso tudo é que pra gente está virando normal. Nos 75 dias de 2016.2 — sim, na UERJ ainda estamos em 2016 — , comer um salgado na hora do almoço porque não dá pra pagar o kilo é frequente e segurar o xixi porque o banheiro está nojento virou lei. Fazer plantão na porta da coordenação, porque precisa cancelar uma matéria pelo conselho departamental, não é garantia que se encontre alguém. Os alunos que decidiram estagiar antes do período recomendado se tornaram maioria e as provas têm sido realizadas em uma sala com montes de entulho pelos cantos porque está, literalmente, caindo aos pedaços. Nesses 75 dias, encontrar gente chorando pelos corredores por motivos que se relacionam à faculdade virou rotina.

Se a universidade contemporânea, por si mesma, propicia o surgimento de questões de saúde mental nos jovens, imagina o que a situação atual da UERJ não faz com seus alunos, professores, servidores e terceirizados…

Esta semana, do dia 26 de junho ao dia 3 julho, estaremos trazendo textos relacionados ao tema “Saúde Mental na Universidade”. Acompanhe o conteúdo e compartilhe com os amigos!

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